sexta-feira, 28 de março de 2008

Parceria reavaliará agrotóxicos registrados no país


A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a Fiocruz assinaram um contrato para reavaliação toxicológica de 13 ingredientes ativos utilizados na produção de agrotóxicos no Brasil. O estudo ficará a cargo de uma equipe do Laboratório de Toxicologia Ambiental da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp) da Fundação, coordenada pelo pesquisador Francisco Paumgartten.

De acordo com o gerente-geral de Toxicologia da Anvisa, Luiz Claudio Meirelles, a escolha da equipe foi feita com base na capacidade da instituição e de seus técnicos. “A Ensp é uma instituição que se destaca no cenário nacional e internacional na área de ciência e tecnologia em saúde e não há outro grupo no país com a diversidade de competências na área de toxicologia necessária para a avaliação e reavaliação de agrotóxicos ou outras substâncias”, ressaltou. A reavaliação de agrotóxicos registrados vai priorizar os produtos de elevada toxicidade que provocam intoxicações e mortes em trabalhadores expostos ou os efeitos crônicos – diversos tipos de câncer, distúrbios endócrinos, doenças pulmonares, alergias e outros – na saúde do consumidor.

No Brasil, diferente do registro de medicamentos, cuja validade é de cinco anos, o registro de agrotóxicos, depois de concedido, é definitivo. É permitido, no entanto, aos órgãos reguladores de saúde, agricultura e meio ambiente reavaliar o registro dos produtos sempre que surgem indícios de que seu uso oferece riscos elevados ou quando o país é alertado, nesse sentido, por organizações internacionais responsáveis pela saúde, alimentação ou meio ambiente, das quais é membro integrante ou signatário de acordos.
Segundo o contrato, serão reavaliados os ingredientes ativos glifosato, cihexatina, endosulfan, abamectin, fosmete, parathion, metamidofós, forate, triclorfom, thiram, carbofuran, paraquate e lactofem; 61 produtos técnicos (PTs) e 108 produtos formulados (PFs). Os produtos técnicos são constituídos pelo ingrediente ativo, com suas impurezas de síntese, e componentes adicionais. A partir de cada produto técnico, são preparados os vários produtos vendidos no mercado, os chamados produtos formulados.

O contrato envolve ainda a revisão bibliográfica da literatura científica existente sobre a toxicidade dos 13 ingredientes ativos para o homem, evidenciados em estudos experimentais e epidemiológicos; a elaboração de parecer técnico sobre cada um dos 13 ingredientes ativos reavaliados e seus respectivos PTs e PFs; o apoio técnico-científico, acompanhamento e participação (representação acadêmica) na Comissão de Reavaliação; e a participação nas discussões internas sobre o encaminhamento dos resultados da reavaliação toxicológica de cada um dos 13 ingredientes ativos. De forma bastante simplificada, agrotóxicos podem ser definidos como produtos de natureza biológica, física ou química – inseticidas, fungicidas, acaricidas, nematicidas, herbicidas, bactericidas e vermífugos, entre outros – que visam exterminar pragas ou doenças nocivas à lavoura, à pecuária e ao ambiente doméstico.

Regulação de agrotóxicos envolve Saúde, Agricultura e Meio Ambiente
De acordo com dados divulgados pelo Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox), entre 2000 e 2003 foi registrada uma média anual acima de 5 mil casos de intoxicação humana por uso de agrotóxicos agrícolas, com cerca de 150 mortes. Atualmente, os números causam grande preocupação nas autoridades de saúde, mas nem sempre foi assim.
Antes dos anos 70, os agrotóxicos eram usados indiscriminadamente. As avaliações dos produtos eram restritas aos efeitos dos agrotóxicos no controle de pragas e doenças que afetavam a produção agrícola, visando apenas aumentar sua eficiência agronômica. A publicação do livro Silent spring, de Rachel Carson, e o impacto de grandes desastres ecológicos, associados à divulgação de diversos achados científicos, estimularam a análise de riscos associados às substâncias químicas e uma crescente atuação das autoridades governamentais, de saúde e meio ambiente. Em vários países, começaram a ser criadas legislações mais adequadas e órgãos oficiais de regulação e fiscalização

No Brasil, a regulamentação do uso de agrotóxicos começou com o decreto-lei 24.114, de 1934, que delegou a tarefa ao Ministério da Agricultura. Em 1982, o Ministério da Saúde (MS) passou a atuar nesse campo, mas ainda de modo bastante incipiente. A Constituição de 1988, ao atribuir para o poder público o controle dessas substâncias e a normatização de sua produção e consumo, no tocante aos riscos de danos à vida, à qualidade de vida e ao meio ambiente, ao estabelecer o direito à saúde e ao acesso a serviços de atenção à saúde, trouxe uma nova perspectiva para a avaliação dos riscos de efeitos adversos à saúde e ao meio ambiente associados a substâncias tóxicas. As leis 7.802, de 1989, e 9.782, de 1999 – as leis dos agrotóxicos – acabam regulamentando esses dispositivos constitucionais e estabelecendo que o controle desses produtos é um ato complexo, devendo ser feito de forma integrada pelos ministérios da Saúde, da Agricultura, da Pecuária e do Abastecimento (Mapa) e do Meio Ambiente (MMA), cada qual discutindo aspectos de suas respectivas áreas de conhecimento e competências. “O registro dos agrotóxicos é dado pelo Ministério da Agricultura, mas, hoje, ele só pode ser concedido se houver um parecer favorável das autoridades da saúde, no caso pela Gerência-Geral de Toxicologia (GGTOX) da Anvisa, e do meio ambiente, por meio do Ibama”, explicou.

O processo de reavaliação de registros de agrotóxicos é bastante delicado, pois mexe com grandes interesses econômicos e políticos, além de envolver inúmeros aspectos técnicos e éticos. Para se ter uma idéia do problema, basta ver que o volume de agrotóxicos em uso no Brasil aumentou quatro vezes nos últimos dez anos, alcançando, em 2004, um nível de produção e comercialização nacional de cerca de 500 mil toneladas, o que representa um mercado de quase R$ 11 bilhões. “Se a gente olhar o montante do mercado de agrotóxicos fica fácil imaginar a pressão que é feita sobre os órgãos reguladores. Nós, no entanto, estamos preparados para enfrentar as empresas, se isso for necessário para garantir os direitos dos cidadãos à saúde”, afirmou. Quanto às questões éticas, ele destaca a ausência de conflitos de interesse como um ponto fundamental para a escolha da Ensp como parceira nessa empreitada. “A Escola é uma instituição acadêmica, ligada ao Ministério e voltada para a produção de conhecimento e ensino em saúde pública, e os pesquisadores envolvidos não têm vínculos com o setor privado. Isso é primordial”, enfatizou Meirelles.

Fonte: Fiocruz

Nenhum comentário: