terça-feira, 21 de agosto de 2012

Cientistas apontam problemas da cobertura da imprensa sobre mudanças climáticas

Por Fábio de Castro, da Agência FAPESP
Na avaliação de especialistas reunidos em São Paulo para discutir a gestão de riscos dos extremos climáticos e desastres, para que seja possível gerenciar de forma adequada os impactos desses eventos, é fundamental informar a sociedade – incluindo os formuladores de políticas públicas – sobre as descobertas das ciências climáticas.
No entanto, pesquisadores estão preocupados com as dificuldades encontradas na comunicação com a sociedade. A complexidade dos estudos climáticos tende a gerar distorções na cobertura jornalística do tema e o resultado pode ser uma ameaça à confiança do público em relação à ciência.
A avaliação foi feita por participantes do workshop “Gestão dos riscos dos extremos climáticos e desastres na América Central e na América do Sul – o que podemos aprender com o Relatório Especial do IPCC sobre extremos?”, realizado na semana passada na capital paulista.
O evento teve o objetivo de debater as conclusões do Relatório Especial sobre Gestão dos Riscos de Extremos Climáticos e Desastres (SREX, na sigla em inglês) – elaborado e recentemente publicado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) – e discutir opções para gerenciamento dos impactos dos extremos climáticos, especialmente nas Américas do Sul e Central.
O workshop foi realizado pela FAPESP e pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em parceria com o IPCC, o Overseas Development Institute (ODI) e a Climate and Development Knowledge (CKDN), ambos do Reino Unido, e apoio da Agência de Clima e Poluição do Ministério de Relações Exteriores da Noruega.
Durante o evento, o tema da comunicação foi debatido por autores do IPCC-SREX, especialistas em extremos climáticos, gestores e líderes de instituições de prevenção de desastres.
De acordo com Vicente Barros, do Centro de Investigação do Mar e da Atmosfera da Universidade de Buenos Aires, o IPCC, do qual é membro, entrou há três anos em um processo de reestruturação que compreende uma mudança na estratégia de comunicação.
“A partir de 2009, o IPCC passou a ser atacado violentamente e não estávamos preparados para isso, porque nossa função era divulgar o conhecimento adquirido, mas não traduzi-lo para a imprensa. Temos agora um grupo de jornalistas que procura fazer essa mediação, mas não podemos diluir demais as informações e a última palavra na formulação da comunicação é sempre do comitê executivo, porque o peso político do que é expresso pelo painel é muito grande”, disse Barros.
A linguagem é um grande problema, segundo Barros. Se for muito complexa, não atinge o público. Se for muito simplificada, tende a distorcer as conclusões e disseminar visões que não correspondem à realidade.
“O IPCC trata de problemas muito complexos e admitimos que não podemos fazer uma divulgação que chegue a todos. Isso é um problema. Acredito que a comunicação deve permanecer nas mãos dos jornalistas, mas talvez seja preciso investir em iniciativas de treinamento desses profissionais”, disse.
Fábio Feldman, do Fórum Paulista de Mudanças Climáticas, manifestou preocupação com as dificuldades de comunicação dos cientistas com o público, que, segundo ele, possibilitam que os pesquisadores “céticos” – isto é, que negam a influência humana nos eventos de mudanças climáticas – ganhem cada vez mais espaço na mídia e no debate público.
“Vejo com preocupação um avanço do espaço dado aos negacionistas no debate público. A imprensa acha que é preciso usar necessariamente o princípio do contraditório, dando espaço e importância equânimes para as diferentes posições no debate”, disse.
De acordo com Feldman, os cientistas – especialmente aqueles ligados ao IPCC – deveriam ter uma atitude mais pró-ativa no sentido de se contrapor aos “céticos” no debate público.
Posições diferentes
Para Reynaldo Luiz Victoria, da Coordenação do Programa FAPESP de Pesquisa em Mudanças Climáticas Globais, é importante que a imprensa trate as diferentes posições de modo mais equitativo.
“Há casos específicos em que a imprensa trata questões de maneira pouco equitativa – e eventualmente sensacionalista –, mas acho que nós, como pesquisadores, não temos obrigação de reagir. A imprensa deveria nos procurar para fazer o contraponto e esclarecer o público”, disse Victoria à Agência FAPESP.
Victoria, no entanto, destacou a importância de que os “céticos” também sejam ouvidos. “Alguns são cientistas sérios e merecem um tratamento equitativo. Certamente que não se pode ignorá-los, mas, quando fazem afirmações passíveis de contestação, a imprensa deve procurar alguém que possa dar um contraponto. Os jornalistas precisam nos procurar e não o contrário”, disse.
De modo geral, a cobertura da imprensa sobre mudanças climáticas é satisfatória, segundo Victoria. “Os bons jornais publicam artigos corretos e há jornalistas muito sérios produzindo material de alta qualidade”, destacou.
Para Luci Hidalgo Nunes, professora do Departamento de Geografia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), os negacionistas ganham espaço porque muitas vezes o discurso polêmico tem mais apelo midiático do que a complexidade do conhecimento científico.
“O cientista pode ter um discurso bem fundamentado, mas que é considerado enfadonho pelo público. Enquanto isso, um pesquisador com argumentos pouco estruturados pode fazer um discurso simplificado, portanto atraente para o público, e polêmico, o que rende manchetes”, disse à Agência FAPESP.
Apesar de a boa ciência ter, em relação ao debate público, uma desvantagem inerente à sua complexidade, Nunes acredita ser importante que a imprensa continue pluralista. A pesquisadora publicou um estudo no qual analisa a cobertura do jornal O Estado de S. Paulo sobre mudanças climáticas durante um ano. Segundo Nunes, um dos principais pontos positivos observados consistiu em dar voz às diferentes posições.
“Sou favorável a que a imprensa cumpra seu papel e dê todos os parâmetros, para que haja um debate democrático. Acho que isso está sendo bem feito e a própria imprensa está aberta para nos dar mais espaço. Mas precisamos nos manifestar para criar essas oportunidades”, disse.
Nunes também considera que a cobertura da imprensa sobre mudanças climáticas, de modo geral, tem sido satisfatória, ainda que irregular. “O tema ganha vulto em determinados momentos, mas não se mantém na pauta do noticiário de forma permanente”, disse.
Segundo ela, o assunto sobressaiu especialmente em 2007, com a publicação do primeiro relatório do IPCC, e em 2012 durante a RIO+20.
“Em 2007, a cobertura foi intensa, mas a popularização do tema também deu margem a distorções e exageros. O sensacionalismo é ruim para a ciência, porque faz o tema ganhar as manchetes rapidamente por algum tempo, mas no médio prazo o efeito é inverso: as pessoas percebem os exageros e passam a olhar com descrédito os resultados científicos de modo geral”, disse. 

Morre pioneiro da divulgação científica

Por Heitor Shimizu, da Agência FAPESP 
 O jornalista espanhol Manuel Calvo Hernando, conhecido pelo trabalho pioneiro com divulgação científica, morreu aos 88 anos no dia 16 de agosto, em Madri.
Espanhol Manuel Calvo Hernando foi fundador da Associação Ibero-Americana de Jornalismo Científico e seu curso na ECA-USP, em 1972, estimulou a criação da Associação Brasileira de Jornalismo Científico(manuelcalvohernando.es)
Dedicou-se ao jornalismo científico desde a década de 1950. Foi um dos fundadores da Associação Ibero-Americana de Jornalismo Científico, em 1969, da qual foi secretário-geral, e da Asociación Española de Periodismo Científico, em 1971, da qual foi presidente de honra – a entidade é atualmente conhecida como Asociación Española de Comunicación Científica.
Nascido em Fresnedillas de la Oliva, nos arredores de Madri, Calvo Hernando começou sua carreira como redator do jornal Ya, no qual chegou a redator-chefe e subdiretor. Foi o responsável pela comunicação no Instituto de Cultura Hispánica. Em 1999, aos 75 anos, doutorou-se em Jornalismo Científico.
Autor de mais de 30 livros e centenas de artigos sobre jornalismo científico, foi vice-presidente da Asociación de la Prensa de Madrid e professor na Universidad CEU San Pablo, em Madri. Em 2008, foi homenageado pelo Conselho Superior de Investigações Científicas da Espanha pelo trabalho com a divulgação da ciência.
“Se queremos realmente uma sociedade democrática, é preciso que todos entendam a ciência”, disse Calvo Hernando em entrevista à revista Ciência e Cultura em 2005.
A respeito da formação dos jornalistas científicos, disse: “Como os campos científicos são muito específicos, não me parece adequado que os jornalistas sejam formados em cursos de ciência. Mas os jornalistas deveriam fazer uma disciplina de história da ciência e metodologia científica e, depois, fazer como fiz: escolher quatro ou cinco disciplinas – como física, latim, filosofia ou matemática – que, mais tarde, possam servir de base para todo o resto. A partir do momento em que os comunicadores entenderem e souberem o que é a ciência e o método científico, poderão se especializar na área de seu interesse”.
Repercussão no Brasil
“A morte de Manuel Calvo Hernando representa uma lacuna significativa no campo da divulgação científica, pelo papel de incentivador e animador que ele vinha exercendo, desde 1955, quando se destaca como jornalista devotado à cobertura da ciência e da tecnologia”, disse José Marques de Melo, professor emérito da Universidade de São Paulo (USP) e diretor da Cátedra Unesco de Comunicação na USP, à Agência FAPESP.
“Tive o privilégio de ser um dos seus alunos de pós-graduação, no curso que frequentei em 1965, no Centro Internacional de Estudios Superiores de Periodismo para América Latina, sediado pela Universidade Central do Equador. Suas lições foram basilares para a aprendizagem e o exercício crítico do jornalismo científico”, disse.
“Convidei-o a conhecer o Brasil, quando o visitei em Madri, em 1970, ocasião em que manifestou o seu respeito e admiração por José Reis. Nesse mesmo ano veio a São Paulo e, na Escola de Comunicações Culturais da USP, ministrou um curso pioneiro sobre Jornalismo Científico, frequentado pela vanguarda desse setor em nosso país. Retornou em várias outras ocasiões, sempre entusiasmado com a formação das novas gerações”, disse Marques de Melo.
“Foi por inspiração de Calvo Hernando que se fundou, em 1977, a Associação Brasileira de Jornalismo Científico (ABJC), reunindo profissionais e acadêmicos, bem como ajudando a integrá-la na comunidade internacional. Seus livros sobre jornalismo científico constituem fontes indispensáveis aos jovens que se iniciam nesse ambiente”, disse.
O médico e jornalista Julio Abramczyk, também importante divulgador da ciência, é outro que conheceu bem Calvo Hernando. "Para ele não era suficiente usar adequadamente o idioma na divulgação científica. Era necessário empregar também uma linguagem jornalística, isto é, clara, breve, concisa e simples”, disse o colunista de a Folha de S.Paulo.
“Calvo Hernando se destacou por incentivar em vários países da América Latina, por meio de quase uma centena de cursos e palestras, o desenvolvimento e a criação de associações de jornalismo científico”, disse Abramczyk.
“Graças ao seu empenho, São Paulo foi a sede, em 1982, do 4º Congresso Ibero-Americano de Jornalismo Científico, realizado concomitantemente com o 1º Congresso da ABJC, cuja repercussão resultou, na década de 1980, na criação de editorias de Ciência e Tecnologia nos principais jornais do país”, destacou.

Mais informações: www.manuelcalvohernando.es

quinta-feira, 2 de agosto de 2012



Cooperativa de agricultores japoneses implementa com sucesso um sistema agroflorestal na Amazônia que pode servir como modelo para a geração de renda e o desenvolvimento da região.

Por Marcelo Garcia, da Ciência Hoje Online


O que japoneses, floresta amazônica, pimenta-do-reino, pequenos produtores e agroindústria têm em comum? Essa combinação inusitada está fazendo sucesso no pequeno município de Tomé-Açu, no Pará, onde uma cooperativa de produtores rurais descendentes de japoneses tem utilizado sistemas agroflorestais como forma de cultivo sustentável e lucrativa. A metodologia, que permite a criação de produtos mais saudáveis e renda o ano inteiro, pode ser replicada em outras áreas da Amazônia.

Agricultura variada e sustentável
Na Cooperativa Agrícola Mista de Tomé-Açu, no Pará, produtores realizam plantio integrado de diferentes espécies vegetais, de tamanho variado, juntas em uma mesma área. Na foto, plantações de pimenta-do-reino, cupuaçu, açaí e paricá. (foto: Camta)

A ideia básica de um sistema agroflorestal é realizar o plantio integrado de diferentes espécies vegetais, de tamanho variado, juntas em uma mesma área, formando diversos 'andares' – o processo recebe justamente o nome de agricultura em andares.

Apesar de não haver um limite pré-definido de combinações, a maioria dos sistemas costuma integrar entre duas e quatro culturas. O conjunto cria uma vegetação densa que protege o solo e oferece sombra às espécies menores. A ideia não é nova – alguns grupos indígenas da Amazônia já a praticavam –, mas a discussão sobre sua utilização como alternativa para a agricultura da região é bastante atual.

Em Tomé-Açu, a instalação desse tipo de plantio começou após o declínio da monocultura da pimenta-do-reino na região, conforme contou o produtor rural Michinori Konagano, um dos diretores da Cooperativa Agrícola Mista de Tomé-Açu (Camta), em mesa-redonda realizada na última quinta-feira (26/7), na Reunião Anual da SBPC em São Luís (MA).


Os imigrantes japoneses que chegaram ao município no fim da década de 1920 trabalharam até os anos 1970 no plantio da especiaria, quando a queda dos preços e epidemias nos pimentais abriram espaço para a entrada dos sistemas agroflorestais na região.

De lá para cá, o sistema foi aperfeiçoado na base da tentativa e do erro para a escolha das melhores combinações de espécies. Hoje, Tomé-Açu é referência nesse tipo de plantio e a cooperativa acumula diversos prêmios relacionados a empreendedorismo e sustentabilidade.

Em suas florestas-plantações, os cerca de 300 membros do grupo dedicam-se ao cultivo do cacau e da pimenta-do-reino, combinado com o de diversas outras espécies, como cupuaçu, mamão, açaí, coco, maracujá, castanha-do-pará, borracha natural e paricá.

Além disso, a Camta promove e orienta a adoção dos sistemas agroflorestais para agricultura familiar em municípios vizinhos e realiza a comercialização dessa produção, um projeto que atende cerca de mil famílias da região.


Segredo oriental?
O sistema agroflorestal oferece uma série de vantagens: como existe muita matéria orgânica no solo, há menos necessidade de adubos e agrotóxicos, o que gera alimentos mais saudáveis. “A cobertura vegetal abundante também retém a umidade da terra, protege as plantações do Sol e proporciona um ambiente mais agradável para o trabalho no campo”, listou Konagano. “Além disso, o plantio de diversas culturas ao mesmo tempo permite a produção continuada e gera renda durante o ano todo.”


O produtor rural explicou, no entanto, que o sucesso da Camta não pode ser explicado apenas pela forma de plantio. Ele aponta o desenvolvimento da agroindústria como essencial para a consolidação do sistema no município – a primeira fábrica do projeto foi estabelecida na década de 1980, com apoio do governo japonês. Hoje a cooperativa exporta artigos como óleos, geleias e polpas de fruta, o que agrega valor ao produto natural. Além disso, reutiliza os restos orgânicos como adubo para a plantação.

Apesar das vantagens do sistema agroflorestal e de existirem outros grupos que realizam esse tipo de cultura na região, ele está longe de ser o mais usual. Para Konagano, o maior gargalo é o escoamento da produção. “Uma iniciativa que pretenda incentivar o sistema deve se preocupar em conquistar acesso aos mercados consumidores”, avaliou. “Se o produtor não puder vender sua produção, passa a se dedicar a outras atividades que destroem a floresta, como a extração de madeira e a pecuária.”

Aspectos culturais e questões econômicas também dificultam a popularização do sistema. “Quando implementada, essa forma de agricultura pode demorar um pouco a dar lucro, pois algumas espécies precisam de mais tempo até a primeira colheita”, alertou. “Além disso, há certa resistência do produtor em abandonar a tradição da monocultura e é mais difícil obter recursos, devido à falta de conhecimento técnico nas instâncias financiadoras para avaliar o negócio”, ponderou.


Para contornar essas dificuldades, Konagano ressaltou a necessidade de se observar a realidade dos agricultores. “É difícil modificar algo tradicional com muita rapidez; uma boa alternativa é compor o sistema agroflorestal com culturas já plantadas na região”, cogitou. “Mas é importante também estar atento ao mercado consumidor e às oportunidades. Por exemplo, hoje o Brasil importa cacau e borracha, então esses podem ser produtos mais lucrativos.”

O produtor ressaltou ainda a importância da formação de mão-de-obra especializada na área. “Temos orgulho de poder formar nosso próprio pessoal em Tomé-Açu e estamos abertos a receber interessados em aprender sobre a metodologia para aplicá-la em outras localidades”, disse. “Há pouco tempo recebemos produtores da Bolívia e do Amazonas, que passaram alguns dias no município e já começaram a implementar o sistema em suas comunidades. Estão todos convidados a fazer o mesmo.” 






Pesquisa revela baixo fator de emissão de óxido nitroso em canaviais


Por Fábio de Castro, da Agência FAPESP 
Uma porcentagem do nitrogênio contido nos principais fertilizantes empregados na agricultura se perde na atmosfera em forma de óxido nitroso (N2O), o mais potente gás de efeito estufa. Se essa porcentagem estivesse acima de certo limite na cultura de cana-de-açúcar, segundo estudos internacionais, o etanol brasileiro teria seus benefícios ambientais anulados pelas emissões de N2O e não poderia ser considerado um combustível limpo.
Realizando pela primeira vez um estudo com base empírica sobre a emissão de N2O em canaviais, um grupo de pesquisadores brasileiros demonstrou que o fator de emissão dos fertilizantes usados em canaviais está abaixo do previsto pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), fortalecendo a argumentação favorável à sustentabilidade do etanol.
O estudo, publicado na Global Change Biology Bioenergy, revelou que o fator de emissão na produção canavieira brasileira só é elevado quando o fertilizante é aplicado em conjunto com a vinhaça, um resíduo da fabricação de etanol que é frequentemente reaproveitado nas plantações.
A pesquisa, que teve apoio da FAPESP e integra o Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (BIOEN), foi coordenada por Janaína Braga do Carmo, do Departamento de Ciências Ambientais da Universidade Federal de São Carlo (UFSCar), em Sorocaba (SP).
O trabalho teve ainda participação de pesquisadores da Universidade de Maryland, do Instituto Agronômico (IAC), do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) da Universidade de São Paulo (USP), da Embrapa Meio Ambiente, unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, da Agência Paulista de Tecnologia (APTA) e da Universidade Federal Rural de Pernambuco.
Segundo Carmo, primeira autora do artigo, as estimativas realizadas até agora sobre o fator de emissão dos canaviais haviam sido calculadas a partir de modelos matemáticos e metodologias indiretas, mas não tinham base em trabalho de campo.
“Nosso objetivo era fornecer o fator de emissão dos fertilizantes usados na cultura canavieira no Brasil, com base em dados empíricos. Conseguimos constatar que os valores são mais baixos que os estimados pelo IPCC e pela literatura internacional e o fator de emissão só é alto quando há aplicação da vinhaça junto com o fertilizante”, disse Carmo à Agência FAPESP.
O estudo, segundo ela, fornece mais um forte argumento para o uso do etanol como um biocombustível limpo para produção em larga escala. “Ao identificar fatores de emissão que não são tão preocupantes, a pesquisa indica que temos um biocombustível muito atraente do ponto de vista ambiental. O trabalho, no entanto, indica que temos que melhorar o manejo da aplicação de vinhaça na cultura de cana-de-açúcar”, afirmou.
A vinhaça é uma rica fonte de potássio e, por isso, é utilizada como fertilizante nos canaviais. No entanto, além da grande quantidade de potássio, o resíduo também tem alta concentração de carbono orgânico.
“A presença desse carbono orgânico estimula a atividade microbiana no solo, que por sua vez potencializa a nitrificação, que é o processo de transformação do nitrogênio do fertilizante em N2O”, explicou.
Segundo Carmo, as medições em campo foram feitas em dois experimentos, o primeiro iniciado em abril de 2010, em Jaú (SP), e o segundo em novembro de 2010, em Piracicaba (SP). Cada um dos experimentos envolveu uma fase diferente da cultura de cana-de-açúcar.
“O experimento de Jaú foi feito na fase de cana-planta, quando se inicia o plantio e os colmos são inseridos nos sulcos no solo. O experimento de Piracicaba foi feito em cana-soca, a fase na qual se começa a fazer o corte da planta. As amostras foram colhidas durante um ano, com coletas intensivas nos dois primeiros meses. Todas elas foram analisadas em um cromatógrafo gasoso na UFSCar”, explicou Carmo.
Emissão abaixo de 3%
Um artigo publicado em 2008 por Paul Crutzen – prêmio Nobel de Química de 1995 – naAtmospheric Chemistry and Physics estabeleceu que se o fator de emissão de N2O da cultura de cana-de-açúcar ultrapassasse 5% da quantidade de nitrogênio dos fertilizantes, os ganhos ambientais do uso do etanol como biocombustíveis seriam frágeis demais para que o produto fosse considerado uma fonte de energia limpa.
O prejuízo ambiental causado pela emissão de N2O não seria compensado pelo sequestro de carbono ocasionado pela fotossíntese e pela alta eficiência energética da cana-de-açúcar.
“Nosso estudo mostrou que o fator de emissão de N2O ficou bem abaixo dos 3%. Mesmo quando a vinhaça foi aplicada junto com o fertilizante, o fator de emissão chegou a apenas 6%. A partir de agora, faremos um experimento com um isótopo marcado, para saber se essas emissões são provenientes da própria vinhaça ou do fertilizante, estimulada pela associação com a vinhaça”, disse Carmo.
O artigo Infield greenhouse gas emissions from sugarcane soils in Brazil: effects from synthetic and organic fertilizer application and crop trash accumulation, de Janaína Braga do Carmo e outros, pode ser lido por assinantes da Global Change Biology Bioenergy em http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1757-1707.2012.01199.x/full