quarta-feira, 9 de maio de 2007

Pulga perigosa

Fábio de Castro

A tungíase – popularmente conhecida como bicho-de-pé – pode não ser um problema de saúde preocupante para quem a contrai ocasionalmente durante as férias na praia. Mas a doença causada pela pulga Tunga penetrans é endêmica em muitas comunidades carentes, nas quais se transforma em patologia grave e configura um importante problema de saúde pública.
A conclusão é de uma pesquisa sobre a prevalência da tungíase em uma favela de Fortaleza, realizada por um grupo de pesquisadores da Universidade Federal do Ceará (UFC) , da Faculdade de Medicina Charité, em Berlim (Alemanha), e da Universidade James Cook, em Townsville (Austrália). O estudo foi publicado na Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical.

Segundo uma das autoras do estudo, Liana Ariza, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas da Faculdade de Medicina da UFC, a doença, negligenciada pelo poder público, pouco foi estudada. Até poucos anos atrás a maioria dos estudos de casos sobre a tungíase haviam sido feitos com pessoas que contraíram a doença em viagens, mas pouco havia sido publicado sobre avaliações populacionais epidemiológicas. “Como a doença é autolimitada – o ciclo de vida da pulga não dura mais do que 15 dias –, ela acaba sendo negligenciada. Mas vimos que, nas comunidades em que ela é endêmica, as pessoas são reinfectadas continuamente e podem apresentar de 100 a 200 pulgas por baixo da pele, causando lesões bastante graves”, disse Liana à Agência FAPESP.

O estudo foi feito com 142 indivíduos na área Serviluz/Vicente Pinzón II, um conglomerado de favelas urbanas localizada nas dunas próximas ao mar. Os indivíduos selecionados tinham, cada um, pelo menos cinco lesões por tungíase. De acordo com o artigo, nos 142 indivíduos foram encontradas 3.445 lesões – uma média de 24,2 lesões por pessoa. “A pulga, de cerca de 1 milímetro, penetra na pele para botar ovos, cresce, expele os ovos e morre. Se o ciclo continuar com reinfestação, à medida que mais pulgas entrem, abrem-se lesões na pele, por onde penetram bactérias”, explicou a pesquisadora. Mais da metade dos examinados tinha dificuldade em andar. Fissuras nos pés, que podem servir como porta de entrada para microrganismos patogênicos, ocorreram em mais de 60%. “A superinfecção bacteriana das lesões é uma constante e sua gravidade pode resultar em seqüelas como gangrena, auto-amputação de dígitos, sepse e tétano”, disse Liana.

Condições sociais são determinantes

A pesquisa identificou que as residências dos infectados não tinham rede de esgoto e de águas tratada. Mais de 64% das casas eram feitas de madeira ou material reaproveitado e acima de 50% tinham piso de areia. A renda familiar mensal era de R$ 119. “A área de estudo se assemelha a muitas outras favelas do Nordeste. Supomos que problema de igual gravidade seja bastante comum nessa região do país”, destacou Liana. A doença é endêmica em toda a América do Sul, Caribe e África. “Além do Nordeste, temos registros de áreas infectadas no Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Argentina, Nigéria e Moçambique.” De acordo com a pesquisadora, até o momento o tratamento padrão consiste na remoção da pulga com uma agulha estéril e na aplicação de um antibiótico tópico. Mas esse tipo de extração é considerado inviável em locais em que a comunidade está constantemente infectada. Por isso, os pesquisadores estudam métodos de controle e prevenção. “Montamos o grupo de pesquisa para estudar a biologia e a ecologia da pulga, isto é, para entender quais os ambientes propícios para ela. Estudamos também a epidemiologia da tungíase – quais são os grupos e fatores de risco – e a definição de métodos e medicações para controle”, afirmou.

O grupo ainda não definiu medicamentos, mas concluiu que os fatores de risco estão ligados às condições sociais. “Vimos que o piso de areia aumenta a probabilidade da doença, especialmente na época de seca. A presença de animais soltos facilita o contágio, já que a pulga também vive em cães, gatos e ratos”, disse Liana. Os outros autores do artigo são Marcia Gomide, também da UFCE, Jörg Heukelbach, da UFC e da Universidade James Cook, na Austrália, e Martin Seidenschwang, John Buckendahl e Hermann Feldmeier, da Faculdade de Medicina Charité, na Alemanha. Para ler o artigo Tungíase: doença negligenciada causando patologia grave em uma favela de Fortaleza, Ceará, disponível na biblioteca eletrônica SciELO (FAPESP/Bireme), clique aqui

Fonte: Agência Fapesp

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