terça-feira, 29 de abril de 2008

Tese discute o valor do conhecimento tradicional para a ciência

Tiago Araújo

O reconhecimento do saber das populações tradicionais pelo meio científico ainda é um tabu. Um pesquisador vai a campo, realiza seu trabalho e publica sua pesquisa. A pessoa que o guiou na tarefa, conhecida pelos pesquisadores como "guia de campo" , tem direito de ser creditado na pesquisa científica como um dos autores?

A polêmica questão fez parte de uma série de perguntas feitas a diversos cientistas por Graça Ferraz, chefe da Coordenação de Planejamento e Acompanhamento (CPA) do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG/MCT) e pesquisadora de Ciências Sociais. A questão envolvendo a valorização do conhecimento tradicional dos ribeirinhos foi o tema de sua tese de doutorado intitulada "Cientistas, visitantes e guias nativos na construção das representações de ciência e paisagem na Floresta Nacional de Caxiuanã", defendida no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Pará (UFPA).

Graça Ferraz concentrou seu trabalho nas comunidades que vivem no entorno da Estação Científica Ferreira Penna (ECFPn), bem como nos pesquisadores que utilizam a estrutura da Estação, localizada na Floresta Nacional de Caxiuanã. "Trabalho com as comunidades que vivem no entorno da ECFPn desde 1996, e sempre me chamou a atenção o modo como elas tratam o conhecimento. Diferente de nós, pesquisadores, os conhecimentos dos ribeirinhos são algo comum e natural para eles, adquirido e repassado de pai para filho", explica Graça.
Para desenvolver seu trabalho, ela fez uma série de entrevistas com todos os guias de campo da Estação, moradores das comunidades próximas e pesquisadores que trabalham na ECFPn, inclusive alguns estrangeiros. Graça obteve relatos diversos acerca de conhecimento científico e tradicional.

Segundo ela, "o objetivo principal do trabalho era mostrar o quão importante é o conhecimento tradicional para as pesquisas científicas, dar visibilidade para essas pessoas". Graça conta que alguns pesquisadores reconheceram, por exemplo, "que se não tivessem a ajuda de um guia de campo, suas pesquisas poderiam levar meses ou anos a mais para serem concluídas. O ribeirinho conhece o melhor local para coletar um espécime ou instalar um equipamento, por exemplo". Ao serem perguntados se dividiriam a co-autoria de um trabalho científico com os guias de campo, alguns pesquisadores ficaram perplexos", diz Graça.
"O guia de campo não é visto como participante ativo na produção da ciência. Apesar de reconhecido por todos, o saber tradicional é colocado numa outra instância, menos qualificada", explica. Mas ela ressalta que não reconhecer o papel dos guias nativos não se constitui discriminação por parte dos pesquisadores. "Não se trata de algo consciente. O fato é que nós, pesquisadores, passamos por uma série de etapas - como provas, defesas de trabalhos, artigos publicados e outros - para oficializar o conhecimento que adquirimos. Acabamos, portanto, por valorizar o conhecimento que atravessa essas etapas e esquecemos que existem outras formas de conhecimento, como o adquirido pelos guias de campo".

Na opinião da pesquisadora, "a aquisição do conhecimento tradicional é histórica e processual, por isso, este não pode ser inventariado, mas a experiência em que se baseia, fundamental para produzir a ciência do lugar e no lugar, não pode ser adquirida em curto prazo". É essa perspectiva, acredita ela, "contribui para o entendimento da imprescindível colaboração dos nativos". Em seu trabalho, Graça concluiu que os moradores do entorno da Estação, incluídos os guias de campo, esperavam mais do conhecimento produzido na ECFPn, no sentido de mudar algo em suas vidas. Ela concluiu também que os pesquisadores vêem o guia de campo apenas como um instrumento para alcançar seus objetivos de forma rápida e segura.

Para ela, "o ideal seria o Museu Goeldi aproveitar o diferencial da ECFPn, uma base científica em plena floresta, em favor de suas pesquisas e reconhecer a importância do conhecimento adquirido pelos guias de campo, que disponibilizam tudo o que sabem a determinado pesquisador. Ele deve ter o seu trabalho reconhecido ao final de uma pesquisa, pois é um importante componente para o avanço do conhecimento".
Como solucionar a questão do reconhecimento do papel dos guias nativos? "Isso ainda fica em aberto," admite Graça em sua tese.

Fonte: Agência Museu Goeldi

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