quarta-feira, 26 de março de 2008

Conhecer o inimigo

Fábio de Castro

Ao estudar o genoma do Plasmodium falciparum, o parasita causador da malária, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) descobriram que o protozoário tem quatro receptores serpentina e, por conta disso, é capaz de identificar sinais do meio exterior.
Fundamentais para o ciclo de vida do parasita, esses receptores são um alvo privilegiado para a produção de novos fármacos. O estudo, resultado de um Projeto Temático apoiado pela FAPESP, foi publicado na edição desta quarta-feira (26/3) da revista de acesso aberto PLoS One.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a malária infecta de 300 milhões a 500 milhões e mata pelo menos 1 milhão de pessoas todos os anos, principalmente em países pobres. Até hoje, não existe vacina para a doença.

Segundo Célia Garcia, autora principal do estudo e professora do Departamento de Fisiologia do Instituto de Biociências (IB) da USP, uma série de questões em aberto sobre a biologia do parasita impede o desenvolvimento de uma vacina. “Uma das questões fundamentais – não apenas para esse parasita, mas para qualquer outro organismo – é saber de que forma ele identifica um sinal do meio exterior, como a presença de um hospedeiro, por exemplo. Entender como o Plasmodium utiliza essa capacidade em seu benefício pode ser a chave para criar novos antimaláricos”, disse à Agência FAPESP.

Segundo a cientista, o parasita pode, por exemplo, utilizar o sinal da presença do hospedeiro para modular seu ciclo de vida. “Se formos capazes de controlar no parasita os mecanismos moleculares de transdução de sinal – o processo pelo qual as células se comunicam com o meio – poderemos compreender como ele obtém tanto sucesso, causando tantas mortes”, explicou. Os receptores serpentina são amplamente empregados na indústria para identificar novos fármacos. “Isso porque, ao conhecer o ligante, podemos impedir que o parasita faça essa interação com o meio, que é vital para ele”, disse Célia. Em todos os organismos, os receptores serpentina são moléculas capazes de identificar ligantes extracelulares. No entanto, a presença deles no genoma do parasita ainda não havia sido confirmada. “Havia uma polêmica em torno da presença do receptor serpentina no protozoário. A literatura internacional incluía dois artigos absolutamente conflitantes: um negava a existência do receptor no parasita, enquanto o outro identificava 46 candidatos. Nosso trabalho consistiu em analisar o genoma e comprovar a presença do receptor”, destacou.

Apenas dois dos 46 candidatos a receptores serpentina mencionados na literatura, no entanto, correspondia às quatro proteínas identificadas pelos pesquisadores da USP: PfSR1, PfSR10, PfSR12 e PfSR25. “Nosso desafio foi decifrar o genoma funcional do Plasmodium. Como não havia homologia, em vez de procurar o gene usamos outra ferramenta: procuramos por proteínas com o padrão de sete domínios transmembrânicos, que é uma assinatura da presença do receptor serpentina”, disse.

Desarmar o parasita

Segundo a professora do IB-USP, o artigo coroa um trabalho feito no laboratório há mais de dez anos, cujo objetivo era provar que o parasita é capaz de perceber o ambiente. “Tínhamos diversas publicações sugerindo que o parasita possuía uma maquinaria complexa para a transdução de sinal – achávamos que o Plasmodium era capaz de regular a passagem de um estágio celular para o seguinte, utilizando um segundo mensageiro. Nosso estudo mostra que essa maquinaria de fato existe e é muito sofisticada”, afirmou. Além de abrir perspectivas para a produção de novos fármacos, o trabalho, de acordo com Célia, também representa um desafio técnico. “Agora, temos muito trabalho pela frente: precisamos identificar os ligantes para esses receptores. Com isso, aprenderemos a desmontar a principal arma do parasita, que é ter um receptor para sentir o ambiente”, disse. O desafio é o tema de um novo Projeto Temático, coordenado por Célia e que prosseguirá até o fim de 2011.

O artigo Genome-wide detection of serpentine receptor-like proteins in malaria parasites , de Célia Garcia e outros, pode ser lido em www.plosone.org.

Fonte: Agência Fapesp

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