Governo quer destinar 4 milhões de hectares para madeireiras, 1 milhão já no 1.º semestre deste ano
Cristina Amorim
O Amapá quer aplicar um novo modelo de desenvolvimento que poderia muito bem se chamar "profilaxia da sustentabilidade" - ou, em bom português, cuidar antes para evitar problemas futuros. Em 2006, o governador Waldez Góes (PDT) elevou de 55% para 73% a área protegida no Estado, o maior índice do Brasil, com a criação de mais florestas estaduais. Dali, o governo quer destinar 4 milhões de hectares para madeireiras - 1 milhão já no primeiro semestre deste ano.
Com a medida, o Estado agora é formado por um gigantesco mosaico de unidades de conservação, terras indígenas e florestas estaduais. Uma boa cota deve permanecer intocada, sob proteção integral. Mesmo dentro das áreas de uso sustentável, há pontos inatingíveis dentro do zoneamento ecológico-econômico para que o trânsito de espécies seja garantido e a biodiversidade, preservada. O corredor ecológico gruda, a oeste, na recém-criada Reserva Biológica de Maicuru, no Pará.
Outra parte da floresta será incluída em projetos de desenvolvimento sustentável sob regras específicas de manejo correto da madeira. O plano é evitar que o Amapá, que ainda contém largas áreas intocadas de mata graças a sua geografia, se torne num futuro próximo alvo da ilegalidade e do corte desenfreado, como o sul do Pará e o norte de Mato Grosso. Góes já mandou para a Assembléia Legislativa um projeto de criação do Instituto Estadual de Florestas, que vai conceder e gerir a concessão de áreas para exploração, com licenças de pelo menos 25 anos. "O que estamos fazendo é o que o Acre deveria ter feito dez anos atrás. Sem ordenamento territorial, não há maneira de manter o modelo", diz o secretário de Desenvolvimento Econômico do Amapá, Alberto Góes. O Acre, lar da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, é um dos primeiros Estados brasileiros a trabalhar com um projeto sustentável de desenvolvimento baseado em serviços florestais, mas ainda não conseguiu implantá-lo definitivamente.
AJUDA DO RELEVO
O Amapá ainda guarda grandes estoques preservados de floresta amazônica em função de sua localização, que impede a pressão de atividades econômicas extrativistas. O relevo acidentado inviabiliza grandes projetos de monocultura. As montanhas do Tumucumaque, ao norte, formam uma muralha quase intransponível, assim como o Rio Amazonas, a sul - que veta a construção de estradas. A leste, o Rio Jari atrapalha a passagem de grileiros e madeireiros ilegais do Pará. A oeste está o Atlântico.
A aparente tranqüilidade pode mudar e se agravar rapidamente. "O pessoal que estava no sul do Pará já está subindo naquela direção, com o fim do estoque de madeira em Paragominas e região", diz Sergio Amoroso, presidente do Grupo Orsa. A empresa atua no Norte do País e tem uma área de exploração na região de Laranjal do Jari, por enquanto parada. "Eles estão a 200 quilômetros do Amapá. O que ainda os segura é o rio e a dificuldade de construção de estradas." Com eles, sobem conflitos de terra como os que culminaram no assassinato da missionária americana Dorothy Stang, em Anapu, no Pará, em 2005. MANEJO CORRETO
Segundo Amoroso, o Amapá começa a se tornar atraente para projetos florestais, quando apresenta instrumentos institucionais para garantir o manejo correto. O grupo segue os preceitos da FSC (Forest Stewardship Council ), certificação internacional independente de origem da madeira. "O que ainda é necessário é um sistema de controle destas concessões, pois sem ele haverá devastação", diz.
Os projetos de Góes podem realmente alimentar um setor que ainda é incipiente no Estado, caso o plano profilático não dê certo. O pesquisador César Sabogal, do Centro para Pesquisa Florestal Internacional (Cifor), concorda com o produtor. "Será necessário coibir ou frear os atores que, movidos por claros interesses econômicos ligados ao mercado, pretendam se beneficiar de reservas de madeira ou de outros produtos florestais através de conhecidos esquemas de informalidade ou ilegalidade, para tomar esses recursos", explica. O que faltou em outras regiões da Amazônia pode ser aproveitado para evitar o desmatamento ilegal e insustentável. "Há princípios de caráter geral e lições aprendidas em outros Estados, que deveriam ser considerados", explica Sabogal. O secretário Góes acredita que, com as diretrizes corretas, o Amapá pode gerar um PIB florestal de US$ 1 bilhão em dez anos, dos quais pelo menos 25% viraria receita para o Estado. O presidente do Orsa, assim como os de outras empresas do setor que atuam com o manejo sustentável, olham a experiência amapaense com interesse. "A Amazônia em pé vai valer muito dinheiro no futuro." 'Antes se fazia pobreza sustentada'.
Não é de hoje que o Amapá busca um modelo de desenvolvimento sustentável. O ex-governador João Capiberibe (PSB) defendia o plano de crescimento no Estado com a exploração dos recursos florestais sob preceitos de sustentabilidade. Ele governou o Estado de 1995 a 2002 e era apontado como parte de uma "nova geração" de políticos amazônicos com tal mentalidade, ao lado da então senadora e hoje ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e do hoje ex-governador do Acre Jorge Viana. O modelo de Capiberibe é duramente criticado pela atual administração do Amapá. "O governo anterior dizia que havia sido feito desenvolvimento sustentável. Era pobreza sustentada, com 100% dos projetos bancados pela União", diz o secretário de Desenvolvimento Econômico do Estado, Alberto Góes. "Menos de um terço da folha de pagamento do Executivo era arrecadado. Sem recolher impostos, não há Estado", diz.
Fonte: O Estado de São Paulo
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