quarta-feira, 21 de fevereiro de 2007

Um passo a mais

Fábio de Castro

No ano passado, utilizando os recursos do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), localizado em Campinas (SP), cientistas de sete instituições deram mais um passo na luta contra a doença de Chagas. Os pesquisadores desvendaram a estrutura molecular do inibidor de uma proteína que viabiliza o ciclo do parasita.

A doença de Chagas, causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi, atinge cerca de 5 milhões de pessoas no Brasil e mais de 20 milhões em toda a América Latina, de acordo com dados da Organização Mundial da Saúde. Endêmica, a doença não tem cura, nem vacina, embora o protozoário tenha sido descoberto em 1909. Segundo a pesquisadora do Centro de Biologia Molecular Estrutural do LNLS, Beatriz Gomes Guimarães, que coordenou o estudo, embora a doença não desperte o interesse da indústria farmacêutica por ser característica de regiões pobres, o parasita sempre recebeu muita atenção da pesquisa científica. “Muitos grupos têm se dedicado ao estudo do Trypanosoma cruzi e queremos agregar mais conhecimento sob o enfoque da biologia molecular estrutural. O objetivo é colocar mais um tijolo nessa construção científica. Para isso, usamos os recursos disponíveis no LNLS”, disse Beatriz à Agência FAPESP.

Ao lado dos pesquisadores diretamente vinculados ao LNLS, participaram da pesquisa integrantes do Instituto Biológico Molecular do Paraná, ligado à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), do campus de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP), da Universidade Federal Paulista (Unifesp), da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), do Instituto Pasteur (França) e da Universidade da Virgínia (Estados Unidos). O trabalho, iniciado há dois anos, foi apresentado durante a 17ª Reunião Anual de Usuários de Luz Síncrotron, realizada nos dias 12 e 13 de fevereiro. O evento teve a participação de mais de 300 pesquisadores que utilizam os serviços do laboratório.

Estrutura e função

A estrutura e a função de uma proteína estão intimamente correlacionadas. A elucidação da estrutura tridimensional de uma proteína pode fornecer informações importantes sobre sua função. “O LNLS possui completa infra-estrutura para pesquisas em biologia molecular estrutural”, disse Beatriz. De acordo com a pesquisadora, estudos anteriores atestaram que, no momento em que se prepara para infectar as células, o parasita produz determinadas proteínas em quantidade acima do normal. O próprio parasita produz um inibidor para essa proteína, que serve para regular sua expressão. “Ao estudar as estruturas moleculares envolvidas nos mecanismos de patogenicidade do parasita, usando técnicas de cristalografia, pudemos propor um modelo de como o inibidor interage com a proteína. A partir daí, precisaremos de novos estudos para aprender, dentro de alguns anos, a controlar a inibição dessa proteína e eventualmente impedir a infecção”, explicou a física. A cristalografia é uma técnica que permite “enxergar” as moléculas de proteína em nível atômico. “Não se pode propriamente vê-las, porque o comprimento de onda da luz visível é maior que a escala dessas moléculas. Para isso, precisamos usar raios X de alta energia, produzidos pelo síncrotron, que permitem distinguir distâncias atômicas da ordem de poucos ângstrons”, disse.

Enxergando o invisível

Com a luz síncrotron produzida no laboratório, os cientistas podem trabalhar com faixas de energia que vão do infravermelho ao raio X, escolhendo as faixas que lhes interessam. “Nós clonamos os genes, produzimos e cristalizamos a proteína, depois fazemos os raios X incidirem sobre o cristal. Conforme o cristal espalha os raios X, registramos esses padrões de espalhamento em um sistema computacional. A partir disso, construímos o modelo da molécula”, explicou Beatriz Guimarães.
A vantagem do uso da luz síncrotron para a cristalografia, segundo a cientista, é a intensidade da radiação, que tem um fluxo de fótons bem superior ao das fontes convencionais de luz. “A alta intensidade torna o processo mais rápido e dá mais qualidade à coleta de dados”, disse.
Além disso, enquanto as outras fontes produzem radiação energia fixa, a luz síncrotron permite varrer todo espectro, variando a energia. “Para algumas técnicas temos necessidade de trabalhar com energias diferentes”, explicou. Beatriz conta que o trabalho, embora ainda vá durar alguns anos, já gerou uma série de publicações. “Quando os projetos estiverem mais avançados vamos partir em busca de fundos”, disse.

Fonte: Agência Fapesp

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