Luiz Sugimoto
Faz mais de 20 anos que a professora Alba Regina Monteiro Souza Brito investiga o princípio ativo de plantas medicinais, sobretudo contra doenças gastrointestinais. Além de coordenar o Laboratório de Produtos Naturais do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, a docente está à frente de um projeto temático da Fapesp envolvendo espécies que nascem tanto na Mata Atlântica como no Cerrado do Estado de São Paulo.
Alba Brito é uma cientista altamente credenciada que põe fé na sabedoria popular. Se buscasse plantas ao acaso, penaria para encontrar aquelas com atividades terapêuticas. Indo diretamente às plantas de uso popular, a atividade é quase uma certeza. “Quando não consigo detectar a atividade farmacológica é porque meu modelo de análise ou a dosagem são inadequados. Nesses vinte anos, a margem de acerto tem sido muito grande”. O conhecimento popular sobre plantas medicinais, na opinião da professora, representa um atalho para o estudo e a produção de novos fármacos, pois todo o processo laboratorial pode durar anos, além de ser dispendioso. Identificado e isolado o princípio ativo, os pesquisadores analisam estrutura química, propriedades terapêuticas e toxidade da substância, passando depois para os testes in vitro, in vivo e, numa fase que foge ao escopo do projeto, com humanos. Quando se tenta apressar o processo, surgem equívocos como os apontados por Alba. “No uso tradicional transmitido de geração em geração, a pessoa com má digestão toma um chá de boldo de manhã, à tarde, à noite e no dia seguinte, até ficar boa. Em animais de laboratório, às vezes queremos obter o efeito mágico com uma única dose. A mágica é possível, mas aumentando a concentração da substância, o que pode ser tóxico”.
Alba Brito está escrevendo um artigo sobre as pesquisas do seu grupo de pós-graduandos, que constataram atividade contra úlcera gástrica em dez espécies do cerrado do Tocantins e que são nativas também das regiões de cerrado do Estado de São Paulo. “Na análise química destas plantas, as substâncias encontradas são as mesmas, como por exemplo, aquelas dos gêneros Byrsonima, Anacardium, Qualea, Hancornia, Alchornea, Mouriri e Strychnos, todas elas ativas em modelos experimentais de úlceras gástricas. Ou seja: além de funcionar, elas têm o mesmo constituinte químico em sua grande maioria”, assegura. A pesquisadora crê na teoria de William Irwin Thompson, segundo a qual as plantas medicinais geralmente pertencem a famílias com grande número de gêneros e de espécies, como das leguminosas e compostas. “A população pobre de áreas isoladas apanha as plantas mais facilmente encontradas ao seu redor. Ela não tem como percorrer longas distâncias”.
Thompson prega, também, que os homens descobriram as plantas medicinais por experimentação direta, seguindo seu instinto, tal como o cão vira-lata que mastiga capim depois de se dar mal com a comida. “Plantas amargas, como o boldo (Peumus boldus Mol.), possuem catequina e servem para problemas gástricos. Houve alguém que amassou a folha de boldo, cheirou, experimentou e percebeu que sanava aqueles problemas”. Da mesma forma, as informações sobre espécies tóxicas ou alucinógenas foram sendo passadas de um para outro, levando ao conhecimento tradicional tão presente no Nordeste, Norte e Centro-Oeste. “No Estado de São Paulo, constatamos o uso de plantas medicinais apenas por migrantes de outras regiões do país e por caiçaras. A maioria dos paulistas perdeu essa cultura”.
Livro
Uso sustentável
Há poucos anos, a doutoranda Leônia Maria Batista, orientada da professora Alba Brito, trouxe sempre-vivas da Serra do Cipó, em Minas Gerais. Depois de estudar os efeitos das espécies Syngonanthus bisulcatos e Syngonanthus arthrotrichus em modelos animais, Leônia constatou uma excelente proteção da mucosa gástrica contra os agentes indutores de úlceras.
Este rico teor de flavonóides, porém, é desprezado. As sempre-vivas são de fato belas e acabam exportadas às toneladas para países do primeiro mundo, utilizadas em arranjos ornamentais e buquês. “Na Alemanha, um buquê de noiva chega a custar cem euros. Viabilizando o uso medicinal dessas plantas evitaríamos seu corte indiscriminado”, observa Alba Brito.
O beabá das plantas medicinais
Chá de capim santo: quatro xícaras (de café) com folhas frescas picadinhas, tampadas em água fervente por 10 minutos. Tome duas ou três xícaras ao dia para combater insônia, nervosismo, diarréia e gases intestinais. Cuidado: não deve ser tomado por mulheres grávidas!
Xarope de alecrim: adicionar, em meio litro de água, o sumo de quatro xícaras (café) de folhas frescas amassadas. Junte uma xícara de açúcar e deixe ferver, mexendo até engrossar. Tome uma colher de sopa a cada três horas para problemas respiratórios. Experimente colocar a infusão fria em um borrifador para passar roupas.
Essas duas receitas estão na cartilha Plantas medicinais na escola: aprendendo com saúde, elaborada pela aluna de doutorado Priscila Fernandes, e foram enviadas por mães de alunos de primeiro grau de escolas públicas de Atibaia. A cartilha, que traz desenhos mostrando detalhes como o serrilhado do caule da babosa e a delicadeza das flores da camomila, é fruto da convivência que mais de uma centena de crianças tiveram com canteiros de plantas medicinais.
As atividades foram desenvolvidas em parceria com os professores das escolas e o projeto Fruto da Terra, da Prefeitura de Atibaia. O sucesso das atividades levou à sua incorporação pela Delegacia de Ensino de toda a região. Hoje, a mestranda Patrícia de Sousa Oliveira dá continuidade aos canteiros em escolas públicas de Sumaré e em assentamentos rurais. “O projeto temático da Fapesp inclui a educação ambiental. Nossos pós-graduandos colaboram na montagem dos canteiros e com palestras para levar até os alunos e seus pais o conhecimento produzido no laboratório”, explica a professora Alba Brito.
A pesquisadora esclarece que, embora a população já guarde bom conhecimento, é sempre importante alertá-la sobre plantas tóxicas e outras que não devem ser consumidas cruas. "Mesmo depois de fervidas, o uso das mãos pode transferir bactérias para uma solução dada ao bebê com dor de barriga ou vômitos”.
Fonte: Jornal da Unicamp
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