Mariana Ferraz
Um sapo está dentro de uma panela sobre o fogo. A água aquece lentamente e o animal não percebe o aumento da temperatura até não ser mais capaz de sair da panela e se livrar da morte. A história sobre o sapo foi usada no 1º Encontro do Painel Intergovernamental de Mudanças do Clima (IPCC) na América Latina, ocorrido em outubro no Rio de Janeiro, para ilustrar o comportamento da humanidade em relação às mudanças climáticas.
Para os pesquisadores reunidos na ocasião, é preciso agir antes que estejamos ‘cozidos’. A inclusão das mudanças climáticas na agenda de governantes e empresários foi o centro das discussões. De acordo com o economista e físico cingalês Mohan Munasinghe, vice-presidente do IPCC, houve uma mudança nos relatórios apresentados pelo grupo, que deixaram uma abordagem essencialmente climática no primeiro deles (lançado em 1990) para adotar uma visão mais ligada ao desenvolvimento. “Percebemos que fazendo o caminho do desenvolvimento mais sustentável podemos agir sobre as mudanças climáticas. Caminhamos para soluções integradas”, afirmou Munasinghe durante a mesa-redonda ‘Desenvolvimento Sustentável, Adaptação e Mitigação’ (leia a entrevista que Munasinghe deu à CH On-line durante o evento). O economista apresentou um programa computacional denominado Matriz de Impacto da Ação (Action Impact Matrix, no original) que alia parâmetros como uso de solo para agricultura, nível de pobreza e metas econômicas do país aos dados sobre as mudanças climáticas, gerando um quadro com os impactos em cada setor. “Esse programa permite que vejamos quais serão as áreas mais afetadas em nível nacional. No Sri Lanka essa abordagem revelou, por exemplo, que os pequenos produtores das áreas úmidas serão seriamente afetados.” Apesar de programas como esse ainda não terem sido usados no Brasil, planos para a adaptação e a mitigação das mudanças climáticas começam a ser traçados no contexto nacional.
De acordo com o engenheiro Israel Klabin, presidente da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS), já existem estimativas sobre o custo econômico tanto de nada se fazer para frear as mudanças em curso, quanto de agir para evitar e se adaptar a elas. “O Brasil terá, em breve, em cerca de 10 meses ou um ano, um documento como o Stern Report”, disse, referindo-se ao relatório lançado em 2006 pelo economista inglês Sir Nicholas Stern, que buscou calcular o impacto das mudanças climáticas na economia mundial.
Economia verde
Ações hoje vistas como mitigadoras das mudanças climáticas começaram no Brasil motivadas por questões econômicas e não ambientais. Exemplos são o Programa Nacional do Álcool, Proálcool, criado em 1975 para diminuir a dependência do petróleo, e o Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica (Procel), que desde 1985 busca promover a racionalização do uso de energia elétrica. Graças a esses programas, as emissões de gás carbônico (CO2) do país serão 14% menores em 2020 do que seriam se eles não tivessem sido implantados. “Até 2020 teremos deixado de emitir 71 milhões de toneladas de CO2”, disse Emilio La Rovere, engenheiro elétrico do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e integrante do grupo III do IPCC. E essa redução pode ser ainda maior se houver envolvimento de outros setores de produção. Segundo os dados apresentados pelo pesquisador durante o grupo de trabalho ‘Construção de Cenários para América Latina’, medidas como o aumento do uso de carros flex (cujos motores podem receber tanto álcool quanto gasolina), o uso do bagaço da cana para geração de energia e o aumento do percentual de resíduos no cimento, podem fazer com que o país atinja 365 milhões de toneladas de carbono emitidas em 2020, uma redução de cerca de 29% – sem essas medidas, estima-se uma emissão de 512 milhões de toneladas.
Mas é necessário que os dados se tornem mais precisos, de forma a subsidiar as novas ações dos empresários e governantes. Segundo o bioclimatologista francês Jean-Pascal van Ypersele, vice-presidente do grupo II do IPCC, hoje as informações são obtidas, em sua grande maioria, a partir de dados coletados nos países desenvolvidos. Além disso, usam-se diferentes modelos para analisá-los – em que os resultados nem sempre são equivalentes ou mesmo próximos. Por isso, em sua opinião, enquanto as metodologias não forem aprimoradas, os governantes precisarão ser flexíveis. “Devemos considerar todos os futuros possíveis e manter a flexibilidade. Temos que levar em conta eventuais surpresas”, disse. Cooperação Sul-Sul. O climatologista peruano Eduardo Calvo, vice-presidente da Força Tarefa para Inventários Nacionais de Gases de Efeito Estufa do IPCC, concorda. Segundo ele, os governos de países em desenvolvimento como os da América Latina deveriam investir mais na geração de dados sobre as mudanças climáticas no contexto local. “Temos problemas com essas informações. Precisamos aumentar a infra-estrutura e o número de pessoas qualificadas para desenvolver modelos específicos para a região.” Para isso o pesquisador crê que a melhor saída é o investimento na colaboração entre países do Sul, a chamada cooperação Sul-Sul. “Nos cenários feitos por países desenvolvidos, a América Latina é estereotipada. Considera-se que a população crescerá nos próximos anos de forma elevada e contínua, esquecendo que medidas de educação podem mudar esse quadro. Também pouco se diferencia entre a população rural e a urbana, e praticamente não se consideram os investimentos que serão feitos para a integração física do continente.”
Pensar novas formas de explorar a biodiversidade e incluir medidas de adaptação no planejamento do uso da terra também devem ser objetivos dos países em desenvolvimento. O tema foi debatido no grupo de trabalho ‘Oportunidades setoriais, medidas de adaptação e mitigação – florestas e agricultura’, presidido pelo meteorologista José Marengo, do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe). Uma das oportunidades citadas foi o aumento das áreas de florestas plantadas. O reflorestamento é visto pelos pesquisadores não apenas como uma forma de mitigar emissões de gás carbônico e proteger a biodiversidade, mas também de gerar empregos e renda. De acordo com os dados apresentados por André Guimarães, secretário-executivo do Instituto Bio Atlântico, cada hectare reflorestado custa hoje entre US$ 1.000 e US$ 3.000 e estima-se que essa área absorva três toneladas de carbono por ano. Com o preço do carbono variando entre US$ 7 e US$ 25 a tonelada, o reflorestamento mostra-se como um bom negócio. “Se 10% da mata atlântica fosse reflorestada com espécies nativas seriam seqüestrados 1, 26 bilhão de toneladas de CO2, gerando em torno de US$ 27 milhões”, observou Guimarães.
Outras propostas foram apresentadas pelos pesquisadores reunidos em diferentes grupos de trabalho. Entre elas encontram-se o incentivo ao uso do asfalto feito de pneus; a adoção de novos mecanismos de mercado para ‘forçar’ as empresas a adquirirem práticas ambientalmente sustentáveis; o aumento do uso de biocombustíveis e a discussão mais ampla sobre o estabelecimento de metas (internas ou externas) para a redução de emissão de gás carbônico no caso do Brasil. Um documento com todas as conclusões do encontro foi levado para a reunião da Conferência das Partes – órgão que reúne representantes dos mais de 180 países signatários da Convenção da Biodiversidade –, que ocorre em Bali, na Indonésia, em dezembro, com o objetivo de discutir metas e políticas para a redução da emissão de gases do efeito estufa após o fim da vigência do Protocolo de Kyoto, em 2012. Durante a seção de encerramento do encontro, Leo Meyer, membro da Unidade de Suporte Técnico do Grupo de Trabalho III do IPCC, salientou que essas propostas, como dito por um integrante da platéia durante as discussões de um dos grupos de trabalho, servem para que passemos de ‘Homo sapo’ a Homo sapiens, utilizando de forma racional os recursos naturais do planeta. Leia mais textos do Especial Meio Ambiente em Foco
Fonte: Ciência Hoje
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