segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

A floresta no limite

Por Ricardo Zorzetto

A paisagem que Paulo Brando encontrou em outubro passado na Floresta Nacional do Tapajós em Belterra, município no oeste do Pará, é bem distinta da que o encantou em sua primeira viagem à região seis anos atrás.

As árvores mais altas e imponentes tinham muito menos folhas que o normal e já não se abraçavam no topo da floresta como antes. Várias estavam secas e mortas e por entre os vãos da copa deixavam espiar o céu. Quase sempre inacessíveis a quem caminha pela mata, os raios de sol chegavam à camada de folhas no solo, deixando-a mais seca e propensa a pegar fogo.

Felizmente a transformação observada pelo engenheiro florestal paulista se restringe – ao menos por enquanto – a uma pequena área da Amazônia que na última década vem servindo de laboratório natural para pesquisadores brasileiros e norte-americanos interessados em descobrir o que pode acontecer com a mais vasta floresta tropical do mundo caso, como previsto, a temperatura do planeta continue aumentando e as chuvas diminuam na região.

No interior dessa reserva ambiental às margens do rio Tapajós, a 67 quilômetros ao sul de Santarém, Daniel Nepstad, ecólogo do Centro de Pesquisas Woods Hole, nos Estados Unidos, e fundador do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), criou no final dos anos 1990 um elaborado experimento a céu aberto.

Selecionou um hectare de vegetação nativa – o correspondente a um quarteirão com 100 metros de lado – no qual simulou secas intensas semelhantes às causadas de tempos em tempos no leste da Amazônia pelo El Niño, o aquecimento anormal das águas superficiais do oceano Pacífico.

Durante cinco estações chuvosas seguidas, cerca de 30 pesquisadores e auxiliares da equipe de Nepstad instalaram um pouco acima do solo 5.660 painéis plásticos de 3 metros de comprimento por 0,5 metro de largura, recolhidos ao final de cada período de chuvas. Como uma espécie de guarda-chuva sobre a floresta, os painéis desviavam as águas vindas do céu para um sistema de calhas que as conduziam para longe dali.

Os efeitos desse experimento complexo e dispendioso – foram medidos gases emitidos para a atmosfera, umidade do solo, crescimento das plantas, entre outros fatores – começaram a se tornar mais claros recentemente com a publicação de artigos científicos detalhando os danos causados por cinco anos de uma seca experimental severa que reduziu de 35% a 40% o volume de água que chegava ao solo (o índice médio de chuvas na região de Santarém é de 2 mil milímetros por ano, concentrados de dezembro a junho).
Clique aqui para ler o texto completo na edição 155 de Pesquisa FAPESP.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Hotspots dentro de hotspots

Por meio do uso de registros climáticos e da análise de espécies da Mata Atlântica, um grupo de cientistas do Brasil e dos Estados Unidos desenvolveu um método para localizar dentro de hotspots de biodiversidade – as áreas prioritárias para preservação – as partes que correm maior risco. Ou seja, identificar hotspots dentro de hotspots.

Ao aplicar o método no Brasil, os cientistas verificaram que, apesar de a maioria dos esforços de conservação estar voltada à região mais ao sul do bioma, a região central – grande parte na Bahia – reúne uma diversidade biológica muito maior do que estimavam os conservacionistas.

O estudo, publicado na edição desta sexta-feira (6/2) da revista Science, foi conduzido por Ana Carolina Carnaval, que atualmente fez pós-doutorado no Museu de Zoologia Vertebrada da Universidade da Califórnia em Berkeley, nos Estados Unidos, Célio Haddad, professor da Universidade Estadual Paulista em Rio Claro e coordenador da área de biologia da FAPESP, Miguel Trefaut Rodrigues, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo, Michael Hickerson, da Universidade da Cidade de Nova York, e Craig Moritz, de Berkeley.

A nova estratégia envolve observar espécies em uma área e, tomando como base registros climáticos históricos, estimar as distribuições das espécies no passado. O método permite obter uma indicação de quais regiões foram estáveis climaticamente e, com isso, estimar a diversidade das espécies e quais áreas se mantiveram instáveis, ou seja, mais propensas a ter menor diversidade biológica. “Com esse método, podemos identificar áreas que têm funcionado como refúgios da biodiversidade. São pontos que se mantiveram climaticamente estáveis durante o tempo, onde comunidades locais foram capazes de persistir”, disse Ana Carolina.

A região central da Mata Atlântica é uma delas. “Ela é pouco conhecida e está sob extrema pressão antropogênica. Isso abre novas prioridades para conservação que devem chegar aos responsáveis pelas políticas públicas, ao público em geral e às organizações não-governamentais”, afirmou.

Os pesquisadores analisaram registros climáticos e sequências de DNA mitocondrial (herdadas apenas do lado materno, diferentemente do DNA nuclear) de três espécies de sapos comuns na Mata Atlântica.
Observaram que a vida em certas áreas da floresta permaneceu estável durante as flutuações glaciais, enquanto outras áreas foram colonizadas apenas recentemente, durante o Pleistoceno, de cerca de 1,8 milhão a 10 mil anos atrás.
“Ana e seus colegas descobriram, por meio de uma abordagem simples de combinar genética com modelagem ambiental, como podemos fazer previsões muito bem fundamentadas que podem guiar esforços de conservação”, destacou Moritz, que dirige o Museu de Zoologia Vertebrada em Berkeley.

Os autores do estudo alertam que, como a região central da Mata Atlântica experimenta elevado índice de desflorestamento, em comparação com as áreas mais ao sul, grande parcela de diversidade única pode se perder. A Mata Atlântica brasileira perdeu mais de 85% de sua área original.

Além disso, a destruição de hábitats na parte central da floresta poderá apagar rapidamente as assinaturas biológicas necessárias para o método desenvolvido por eles, o que prejudicaria iniciativas futuras de conservação.

O artigo Stability predicts genetic diversity in the Brazilian Atlantic Forest hotspot, de Ana Carolina Carnaval e outros, pode ser lido por assinantes da Science em www.sciencemag.org.

Fonte: Agência Fapesp