quarta-feira, 6 de março de 2013

Editor-chefe da Nature fala sobre a abertura da ciência


Philip Campbell,
editor chefe da revista Nature
Por Frances Jones, da   Agência FAPESP 

Quando se trata de abertura da ciência, é fácil defender o livre acesso aos artigos científicos e dados de pesquisas. Mais difícil é colocar isso em prática. Em linhas gerais, essa foi a posição dos três palestrantes que participaram da conferência “Science as an open enterprise: open data for open science”, realizada na sede da FAPESP, em São Paulo, reunindo o editor-chefe da revista Nature, Philip Campbell, o químico Martyn Poliakoff, secretário de Relações Exteriores da Royal Society (a academia de ciências britânica), e o diretor científico da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz.

“É muito fácil falar em ciência aberta”, afirmou Campbell, o sétimo editor da história da influente revista científica britânica, criada em 1869. “Mas é preciso pensar também nos custos, no crescimento do número de dados e publicações, na manutenção desses dados e em como melhorar a confiança na ciência”, complementou o editor.


Campbell é um dos integrantes do grupo de trabalho que preparou o relatório Science as an open enterprise: open data for open science, um documento de 105 páginas da Royal Society, lançado em junho de 2012, analisando os desafios e as oportunidades trazidas pelas novas formas de reunir, armazenar, manipular e transmitir os dados e informações sobre pesquisas científicas.

O relatório aborda como os cientistas precisam se adaptar às mudanças nos cenários tecnológico, social e político e reúne recomendações a pesquisadores, universidades e institutos de pesquisa, agências de fomento, governo, editoras de revistas científicas, associações e organismos profissionais.

Para Campbell, que é graduado em engenharia aeronáutica pela Universidade de Bristol, com mestrado em astrofísica e doutorado em física atmosférica, não basta apenas deixar os dados disponíveis para todos na internet. É preciso torná-los acessíveis, inteligíveis e reutilizáveis. E isso tem custo.

Ele citou, entre outros, o exemplo do Worldwide Protein Databank, repositório mundial com informações sobre as estruturas em três dimensões das grandes moléculas biológicas, incluindo proteínas e ácidos nucleicos, cujo projeto tem um custo total de cerca de US$ 12 milhões por ano e emprega 69 funcionários.

A própria Nature não tem todo o conteúdo aberto e para ler os seus artigos é preciso ser assinante – Campbell contou que o número de assinantes caiu do pico de 72 mil para cerca de 50 mil e aponta que no futuro a versão impressa provavelmente deixará de existir.

A revista adota o chamado padrão de acesso “verde”, nas quais as versões finais dos autores dos artigos ficam disponíveis (para os autores publicarem em qualquer outro lugar, incluindo em blogs próprios) apenas depois de um determinado prazo após a publicação original na revista. Em geral, segundo Campbell, o prazo exigido pelas publicações é de 12 meses. A Nature pede seis meses.

Há também o chamado acesso “ouro”, segundo o qual a versão final de um artigo fica totalmente disponível a todos a partir do momento da publicação e não há barreiras de assinaturas – pode ser reusável por qualquer pessoa em qualquer circunstância.

“Existe ainda o modelo híbrido, que são as revistas que combinam as assinaturas com uma opção de acesso ouro aos autores que pagam para deixar o acesso livre ao seu artigo, como ocorre na Nature Communications, afirmou Campbell. Segundo ele, o preço cobrado ao autor era de US$ 5 mil em 2012.

O editor indica que a tendência das revistas do grupo Nature é se tornarem híbridas. “Os editores querem isso, mas estão sujeitos à viabilidade financeira”, disse.

A conferência contou com a presença do presidente da FAPESP, Celso Lafer, e de José Arana Varela, diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo da Fundação. Varela e Poliakoff foram os moderadores do evento.

Artigos de pesquisas apoiadas

Brito Cruz comentou que várias iniciativas no Brasil têm avançado no sentido da abertura dos dados do mundo da ciência, mencionando os bancos de dados brasileiros já disponíveis gratuitamente na internet. “Acesso aberto não é algo completamente novo para nós aqui”, afirmou.

O diretor científico da FAPESP citou as informações abertas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), do currículo Lattes, da Biblioteca Virtual e do programa SciELO (FAPESP/Bireme), “um dos maiores repositórios de publicações científicas do mundo”.

“Não há muitos países com esses tipos de dados completamente abertos para qualquer um em qualquer parte do mundo. Nós, no Brasil, pensamos que é a norma, mas não é”, disse.

Brito Cruz também falou sobre a política de acesso aberto já aprovada pelo Conselho Superior da FAPESP, que estabeleceu a criação de um repositório para a publicação de todos os artigos de pesquisas que receberam apoio da FAPESP.

“Os resultados de auxílios e bolsas financiados pela FAPESP terão de estar lá, seguindo as normas de cada revista científica onde o artigo foi publicado originalmente. Se o artigo tiver sido publicado na Nature, por exemplo, terá de aguardar seis meses”, disse. Segundo ele, o repositório deverá ficar pronto no segundo semestre de 2013.

Vídeos de química

Martyn Poliakoff, da Royal Society, destacou que a investigação aberta é cada vez mais importante dentro da ciência e que a “explosão de dados” que vem com a tecnologia precisa ser organizada e classificada. Além disso, a população estaria cada vez mais preocupada com temas como mudanças climáticas e quer mais dados para saber se a ciência está sendo feita de modo apropriado.

“Os dados que coletamos hoje podem ser usados no futuro de forma que ainda não conseguimos imaginar. Os exploradores de antigamente que coletavam espécimes de plantas e animais não sabiam nada sobre DNA e hoje as amostras são submetidas a esse tipo de investigação. Quando você coleta os seus dados, reúne informações que, no futuro, poderão ser analisadas de formas muito diferentes. São coisas que terão um valor enorme para cientistas que ainda nem nasceram”, disse.

Poliakoff, professor da University of Nottingham, é conhecido por um site (www.periodicvideos.com) no qual apresenta vídeos com experiências com os 118 elementos da tabela periódica de química. Parte desses vídeos agora também tem legendas em português.

Em 2010, FAPESP e Royal Society promoveram o UK-Brazil Frontiers of Science Symposium, em Itatiba (SP). O evento faz parte do programa Fronteiras da Ciência, uma série de encontros promovidos periodicamente pela Royal Society, em diversos países, com o objetivo de estimular os participantes a refletir sobre os novos rumos de seus campos de atuação, assim como de outras áreas do saber.

Em setembro de 2013, FAPESP e Royal Society voltam a atuar conjuntamente em novo evento, que será realizado em Londres e reunirá pesquisadores de diferentes instituições do Brasil, Reino Unido e outros países europeus.

Por dentro da Nature

Na plateia da conferência realizada no Auditório da FAPESP completamente lotado, Tel Amiel, pesquisador do Núcleo de Informática Aplicada à Educação (Nied), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), gostou de conhecer a posição da Nature com relação ao tema “open science”.

“Acho que a maioria do público aqui e das pessoas minimamente envolvidas com ciência veem a Nature como bastião, como alvo. Mesmo que ela não publique artigos em todas as áreas, tem uma perspectiva de vanguarda e é muito realista. Acho que a perspectiva britânica também é pragmática, com uma noção muito clara do que é e do que não é possível”, disse.

Para Amiel, o Brasil está na vanguarda com relação a esse tema. “Não foi uma conversa em que viemos ouvir o pessoal de fora para saber o que está ocorrendo. Viemos para tentar entender o que eles estão fazendo, para falar o que nós estamos fazendo e descobrir caminhos para fazer isso funcionar, de uma forma que seja viável, que mantenha a qualidade e abra novos caminhos para a produção científica”, disse.

Segundo Campbell, anualmente a Nature recebe 11 mil submissões de artigos científicos para publicação. Sessenta e cinco por cento são descartados em até uma semana por questões científicas. O restante é submetido ao parecer de dois ou três revisores. Ao final do processo, apenas 8% do total inicial de artigos é aprovado e publicado na revista.

Para o editor-chefe, os revisores da Nature agregam valor ao texto inicial apresentado pelo pesquisador de várias maneiras. Uma delas é fazendo uma seleção rigorosa dos artigos, de acordo com a validade, a qualidade, o impacto e o significado científico no longo prazo. Outra é pela edição, buscando acurácia técnica e melhorar a linguagem.

“Há em média seis autores por artigo. E uma medida tomada há alguns anos pela revista foi solicitar, de maneira informal, aos autores que especifiquem a contribuição de cada autor ao trabalho”, disse.

Na opinião de Campbell, a área por excelência que mais se beneficia com o acesso livre é a das ciências que estudam as mudanças climáticas no planeta. “Há muitos grupos diferentes interessados nas mudanças climáticas, sejam eles pesquisadores, agências do governo, empresas privadas ou cidadãos, todos querem descobrir coisas sobre todo e qualquer aspecto do clima”, disse à Agência FAPESP.

“A literatura é publicada em muitas revistas científicas diferentes e, se elas estiverem fechadas, fica impossível para qualquer pesquisador encontrá-la com facilidade. Como precisamos de pessoas de todas as disciplinas e de vários lugares trabalhando na mudança climática, parece-me muito razoável tornar os dados abertos”, disse.

Há uma situação paralela, segundo ele, na área da saúde, embora o conhecimento seja especializado e haja temores pelos riscos associados à interpretação errada do público sobre os dados de saúde. “Mas acho que devemos assumir que é melhor ter conhecimento demais do que de menos”, disse. 

Contaminação de igarapés tem grande impacto em Manaus



Com a maioria dos igarapés  de Manaus poluídos pelo processo de urbanização da cidade, a população acabou perdendo interesse por esses riachos que cortam a floresta amazônica e serpenteiam pelo meio urbano.

A começar pelo nome, de origem tupi-guarani, que significa ‘caminho de canoa’, outros fatos também são desconhecidos pela maioria, como a importância climática no cenário urbano e a biodiversidade que habita esses riachos.

O  pesquisador Jansen Zuanon  apresentou dados do Projeto Igarapés, que tem sede no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e surgiu em 2001 para preencher uma lacuna nos estudos biológicos das águas da Região Amazônica.
“Como vivemos em uma paisagem de grandes rios e a maioria da população depende deles, a maior parte dos estudos biológicos foi direcionada nesta área. A ideia surgiu, principalmente, por um interesse científico de estudar os igarapés”, explicou.

Nos 13 anos em que o Igarapés atua, os pesquisadores concluíram que esses riachos apresentam uma fauna diversificada como também variação de volume em certos períodos do ano e sensibilidade ante a impactos ambientais. “O desmatamento e os detritos jogados contribuem rapidamente para a contaminação das águas do igarapé e as consequências são extensas”, destacou.

Segundo o doutor em Ecologia, o calor produzido pela poluição das águas, causado pelas bactérias e a matéria orgânica, afeta o meio ambiente ao redor. “Quando essas águas afloram nas nascentes, a temperatura é de 22 Cº. Com a falta da mata para proteger do sol e com a fermentação da decomposição da matéria orgânica, a temperatura pode atingir 29 Cº”, explica. “Estamos trocando a função de ar-condicionado e qualidade de vida por um esgoto cheio de doenças”.

Outra consequência apontada pelo pesquisador são as enchentes, resultado direto da obstrução da passagem da água e do aterramento dos igarapés. Para Zuanon, projetos como o Prosamim são de importante cunho social, porém, não atentam para o procedimento correto no tratamento dos córregos da cidade. “Quando se aterra um igarapé, a água da chuva não tem para onde escoar, pois não há terra para absorvê-la nem canal para jogá-la nos rios e ela acaba acumulando na superfície”, revelou.

Conforme Zuanon, o correto seria a implantação de estações para tratar a água e a desobstrução dos córregos, que se tornam alternativas mais caras e sem atenção de governos. “É perfeitamente possível despoluir os igarapés de Manaus e termos água de boa qualidade. Mas, primeiro, temos que educar ambientalmente as pessoas para que não poluam as águas. É um costume de muitos anos e temos que lidar com isso”, alerta ele.

Reserva é um testemunho da cidade antes da urbanização

A reserva Adolpho Ducke, localizada a 25 quilômetros de Manaus, é o principal campo de pesquisas do Projeto Igarapés. Doada pelo governo em 1962, em uma solicitação do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), a floresta tem 10.000 hectares e mais de 40 nascentes preservadas.

“É como ter um testemunho da Manaus antes da urbanização, a maioria dos estudos é feita por lá, mas também temos postos em vários pontos da região”, disse o dr. e pesquisador do Inpa Jansen Zuanon.

O acesso à reserva Adolpho Ducke ocorre pela rodovia AM-010 (Manaus/Itacoatiara), onde também podem ser encontrados o Jardim Botânico e o Museu Amazônico (Musa). A ideia, segundo Zuanon, é aproximar a população do meio ambiente e incentivar a preservação. “Não podemos ter a população como inimiga, ela precisa estar em contato com a natureza para aprender a valorizar e preservar a natureza”, acrescenta ele.   

A reserva possui um centro administrativo, biblioteca, lanchonete, estacionamento e trilhas que permitem o acesso dos visitantes aos diferentes ecossistemas da região.

Fonte: Fapeam