Maior integração entre a comunidade científica poderia auxiliar na resolução de importantes questões da sociedade. A mobilização dos cientistas nas discussões sobre o novo Código Florestal serve de exemplo para reflexão.
Por Gabriela Reznik, da Ciência Hoje On-line
Cientistas brasileiros devem se unir e estabelecer maior interação com a sociedade para resolver questões nacionais comuns, defende o ecólogo Jean Paul Metzger, da Universidade de São Paulo (USP). Apesar do aumento expressivo da produção científica brasileira na última década, o baixo aproveitamento do conhecimento produzido na formulação de políticas públicas é um sinal de que a ciência nem sempre ajuda a solucionar os grandes problemas do país.
Ecólogos demonstram preocupação com florestas alagáveis que ficaram desprotegidas no novo Código Florestal. Pesquisadora defende mobilização maciça da comunidade científica para reverter situação. (foto: Fritz Rudolf Loewa/ CC BY-SA 3.0)
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Alterar esse quadro, segundo Metzger, requer uma mudança de visão da comunidade científica, que tende a encarar a produção e a disseminação do conhecimento como processos lineares, ou seja, pesquisadores geram dados e produtos que são assimilados passivamente pelos indivíduos-usuários. Para o ecólogo, que participou da Reunião Magna da Academia Brasileira de Ciências (ABC) na semana passada, no Rio de Janeiro, cientistas e sociedade devem se organizar em torno de objetivos comuns, guiados por uma visão sistêmica e transdisciplinar.
Como exemplo dessa abordagem sistêmica, Metzger menciona o estágio final do projeto Biota-Fapesp, iniciado em 1999 em São Paulo, cujo principal objetivo era a caracterização da biodiversidade do estado. “Após oito anos de trabalho, adotamos uma abordagem transdisciplinar a fim de direcionar diretrizes para conservação e restauração da biodiversidade na região; num espaço muito curto de tempo, a Secretaria do Meio Ambiente se apropriou daqueles dados científicos para estabelecer estratégias nessa linha”, conta o ecólogo.
Maior organização e diálogo entre a comunidade científica e outras instâncias sociais foi exigida recentemente em meio à proposta de reformulação da legislação florestal brasileira. A polêmica discussão do novo Código Florestal, aprovado em abril pela Câmara dos Deputados, provocou a manifestação em peso da academia em prol da manutenção de limites estabelecidos no marco legal de 1965. “A comunidade científica brasileira entrou nesse debate, ainda que tardiamente, com uma mobilização única”, lembra Metzger.
A partir do Grupo de Trabalho do Código Florestal – liderado pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e pela ABC – foi elaborado um documento com propostas da comunidade científica a serem incorporadas à nova regulamentação. Apesar disso, Metzger lamenta que pouco ou nada dos dados contidos no documento tenha sido incorporado ao novo código, o que considerou “uma grande derrota para a ciência brasileira”.
Amazônia fragilizada
A nova definição de Área de Proteção Permanente ao longo dos rios, lagos e nascentes – na qual a vegetação nativa terá como parâmetro o nível regular da água em vez da área de alagamento – é, na avaliação do ecólogo, uma das implicações negativas da recente legislação, principalmente para a região amazônica. “Além da perda de serviços ecossistêmicos com essas áreas desprotegidas, isso significa também risco de vida para as pessoas”, diz Metzger, uma vez que esses locais poderão ser ocupados e permanecer sujeitos a constantes alagamentos.
A ecóloga Maria Tereza Piedade, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), enfatiza a importância do ciclo hidrológico para a dinâmica florestal na região. “A versão atual deixa todas as florestas alagáveis fora do limite de proteção; 60% da população rural da Amazônia vive em várzeas e depende dos pulsos de inundação”, afirma.
Piedade alerta ainda que este ano, no período de cheia, o aumento do volume dos rios amazônicos será maior do que o habitual, o que já pode ser sentido pelas recentes enchentes noticiadas na região. As consequências das cheias sobre a população podem ser maiores com o desmatamento das várzeas. Segundo a ecóloga, o desmatamento é a ameaça mais imediata para a região, “mais urgente do que as mudanças climáticas”. “Está na hora de fazermos juntas médicas de cientistas na Amazônia”, apela.
Uma oportunidade de diálogo?
Logo antes da Rio+20, entre 11 e 15 de junho, vai ocorrer na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) o Fórum Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Sustentável. O objetivo do encontro é reunir renomados cientistas, tomadores de decisão e sociedade para discutir o papel da ciência e da inovação na transição para o desenvolvimento sustentável, uma economia verde e a erradicação da pobreza.
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