quinta-feira, 15 de maio de 2008

Traição imunológica

Proteína com ação antiinflamatória modula resposta imune do hospedeiro e facilita infecção pelo parasita da malária, de acordo com estudo feito por pesquisadora brasileira e capa da nova edição da Cell & Host Microbe
Por Fábio de Castro

Na primeira fase da malária, quando o parasita infecta células do fígado, o sistema imune do hospedeiro poderia atacar e destruir o invasor. Mas uma proteína com atividade antiinflamatória, presente no próprio corpo da vítima, tem um papel crucial na infecção hepática: ela modula a resposta inflamatória e ajuda a proteger as células infectadas.
O mecanismo foi demonstrado em modelos animais por um grupo internacional de pesquisadores, com participação brasileira. O estudo, publicado nesta quarta-feira (14/5), é matéria de capa da revista Cell & Host Microbe.

A autora principal do artigo é Sabrina Epiphanio, que acaba de concluir pós-doutorado no Instituto de Medicina Molecular (IMM), ligado à Universidade de Lisboa, e no Instituto Gulbenkian de Ciência, ambos em Portugal. Além das instituições portuguesas, o estudo teve contribuição de centros de pesquisas nos Estados Unidos e na Alemanha.

Segundo Sabrina, veterinária graduada pela Universidade Estadual Paulista com mestrado e doutorado na Universidade de São Paulo, o estudo mostrou que a proteína conhecida como hemeoxigenase-1 (HO-1), que tem diversas funções fisiológicas no corpo, possui também papel central na fase hepática da malária. “Apesar de ser assintomática, essa etapa inicial da doença é importante e precisa ser bem conhecida, uma vez que a carga parasitária no fígado pode influenciar a severidade da doença na fase seguinte”, disse à Agência FAPESP.

Sabrina, que está em Portugal desde 2003, explica que a malária começa quando a fêmea do mosquito Anopheles injeta no hospedeiro os esporozoítos do Plasmodium. Eles viajam então pelo sangue diretamente para o fígado, onde infectam os hepatócitos – células responsáveis pelas funções biológicas do órgão. A indução da expressão da HO-1 é crucial para que a infecção hepática ocorra. Por outro lado, a depleção da proteína leva a uma redução da carga parasitária no fígado quando os camundongos são infectados com doses experimentais de esporozoítos – a forma inicial do parasita. “Embora o parasita estimule a inflamação, ele também induz a expressão da proteína HO-1, modulando a resposta inflamatória do hospedeiro, protegendo a célula hepática infectada contra a ação do sistema imune e, conseqüentemente, promovendo o estágio hepático da infecção”, apontou.

Utilizando a tecnologia de RNA de interferência (RNAi), os pesquisadores retiraram a proteína HO-1 do organismo de animais e os infectaram com baixas doses de esporozoítos, em situação próxima à fisiológica. Como resultado, os animais não se tornaram doentes. “Quando eliminamos a proteína em animais e os infectamos com doses mais altas – como as que se usam habitualmente nos experimentos –, a carga parasitária tem uma redução de 70% no fígado. Sem a proteína, quando deixamos a infecção evoluir, os parasitas foram eliminados ainda na fase hepática, suprimindo a fase sangüínea da doença”, disse. De acordo com Sabrina, o estudo poderá motivar trabalhos que levem ao desenvolvimento de aplicações voltadas ao combate da doença, já que existem drogas que inibem a expresão da enzima HO-1. “Mas isso ainda é algo distante, porque, quando falamos de sistema imune e de interações entre parasita e hospedeiro, estamos tratando de relações multifatoriais”, afirmou. Efeito antiinflamatório

O grupo no qual atua a pesquisadora brasileira, coordenado por Maria Manuel Mota na Unidade de Malária do IMM, publicou em 1º de julho de 2007, na revista Nature Medicine, o artigo Heme oxygenase-1 and carbon monoxide suppress the pathogenesis of experimental cerebral malaria, sobre a fase sintomática da infecção e que sugere o monóxido de carbono como uma possível terapia para a inibição da doença. Segundo Sabrina, o monóxido de carbono é um dos produtos da degradação do heme pela HO-1. O grupo mostrou que, quando os animais são tratados com esse produto, eles não morrem de malária cerebral. Um dos motivos para isso é também o efeito antiinflamatório da proteína”, disse. “O efeito que mostramos agora é o reverso da medalha. Quando, na fase hepática, tratamos o animal com monóxido de carbono, a infecção aumenta, porque o monóxido de carbono mimetiza os efeitos da HO-1 e tem efeito antiinflamatório”, declarou.

O artigo Heme oxygenase-1 is an anti-inflammatory host factor that promotes murine plasmodium liver infection, de Sabrina Epiphanio e outros, pode ser lido por assinantes da Cell & Host Microbe em http://www.cellhostandmicrobe.com/.

Fonte: Agência Fapesp

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