Cornelia Dean
Pesquisadores que estudaram uma série de atóis do Oceano Pacífico estão produzindo o primeiro retrato detalhado de recifes de coral intocados e de como as atividades humanas podem prejudicá-los - em especial, afirmam eles, a pesca.
Os pesquisadores, do Instituto Scripps de Oceanografia e outras instituições de pesquisa americanas e internacionais, registraram todas as formas de vida marinha localizadas na parte norte das ilhas Line, uma cadeia ao sul do Havaí, no terceiro trimestre do ano passado. A pesquisa abarcava tudo, de micróbios a tubarões e outros peixes de grande porte que ficam no topo da cadeia alimentícia. Os "recifes sem gente" eram mais saudáveis que os povoados, afirmam os pesquisadores em relatório divulgado hoje na versão online da Public Library Science Biology. Os ecossistemas de Kingman e Palmyra, os atóis mais setentrionais e menos povoados do grupo, são dominados por grandes predadores como tubarões e garoupas, e o coral é robusto, eles disseram, enquanto os atóis de Tabuaeran e Kirimati, ao sul, os mais povoados do grupo, são caracterizados por algas carnudas, pequenos peixes comedores de plâncton e corais degradados.
Em comentário igualmente publicado online, Nancy Knowlton e Jeremy Jackson, especialistas em corais do Scripps e da Smithsonian Institution, disseram que o novo trabalho era notável porque produzia dados sobre locais "em todo o espectro de impacto humano".
Sem dados desse tipo, eles escreveram, estudar os recifes de coral é como tentar discernir a estrutura ecológica da floresta tropical amazônica observando as fazendas de pecuária e as plantações de soja que substituíram boa parte dela. Na verdade, afirmam, seria ainda pior. Os cientistas podem visitar vastas áreas de floresta tropical intacta e dispõem de décadas de dados acumulados por pesquisadores passados. "No caso dos oceanos, a situação é muito diferente", escreveram Knowlton e Jackson, porque a degradação dos ecossistemas oceânicos é tão onipresente e as observações subaquáticas são relativamente recentes. Como resultado, afirmam, os cientistas discordam quanto à importância relativa para o coral de fatores locais como o excesso de pesca e a poluição, comparados a problemas globais como as alterações climáticas e a acidificação dos oceanos que ela vem causando. O trabalho conduzido nas ilhas Line não permitirá eliminar essas discordâncias.
Mas os cientistas apontaram para grandes diferenças entre as comunidades de peixes nos recifes habitados e desabitados, que eles atribuem às pressões que a pesca exerce sobre tubarões, garoupas, vermelhos e outros predadores de grande porte, disse Enric Sala, ecologista que trabalhava para o Scripps e agora faz parte do Conselho Nacional de Pesquisa Científica da Espanha. Kingman é despovoado - de fato, parte alguma de seu território passa o tempo todo acima da água. Palmyra sofreu dragagem extensa nos anos 40, disseram os pesquisadores, e já houve pesca no local, mas hoje os dois atóis estão protegidos pelo Serviço de Pesca e Fauna dos Estados Unidos, como parte do Refúgio Nacional de Fauna do Pacífico. O acampamento instalado em Palmyra, com capacidade para receber 20 pessoas, dispõe de estação própria de tratamento de esgotos.
Tabuaeran, com uma população crescente estimada em 2,5 mil pessoas em 2005, e Kirimati, com 5,1 mil pessoas e registrando expansão ainda mais rápida, são parte da República de Kiribati. As pessoas de Kiribati sobrevivem pela pesca, e não dispõem de estações de tratamento de esgotos. Em Kingman e Palmyra, o ecossistema do oceano é dominado pelos grandes peixes predatórios, espécies "virtualmente ausentes" em Tabuaeran e Kirimati, também conhecida como ilha Christmas. Os pesquisadores afirmam que esse é o padrão típico em outras partes do mundo, excetuadas as ilhas do noroeste do Havaí. Eles atribuem o problema às pressões da pesca, que, segundo eles, "tende a reduzir desproporcionalmente a densidade populacional de animais de vida mais longa e corpos maiores". O padrão nos atóis desabitados, no entanto, "se assemelha ao que vemos no parque de Yellowstone - é o que chamo de a paisagem do medo", diz Sala. "Em Yellowstone, porque existem muitos lobos, os cervos são muito mais atentos". Como resultado, afirmou, os peixes menores passam muito tempo escondidos. "Quando as pessoas vêem as fotos, pensam que não há nada na água", disse ele. "Para mim, é mais bonito porque os corais são saudáveis e limpos, e não vemos algas nos recifes, e se pode ver as garoupas e os grandes tubarões".
Nos recifes degradados, ele afirma, existem muito mais peixes, mas de porte muito inferior. "A porcentagem de cobertura do fundo por corais se reduz, as algas crescem, e os micróbios se tornam bastante abundantes", afirmou. Os pesquisadores disseram que a cobertura de coral, a densidade populacional e a riqueza de espécies era mais alta em Kingman e mais baixa em Kirimati, e as doenças no coral são mais comuns em Kirimati. Sala reconheceu que, sob os padrões do Caribe e de outras áreas altamente exploradas, Tabuaeran e Kirimati estão em boa forma. Mas disse que "existem cinco mil pessoas vivendo na ilha Christmas e pescando lá", e isso bastará para "transformar todo o ecossistema". Sala considera os recifes como "máquinas ecológicas" cujas partes incluem peixes, plantas, corais e micróbios. "O sistema como um todo pode ser atingido por uma perturbação, mas ele se recupera", afirma. Mas caso peças do sistema - como os grandes predadores - sejam removidas, ele argumenta, "a máquina apresentará defeito". Como resultado, disse, o novo trabalho "é um argumento em defesa de reservas marítimas grandes o bastante para incluir populações saudáveis de predadores de grande porte".
Fonte: New York Times
Nenhum comentário:
Postar um comentário