sexta-feira, 30 de março de 2007

Proteína de bactéria tem potencial ação antimicrobiana

Grace Soares

Não é de hoje que o consumo de proteínas é considerado uma exigência por parte dos nutricionistas e dos adeptos da alimentação saudável e equilibrada. Mas, nos últimos anos, a biologia molecular introduziu um novo olhar sobre o papel da proteína, apresentando-a como matriz do desenvolvimento de novos produtos com aplicação biotecnológica.

Em Manaus, as lentes dos microscópios estão voltadas para a bactéria Chromobacterium violaceum. O estudo do genoma da espécie acusou possível ação antimicrobiana, com potencial emprego no combate a doenças como leishmaniose, malária, dengue e enfermidades causadas por fungos. Além disso, análises laboratoriais demonstraram a facilidade com a qual a espécie se adapta aos diferentes ambientes extremos. Os pesquisadores crêem que existam mecanismos moleculares de fonte protéica responsáveis pela façanha.“O trabalho em torno das proteínas desenvolvido pelo nosso grupo concentra-se na identificação do nível dos estágios nos quais se encontram as substâncias para identificar cada uma delas. Assim, poderemos direcionar as ações contra os agentes patogênicos específicos”, explica Patrícia Orlandi, do Centro de Pesquisas Leônidas e Maria Deane (CPqLMD), unidade da Fiocruz no Amazonas. Patrícia é doutora em microbiologia pela Universidade de São Paulo (USP) e integra a Rede Proteômica do Amazonas, da qual fazem parte o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), a Universidade Federal do Amazonas (Ufam), a Fundação de Medicina Tropical (FMTAM) e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).

O uso da palavra proteoma na literatura científica é novo. Ela significa “conjunto de proteínas expressas por um genoma” (conjunto de toda a informação hereditária de um organismo, codificada em seu DNA). O seqüenciamento dos DNAs das espécies é um passo importante no estudo geral das funções e formas das proteínas, pois nesse processo deduz-se a seqüência de aminoácidos, ou seja, a estrutura primária das proteínas. No entanto, ele revela pouco sobre o desempenho de suas funções, individual ou coletivamente, e não consegue identificar com precisão quais proteínas atuam, de fato, numa determinada célula, num momento específico. Por isso, estudos mais detalhados, por meio de análises de proteomas, tornam-se necessários.“As proteínas sofrem modificações qualitativas e quantitativas, dependendo do estado fisiológico da célula ou do efeito de fatores físicos e químicos (drogas, doenças etc). É o proteoma que indica esse estado da célula ou do fluído biológico num determinado tempo.

Muitas informações moleculares necessárias para o funcionamento da célula só estão disponíveis em nível de proteínas, nunca no genoma (DNA) ou transcriptoma (RNA)”, explica o coordenador da Rede Proteômica do Amazonas, Jorge Luis López Lozano, que também é professor da Universidade do Estado do Amazonas (UEA).

Como explica Lozano, o nível de informação no DNA é relativamente “constante” durante todo o ciclo de vida de uma espécie, independentemente de variações no meio ambiente. Já o fluxo da informação em nível de proteínas, qualitativa e/ou quantitativamente, muda no tempo e no espaço (na membrana celular, organelas etc). O mesmo tipo de célula é capaz de expressar proteomas distintos, se ambas forem expostas à ação de drogas ou até mesmo estresse. “Um exemplo simples: compare uma foto sua de dez anos atrás com uma atual. O que aconteceu? Mudaram as suas proteínas, mas a sua informação genética ainda é a mesma”, esclarece Lozano.

Metodologia

O passo inicial no desenvolvimento de um projeto de proteoma é identificar o máximo de proteínas possível num determinado meio de cultura celular. Esse é o objetivo primário e a partir dele são definidas outras ações: a catalogação computacional e os estudos analíticos. Esses dados formam os mapas de proteomas, muitos dos quais se encontram disponíveis na internet, facilitando o trabalho de pesquisadores do mundo inteiro. Mas, para identificar, o pesquisador ainda precisa obter uma grande quantidade de material da bactéria. “Colocamos a bactéria em um meio próprio, denomidado LB, para acionar seu crescimento in vitro. A uma temperatura de 35º C criamos um meio considerado ótimo para a secreção das diversas proteínas. Desse ciclo, extraímos uma curva de crescimento, formada por etapas. A primeira é a exponencial, caracterizada pela fase de maior pico da secreção. A segunda é a fase estacionária. Atingindo uma densidade ótica de 2.0, estancamos o crescimento”, analisa Patricia.

O resultado, como revelou a pesquisadora, são aproximadamente três litros de meio de cultura. O material passa por uma centrífuga, onde é extraída a massa bacteriana. Em um terceiro momento é feito um tratamento laboratorial destinado à “estourar” (lisar) as paredes celulares da bactéria, liberando as proteínas. Nesse momento, o cuidado é extremo, para não causar mudanças na estrutura da substância. Em mãos, ainda existe uma grande sopa de proteínas, agora, pronta para ser analisada. A pesquisa em torno da C. violaceum encontra-se nessa fase. A eletroforese bidimensional em gel de poliacrilamida é o método usado pelo grupo para separar as complexas misturas. A base do sistema, em suma, é a migração das moléculas que têm carga em função de um campo elétrico. O sucesso do procedimento também está ligado à existência de outros métodos sensíveis o bastante para identificar as proteínas separadas. “Na busca por peptídeos (fragmentos de proteína) e/ou proteínas com atividades antimicrobianas (contra leishmania, pelo Inpa, fungos fitopatogênicos, pela Embrapa do Amazonas, e contra malária e dengue, pelo CPqLMD), também utilizamos técnicas cromatográficas”, revela Lozano.

As técnicas cromatográficas são um alargado campo de métodos físicos usados para separar e/ou analisar misturas constituídas por diversos tipos de compostos. Quando uma amostra contendo uma mistura de vários componentes entra num processo cromatográfico, os diferentes compostos migram através do sistema a diferentes velocidades.

Geração de produtos

Para Patrícia Orlandi, o interesse pela composição química da bactéria converge para a possibilidade de criação de novos compostos quimioterápicos, com ação eficaz contra agentes patogênicos. A animação emana dos resultados preliminares dos testes biológicos feitos nos extratos protéicos da C. violaceum, que estão confirmando as hipóteses de trabalho. “O uso indiscriminado de remédios pela população contribui, hoje, para o aumento da resistência por parte das bactérias e parasitas aos efeitos da droga. A busca por novos produtos a partir do estudo de espécies da biodiversidade brasileira, é uma alternativa interessante”, salienta.

O coordenador da Rede Proteômica no estado, Jorge Luis López Lozano, entende a necessidade e a importância dos estudos na área, mas alerta para a cautela no processamento dos dados. “O desenvolvimento de produtos com aplicação biotecnológica é um processo de longo prazo. Embora existam dados promissórios que sugerem a aplicação biotecnológica na área da saúde e da agricultura, ainda existe muita pesquisa pela frente”, conlcui.

Amazonas destaca-se em cenário nacional

Laboratórios do mundo todo fazem pesquisas em torno da C. violaceum, no entanto, na área de estudos proteômicos o Amazonas é pioneiro. O próximo passo da Rede Estadual é coordenar o estudo do proteoma da semente e do fruto do guaranazeiro, planta de interesse econômico para o estado. O projeto foi encomendado pela Rede Proteômica Nacional. “Uma das características da Rede Proteômica Nacional na escolha do tema de estudo corresponde ao interesse da Rede em uma espécie brasileira da qual já se tenha a informação genômica ou transcriptômica (RNA), já que ambas as informações facilitam as análises proteômicas”, destaca Lozano.
Segundo ele, para fazer os estudos os laboratórios que formam a Rede Estadual compartilham a plataforma proteômica já instalada e quando necessário solicitam o apoio tecnológico aos Laboratórios Centrais da Rede Proteômica Nacional. Um laboratório central é aquele que têm instalado um sistema de espectrometria de massa, tecnologia necessária para a identificação das proteínas. A Rede Proteômica do Amazonas ainda não conta com esse equipamento, porém estão sendo firmados programas colaborativos com outras redes que o possuam. “Esperamos que no final deste ano nós possamos contar com espectrômetro de massa instalado em algum dos laboratórios da nossa Rede”, observa

Fonte: Fiocruz

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