terça-feira, 20 de fevereiro de 2007

O Brasil no cenário das mudanças climáticas


O desmatamento no Brasil coloca o país em quinto lugar entre os maiores emissores de gás carbônico do mundo

Juliana Tinoco

País deve adotar medidas para enfrentar previsões catastróficas associadas ao aquecimento global As conclusões sobre o futuro do clima na Terra, anunciadas no 4 o relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), nunca foram tão claras. Mas, quando o problema é analisado no âmbito regional, a certeza dá lugar a projeções. Dúvida, porém, não é sinônimo de alívio. Pelo menos não para o Brasil. Com previsões alarmantes, pesquisadores brasileiros ressaltam a necessidade de políticas que permitam a adaptação da população às mudanças que virão.

“As temperaturas poderão subir entre 2 e 6 o C no Brasil até o final do século, dependendo do cenário de emissões globais considerado”, afirma o meteorologista e membro do IPCC, Carlos Nobre, do Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Segundo ele, é provável que haja maior escassez de recursos hídricos no semi-árido do Nordeste e secas mais intensas e prolongadas, o que tornará a população rural nordestina mais vulnerável. “Pode-se esperar grande perda da rica biodiversidade dos biomas tropicais de floresta na Amazônia e do cerrado no Centro-oeste”, complementa. A impossibilidade científica de precisar a extensão dos impactos leva a opiniões divergentes. Há consenso, no entanto, quanto aos prejuízos que estão por vir. “Deve-se esperar um aumento da ocorrência de fenômenos meteorológicos extremos, como tempestades severas, inundações, vendavais, além de secas mais freqüentes, o que levará a um recrudescimento dos desastres naturais”, acrescenta Nobre. Para Emílio La Rovere, coordenador do Laboratório Interdisciplinar de Meio Ambiente (Lima) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e membro do IPCC, é possível também avaliar conseqüências de ordem urbana no país. “Com o calor, teremos maior incidência de mosquitos transmissores da dengue e malária”, alerta. “Além disso, aquecimento global pode significar maior índice de chuvas, o que, em regiões metropolitanas, é sinônimo de enchentes e desabamentos.” O aumento da temperatura será também, segundo anunciado pelo relatório, indicativo de elevação do nível dos oceanos de 28 a 59 centímetros até o ano 2100. Para o Brasil, isso significa desestruturação da costa brasileira e conseqüente ocupação desordenada do interior.

É preciso se adaptar

Conforme revelam dados do relatório, mesmo que voltássemos aos níveis de emissão de gás carbônico (principal causador do aquecimento global) do ano 2000, o planeta manteria taxa de aquecimento de 0,1 o C por década. A ordem, nesse caso, é pensar em adaptação. “Eliminar a pobreza é uma poderosa ferramenta para permitir às populações fazerem frente a extremos climáticos. Para um país com uma base econômica centrada em recursos naturais, políticas de adaptação devem ser elaboradas e implementadas setorialmente”, afirma Carlos Nobre. “Pensar em qual será a matriz da produção agrícola brasileira daqui a 50 anos, assumindo os cenários de mudanças climáticas, é essencial”, complementa. Amazônia é um tema à parte. A certeza é de que a floresta esquentará. “Não se sabe ainda se choverá mais ou menos”, diz Emílio La Rovere.

Segundo o físico da Universidade de São Paulo Paulo Artaxo, também membro do IPCC, a região central do Brasil e a Amazônia serão ‘brindadas’ com um aquecimento mais forte que a média mundial, da ordem de 3 o C. “A taxa de precipitação vai cair no Brasil central”, afirma. “A adaptação será muito difícil no setor da agricultura, o que torna fundamental o desenvolvimento de culturas com espécies adequadas ao menor índice de chuva”, pondera. Para Carlos Nobre, a projeção é de que desapareçam inúmeras espécies: “O Brasil tem muito a perder.”
Os responsáveis pelo problema não são omitidos. “O relatório do IPCC atribui ao desmatamento uma responsabilidade da ordem de 15% pela emissão de gases de efeito estufa. Claro que o foco principal é reduzir a emissão dos 85% relativos à queima de combustíveis fósseis”, afirma Artaxo. Desmatar é a prática brasileira que coloca o país em quinto lugar entre os maiores emissores de gás carbônico do mundo. La Rovere lembra, no entanto, que relatórios como o divulgado recentemente não estão focados em atribuir responsabilidades aos países: “Apenas sinalizamos os cenários possíveis.” Carlos Nobre explica que, ao avaliar as emissões per capita , o Brasil sai do ranking de maiores emissores. “Nesse quesito, não ocupamos os primeiros lugares, mesmo considerando-se o total de emissões, incluindo os desmatamentos”, afirma. Ele lembra que as mudanças na cobertura vegetal responderam por mais de 70% das emissões do Brasil durante os anos 90. “Porém, as taxas de desmatamento da floresta amazônica caíram nos últimos dois anos: de cerca de 27 mil km 2 em 2004 para menos de 14 mil km 2 em 2006”, argumenta.

Na mira das ações

O país precisa ser mais severo em suas posições quando o tema é meio ambiente, concordam os especialistas. “A política ambiental brasileira certamente terá que ser reformulada, assim como a de muitos países que estão evoluindo, levando em conta as novas conclusões do relatório do IPCC”, sustenta Paulo Artaxo. “Já estamos atrasados em relação à maioria dos países em desenvolvimento na implementação de políticas de adaptação”, alerta Carlos Nobre. “Ainda assim, somos um exemplo a ser seguido por causa da diminuição dos índices de desmatamento”, diz. Para Emílio La Rovere, é hora de aumentar os esforços de pesquisa tecnológica no setor energético, em busca de fontes mais limpas. “Se for preciso, devemos reduzir o crescimento, pensar em adaptação e identificar as áreas de maior vulnerabilidade ambiental dentro do país”, sugere.

Entre as alternativas energéticas para o Brasil, estão os biocombustíveis. Mas o ecólogo e membro do IPCC Philip Fearnside, do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (Inpa), alerta: “Acredita-se hoje que a capacidade do país para produzir biocombustíveis é ilimitada. Isso é um grave erro. Existe um limite: o ambiental.” Segundo Fearnside, o perigo reside em optar pelo desmatamento na hora da produção do óleo. Ladeira abaixo Se os resultados apresentados no relatório do IPCC assustam, a expectativa para os próximos, segundo os especialistas, não é melhor. ”As previsões foram mais conservadoras do que a realidade. A situação pode ser ainda pior”, alerta Artaxo. “Os verdadeiros impactos regionais para o Brasil ainda são em grande parte desconhecidos”, lembra La Rovere. Carlos Nobre conta que, no lançamento desse 4 o relatório, houve debate sobre as projeções de aumento do nível do mar até o final do século. Segundo ele, alguns estudos muito recentes – que, justamente por isso, não entraram na síntese – indicam que a taxa de aumento do nível do mar pode ser mais alta, devido à aceleração do derretimento de geleiras na Groenlândia e Antártida Ocidental. “Isso significa que um aumento de até 1,4 metros pode ser esperado até o final do século”, conclui.

Fonte: Ciência Hoje

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