sexta-feira, 4 de agosto de 2006

Reciclagem de lixo encontra entraves em JF

Juiz de Fora, 03/08/06

Ady Carnevalli

Embora o Brasil seja um dos maiores recicladores de lixo do mundo, o país ainda desperdiça R$ 46 bilhões por ano, devido à falta ou ao mau funcionamento de políticas públicas de coleta seletiva. Em Juiz de Fora, os números confirmam o descompasso entre a estrutura montada para cuidar do lixo reaproveitável e os resultados obtidos. Na cidade, o Demlurb recolhe, por dia, 413 toneladas de lixo, o equivalente ao peso de 103 elefantes. No entanto, é como se mais de cem fossem simplesmente mortos. Por mês, três mil “elefantes de lixo” são jogados fora, sem quaisquer chances de serem “ressuscitados”.

A usina de reciclagem e compostagem do município, com capacidade para processar 80 toneladas por dia e potencial para dobrar para 160, está subutilizada, processando 20 toneladas/mês, ou 0,66/dia. Isso significa que ela está com 99,17% de sua capacidade ociosa, ou seja, processando menos de 1% do lixo para o qual foi planejada. Os investimentos feitos em aparelhamento, visando a uma destinação correta dos materiais reaproveitáveis, ainda não se mostram por si só suficientes para reciclar conceitos. A coleta seletiva é oferecida para 98% da população, mas apenas 2,73% do total de lixo recolhido pela Prefeitura, segundo dados do Demlurb, provêm deste programa. Atuação dos catadores de papel, ausência de diagnóstico sobre o setor, falta de campanhas educativas e desinformação, entre outros, são fatores apontados por especialistas como entraves para o desenvolvimento correto do serviço. Desinformação - Dos 1.050 funcionários do Demlurb, 17 atuam diretamente na coleta seletiva, feita por três caminhões diferenciados. Esta coleta acontece apenas em um dia na semana, e, em geral, não coincide com os dias da coleta comum. Na maioria das vezes, porém, mesmo quando a população separa o lixo, coloca-o na rua nos dias da coleta comum. Os recicláveis acabam indo para o aterro e não para a usina de reciclagem. A desinformação prevalece na maioria dos lares. A consultora de cosméticos Marise Giovannetti, por exemplo, orgulha-se em dizer que, desde 1999, quando foi anunciado o programa de coleta seletiva, tem o cuidado de separar tudo o que é reaproveitável. “Separo de acordo com o tipo de lixo”, conta. Entretanto, perguntada sobre o dia de passagem do caminhão da coleta seletiva, ela se espanta. “Tem diferença? Eu coloco todo o lixo nos dias em que o caminhão comum passa. Então não adiantou nada eu ter separado durante todo este tempo?”
Desinformação traz problemas para garis
O diretor do Demlurb, Osman Magno de Lima, argumenta que o lixo não pode ficar exposto na rua, e que os garis são orientados a recolherem todo o material encontrado no dia da coleta comum. “O nosso trabalho é manter a cidade limpa. Encontramos de tudo, de móveis a fogões velhos. Temos que recolher, mesmo não sendo de nossa competência”, explica. “As pessoas não têm paciência de guardar em casa o lixo seco, que é limpo, até o dia da coleta seletiva. O mesmo acontece com proprietários de bares. De sábado para domingo, por exemplo, acostumaram-se a colocar todo o lixo na rua. O nosso papel é limpar. Vira um círculo vicioso.” Por conta da desinformação, os próprios garis enfrentam problemas. A maior parte dos acidentes registrados entre servidores do Demlurb está no serviço de coleta, em geral, devido a materiais perfurantes colocados em sacolas de lixo. Segundo Osman, o trabalho de conscientização vem acontecendo por bairros, mas os efeitos são temporários. “Uma campanha permanente para toda a cidade é muito onerosa. Estamos organizando palestras, mas dependemos muito da ajuda das escolas e da imprensa. Conscientizar a população é difícil, haja visto a questão do lixo jogado na beira do rio.” A diretoria do órgão pensa na criação da ‘Rádio Demlurb’. A idéia é usar carros de som nos dias da coleta seletiva, informando sobre os procedimentos corretos.
Cidade tem hoje cerca de dois mil catadores
Conforme estimativas do Demlurb, Juiz de Fora conta com cerca de dois mil catadores autônomos, alguns depósitos regulares e outros clandestinos de sucateiros. Para Osman, os catadores são concorrentes diretos do órgão. “Eles mapearam a cidade e, na maioria dos bairros, chegam antes do caminhão da coleta seletiva. Não sou contra sua atuação, pois eles dependem deste trabalho, mas há coisas irregulares. Eles precisam se organizar melhor.” No município, existem duas cooperativas, a Mãos Verdes, em parceria com a Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares (Intecoop), da UFJF, e a Associação dos Catadores de Papel e Resíduos Sólidos (Apares), vinculada à Prefeitura, através da Amac. As duas juntas têm cerca de 40 associados e recolhem em torno de 80 toneladas de recicláveis por mês. Segundo a chefe do Departamento da Pessoa Adulta, da Amac, Alexandra Rossi, a administração municipal investe na estrutura física e em suporte para os catadores, que recebem alimentação e cesta básica da Amac, além de remuneração, que varia de R$ 250 a R$ 400 por mês. A Apares ainda recebe, uma vez por semana, o total de recicláveis recolhidos naquele dia pelo Demlurb.
Necessidade de política de incentivo
Desde abril, pelo menos no papel, o reaproveitamento do lixo tornou-se imperativo em Juiz de Fora. Para aceitar a mensagem do Executivo que permite a terceirização, por até 50 anos, da gestão do aterro sanitário, a Câmara Municipal acrescentou ao documento um roteiro de cláusulas a serem cumpridas, incluindo a necessidade de uma política de incentivo à coleta seletiva. Enquanto os caminhões destinados a esse fim continuam com carga aquém da expectativa na cidade, o serviço se expande no Brasil. De acordo com pesquisa do Compromisso Empresarial para a Reciclagem (Cempre), o número de municípios que adotam mecanismos de coleta seletiva aumentou 38% entre 2004 e 2006. Em pelo menos seis deles - São Sebastião, Santos e Santo André, em São Paulo, Curitiba (PR), Porto Alegre (RS) e Itabira (MG), 100% da população é atendida. Em 43,5% das cidades com coleta, segundo o estudo, a parceria entre prefeitura e catadores de lixo impulsionou o serviço. A pesquisa do Cempre é usada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) como fonte para a publicação “Indicadores de Desenvolvimento Sustentável”.
Brasil é o maior reciclador de latinhas
Considerado o primeiro trabalho sistemático do gênero no Brasil, a coleta seletiva no Bairro de São Francisco, em Niterói (RJ), está completando 21 anos, servindo de modelo a projetos similares. Desenvolvida através de parceria entre a associação de moradores e a Universidade Federal Fluminense (UFF), a coleta é feita em 1.100 residências, com tratores-caçambas. A UFF ainda criou uma unidade de estudo relacionada à coleta. Além do lixo, outros materiais, como livros, revistas e brinquedos, são recolhidos para serem doados. “É preciso organização para conseguir a adesão da comunidade. Se isto não acontece, ao invés de uma ajuda, a coleta pode acabar sendo um transtorno”, diz o coordenador do Centro de Informações sobre Resíduos Sólidos da UFF, Emílio Eigenheer. Ele, porém, vê com cautela a propaganda que se faz sobre os lucros financeiros da reciclagem. “O Brasil já é o maior reciclador de latinha do mundo e um dos grandes recicladores de plástico e de papel. Isto não quer dizer que o povo esteja educado para a preservação. Pelo contrário, acontece porque há um mundo de miseráveis que têm na coleta a única alternativa de sobrevivência. A questão é saber se há demanda para absorção desse material, e o que fazer quando houver saturação. Faltam projetos.”
Na região - Outra referência nacional é o programa desenvolvido há dez anos no município de Goianá, com população de cinco mil habitantes. Até 1997, o lixo era jogado às margens do Rio Novo. A prefeitura decidiu implantar um plano de gestão integrada dos resíduos sólidos. Um amplo projeto de educação foi iniciado, com educação ambiental dada aos funcionários da limpeza e aos professores, aliado à construção de aterro controlado e da unidade de triagem e compostagem. As campanhas foram estendidas a alunos, lideranças religiosas e associações diversas. Hoje, 80% da população mantêm procedimentos corretos. A cidade passou a receber cerca de R$ 5 mil, de ICMS ecológico, diminuindo assim as despesas com a limpeza urbana.
Para o consultor ambiental, responsável pela empresa Biokratus, contratada para mudar o perfil de Goianá, José Mário de Oliveira, são números positivos, já que o processo de educar a população para a questão ambiental é lento. “Porto Alegre demorou dez anos para implantar a coleta seletiva. Tudo foi feito paulatinamente, bairro a bairro, e não de uma vez só, como muitas cidades tentam. Lá, foram criados centros de triagem, e, hoje, as cooperativas de catadores contam com parceiros. Até os índices de alcoolismo foram reduzidos.” Segundo José Mário, a escola é ponto chave, mas não é o único. “O trabalho precisa ser feito em condomínios, bairros, indústrias. Cada setor deve ser incluído ao processo, até que cada pessoa, da dona de casa ao empresário, tenha a consciência individual de sua importância e não dependa apenas de atitudes do poder público.”
O caminho do lixo
O lixo orgânico deve ser colocado para a coleta normal. O destino dele será o aterro controlado ou sanitário do município.- O lixo seco - reciclável - deve ser colocado na rua apenas no dia da coleta seletiva, que, em geral, não coincide com os dias da coleta comum. - Todo o material recolhido pelo Demlurb vai para a Usina de Reciclagem e Compostagem, onde é feita uma triagem e a separação de tudo. Como o lixo recolhido é bem público, todo o material reciclável coletado pelo Demlurb é leiloado pela prefeitura para sucateiros e empresas interessadas.- O lixo seco também pode ser entregue para catadores autônomos ou associações ou mesmo vendido diretamente para os depósitos particulares, que farão a triagem de todo o material.- Em geral, os recicláveis são comercializados pelos depósitos para diferentes empresas, conforme o tipo de material (papel, metal, plástico e vidro, entre outros). Nestas empresas, o lixo será transformado em novos produtos, de pregos a roupas.- Baterias de celular, pilhas e produtos eletrônicos devem ser entregues em postos de coleta das empresas responsáveis pelas marcas destes produtos. - Informações sobre a coleta seletiva do Demlurb podem ser acessadas pela internet, através do site www.demlurb.pjf.mg.gov.br ou pelo telefone 3690-3502

Fonte: Tribuna de Minas

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