Cooperativa de agricultores japoneses implementa com sucesso um sistema agroflorestal na Amazônia que pode servir como modelo para a geração de renda e o desenvolvimento da região.
Por Marcelo Garcia, da Ciência Hoje Online
O que japoneses, floresta amazônica, pimenta-do-reino, pequenos produtores e agroindústria têm em comum? Essa combinação inusitada está fazendo sucesso no pequeno município de Tomé-Açu, no Pará, onde uma cooperativa de produtores rurais descendentes de japoneses tem utilizado sistemas agroflorestais como forma de cultivo sustentável e lucrativa. A metodologia, que permite a criação de produtos mais saudáveis e renda o ano inteiro, pode ser replicada em outras áreas da Amazônia.
Na Cooperativa Agrícola Mista de Tomé-Açu, no Pará, produtores realizam plantio integrado de diferentes espécies vegetais, de tamanho variado, juntas em uma mesma área. Na foto, plantações de pimenta-do-reino, cupuaçu, açaí e paricá. (foto: Camta) |
A ideia básica de um sistema agroflorestal é realizar o plantio integrado de diferentes espécies vegetais, de tamanho variado, juntas em uma mesma área, formando diversos 'andares' – o processo recebe justamente o nome de agricultura em andares.
Apesar de não haver um limite pré-definido de combinações, a maioria dos sistemas costuma integrar entre duas e quatro culturas. O conjunto cria uma vegetação densa que protege o solo e oferece sombra às espécies menores. A ideia não é nova – alguns grupos indígenas da Amazônia já a praticavam –, mas a discussão sobre sua utilização como alternativa para a agricultura da região é bastante atual.
Em Tomé-Açu, a instalação desse tipo de plantio começou após o declínio da monocultura da pimenta-do-reino na região, conforme contou o produtor rural Michinori Konagano, um dos diretores da Cooperativa Agrícola Mista de Tomé-Açu (Camta), em mesa-redonda realizada na última quinta-feira (26/7), na Reunião Anual da SBPC em São Luís (MA).
Os imigrantes japoneses que chegaram ao município no fim da década de 1920 trabalharam até os anos 1970 no plantio da especiaria, quando a queda dos preços e epidemias nos pimentais abriram espaço para a entrada dos sistemas agroflorestais na região.
De lá para cá, o sistema foi aperfeiçoado na base da tentativa e do erro para a escolha das melhores combinações de espécies. Hoje, Tomé-Açu é referência nesse tipo de plantio e a cooperativa acumula diversos prêmios relacionados a empreendedorismo e sustentabilidade.
Em suas florestas-plantações, os cerca de 300 membros do grupo dedicam-se ao cultivo do cacau e da pimenta-do-reino, combinado com o de diversas outras espécies, como cupuaçu, mamão, açaí, coco, maracujá, castanha-do-pará, borracha natural e paricá.
Além disso, a Camta promove e orienta a adoção dos sistemas agroflorestais para agricultura familiar em municípios vizinhos e realiza a comercialização dessa produção, um projeto que atende cerca de mil famílias da região.
Segredo oriental?
O sistema agroflorestal oferece uma série de vantagens: como existe muita matéria orgânica no solo, há menos necessidade de adubos e agrotóxicos, o que gera alimentos mais saudáveis. “A cobertura vegetal abundante também retém a umidade da terra, protege as plantações do Sol e proporciona um ambiente mais agradável para o trabalho no campo”, listou Konagano. “Além disso, o plantio de diversas culturas ao mesmo tempo permite a produção continuada e gera renda durante o ano todo.”
O produtor rural explicou, no entanto, que o sucesso da Camta não pode ser explicado apenas pela forma de plantio. Ele aponta o desenvolvimento da agroindústria como essencial para a consolidação do sistema no município – a primeira fábrica do projeto foi estabelecida na década de 1980, com apoio do governo japonês. Hoje a cooperativa exporta artigos como óleos, geleias e polpas de fruta, o que agrega valor ao produto natural. Além disso, reutiliza os restos orgânicos como adubo para a plantação.
Apesar das vantagens do sistema agroflorestal e de existirem outros grupos que realizam esse tipo de cultura na região, ele está longe de ser o mais usual. Para Konagano, o maior gargalo é o escoamento da produção. “Uma iniciativa que pretenda incentivar o sistema deve se preocupar em conquistar acesso aos mercados consumidores”, avaliou. “Se o produtor não puder vender sua produção, passa a se dedicar a outras atividades que destroem a floresta, como a extração de madeira e a pecuária.”
Aspectos culturais e questões econômicas também dificultam a popularização do sistema. “Quando implementada, essa forma de agricultura pode demorar um pouco a dar lucro, pois algumas espécies precisam de mais tempo até a primeira colheita”, alertou. “Além disso, há certa resistência do produtor em abandonar a tradição da monocultura e é mais difícil obter recursos, devido à falta de conhecimento técnico nas instâncias financiadoras para avaliar o negócio”, ponderou.
Para contornar essas dificuldades, Konagano ressaltou a necessidade de se observar a realidade dos agricultores. “É difícil modificar algo tradicional com muita rapidez; uma boa alternativa é compor o sistema agroflorestal com culturas já plantadas na região”, cogitou. “Mas é importante também estar atento ao mercado consumidor e às oportunidades. Por exemplo, hoje o Brasil importa cacau e borracha, então esses podem ser produtos mais lucrativos.”
O produtor ressaltou ainda a importância da formação de mão-de-obra especializada na área. “Temos orgulho de poder formar nosso próprio pessoal em Tomé-Açu e estamos abertos a receber interessados em aprender sobre a metodologia para aplicá-la em outras localidades”, disse. “Há pouco tempo recebemos produtores da Bolívia e do Amazonas, que passaram alguns dias no município e já começaram a implementar o sistema em suas comunidades. Estão todos convidados a fazer o mesmo.”
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