O governo da capital argentina promete superar a crise do lixo, enquanto ambientalistas e opositores apontam para o lixo amontoado que se reproduz nas esquinas.
Por Sebastián Lacunza, do Terramérica.
O lixo espalhado por muitas ruas e avenidas da capital argentina em parte do dia reflete, segundo organizações sociais e opositores, a ineficiência de um sistema de coleta e tratamento que, paradoxalmente, cada vez custa mais à população. A crise do lixo na cidade de Buenos Aires se deve à saturação dos aterros sanitários, diante do aumento do consumo na última década, e ao deficiente serviço de coleta, com caminhões compactadores que costumam deixar à sua passagem restos espalhados, especialmente no centro da cidade.
Resíduos domiciliares convivem com transeuntes na esquina das avenidas de Mayo e 9 de julho, no centro de Buenos Aires. Foto: Photostock/IPS |
A geração de lixo sólido, como plásticos, têxteis, borrachas, couro e alimentos, cresceu entre 24% e 35% entre 2001 e 2011. Assim, as toneladas de lixo de Buenos Aires com destino à “disposição final” passaram de 1,4 milhão para 2,2 milhões, entre 2002 e 2010, sem que houvesse uma variação significativa na quantidade de habitantes, segundo dados do opositor partido Projeto Sul. Os depósitos ficam em localidades da área metropolitana de Buenos Aires, como José León Suárez, González Catán e Punta Lara, todas na jurisdição da vizinha província de mesmo nome.
A proximidade desses populosos municípios representa um enorme risco sanitário. Foram criados em depressões do terreno que são cobertas com uma membrana sobre a qual se deposita o lixo e, teoricamente, a ele são aplicados sistemas de coleta de gases e dissolventes para separar partes solúveis dos líquidos, para depois cobrir a superfície. A administração desses locais está a cargo da empresa Coordenação Ecológica Área Metropolitana Sociedade do Estado, resultado de acordo entre os dois distritos.
No entanto, a coleta é feita por cinco empresas privadas, que dividem áreas vizinhas, e uma sexta, propriedade do governo local, embora uma iminente licitação preveja um redesenho para sete áreas. Além da questão sanitária, o colapso do sistema também repercute no plano econômico. O gasto destinado ao setor de limpeza da cidade passou de 641 milhões de pesos (US$ 128 milhões) para 2,517 bilhões (US$ 503 milhões) desde 2008, primeiro ano do conservador Mauricio Macri, um dos principais opositores da presidente da Argentina, Cristina Fernández.
Com quase 2,9 milhões de habitantes, a cidade de Buenos Aires terá, assim, um gasto anual por pessoa de US$ 176 quando for aprovado o projeto do orçamento deste ano. Desde maio de 2007 vigora na cidade a Lei do Lixo Zero, aprovada no ano anterior, pelo qual o governo local está comprometido a reduzir drasticamente a quantidade de lixo com destino à “disposição final”. O cronograma estabelecia reduções graduais de resíduos de 30% em 2010, 50% em 2012 e 75% em 2017. Finalmente, fixava como meta para 2020 a proibição total de depósitos de lixo recicláveis.
Nos fatos, o lixo enviado para os aterros sanitários deveriam diminuir até 748.828 toneladas no ano passado, mas foi o triplo, com média diária superior a seis mil toneladas. “Não há um governo que tenha avançado tanto como o nosso no cumprimento da lei de Lixo Zero”, disse o ministro do Meio Ambiente e Espaço Público da Cidade, Diego Santilli. Embora admitam dificuldades no começo para cumprir a meta, garantem que a tendência será revertida graças aos acordos selados com o governador da província de Buenos Aires, Daniel Scioli, do mesmo Partido Justicialista (peronista) que a presidente, embora de tendência centrista.
Porém, organizações sociais e dirigentes políticos opositores apontaram a falta de vontade do governo de Macri para implantar a Lei de Lixo Zero. Rafael Gentili, deputado pelo centro-esquerdista Projeto Sul na legislatura local, disse ao Terramérica que a política de Macri é “péssima, já que não cumpriu nenhum dos parâmetros que a norma estabelece. A cidade está hoje mais suja do que há cinco anos”, afirmou. Além dos objetivos citados, a Lei de Lixo Zero proíbe a incineração e estabelece a promoção da separação do lixo nos domicílios, um ponto crucial e que gera as maiores reclamações.
Por sua vez, Consuelo Bilbao, encarregada da campanha de tóxicos da organização ambientalista Greenpeace, apontou ao Terramérica “uma defasagem e um desequilíbrio enorme entre o sistema para coletar e enterrar e o dinheiro destinado a reciclagem, de 200 milhões de pesos (US$ 40 milhões). A crise que em 2001 devastou a economia argentina disparou um sistema de reciclagem informal, ao colocar milhares de famílias nas ruas para coletar vidro, papel, metal e papelão (cartones, daí o nome dados a eles de cartoneros). A melhoria nos indicadores econômicos e sociais a partir de 2005 reduziu o trânsito dos cartoneros. Há dois anos, o governo local implantou um sistema que dotou de certa formalidade a tarefa que realizam.
Os prédios com mais de 19 andares, centros comerciais, repartições públicas e escolas estão obrigadas a separar material reciclável, e este é entregue a cooperativas de cartoneros registradas junto à administração. Bilbao e Gentili concordam que isto permitiu recuperar 15% do lixo gerado na cidade, o que não exclui que se continue fazendo uma coleta e reciclagem artesanais. O foco das críticas do Greenpeace e de outros está no fato de que, segundo afirmam, o governo local resiste em avançar na separação de material reciclável na origem, isto é, nos domicílios, o que elevaria a reutilização do lixo em até 40% das toneladas produzidas.
“A Macri não interessa reduzir os níveis de produção de lixo, pelo contrário, quer que haja muito para que o negócio seja mais lucrativo”, afirmou Gentili. E argumentou que os contratados do Estado encarregados de processar o lixo para transformá-lo em biogás, adubo ou fertilizante cobram em função do volume e que por isto há um interesse econômico de que não diminua a quantidade de lixo na origem. Gentili denuncia que algumas empresas, como o Grupo Roggio, um dos mais importantes do país, participam das duas pontas da cadeia: coleta e tratamento, causando um conflito de interesses.
Por sua vez, Bilbao concorda que a política do governo de Buenos Aires tem como “objetivo o tratamento, não as fases prévias que consideramos cruciais, ou para políticas claras que apontem para uma medida de longo prazo”. Para a ecologista, é esclarecedor o fato de “se pagar às plantas de tratamento e aos cartoneros dar um subsídio e não um salário, com o qual ficam à mercê do valor do mercado. Assim, o que existe é uma desigualdade total”, ressaltou.
Fonte: Envolverde/Terramérica