A qualidade do ar nas megacidades não pode ser vista como uma questão exclusivamente local. Pelo contrário, ela se tornou um problema a ser resolvido globalmente, devido ao inter-relacionamento muito próximo entre os gases associados com a poluição urbana e os gases de efeito estufa de vida mais longa dispersos na atmosfera.
Essa foi a mensagem dada por Paulo Eduardo Artaxo Netto, chefe do Departamento de Física Aplicada do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP), na sexta-feira (29/8), em São Paulo, durante palestra no 15º Congresso Brasileiro de Meteorologia, promovido pela Sociedade Brasileira de Meteorologia. “A poluição urbana deixou de ser um problema local. Hoje, é absolutamente crítico o tratamento da questão da redução da mudança climática global e da poluição do ar de modo integrado”, disse. “As comunidades de cientistas que antigamente tinham pouca intersecção, sobretudo a de químicos, climatologistas e daqueles que estudam o funcionamento dos ecossistemas, passaram a trabalhar com uma abordagem bem mais integrada do que há 10 ou 15 anos”, afirmou.
Por outro lado, essas questões também devem ter respostas regionais e individualizadas. Segundo Artaxo, as soluções para o Brasil não serão as mesmas da China ou da Europa, até mesmo porque o processo de urbanização está sendo feito em ritmo distinto entre os países e também em velocidade muito maior do que a projetada há alguns anos. “A problemática dos poluentes urbanos e das emissões globais de gases estufa é diferente em cada região. Mas, para resolvê-la, as fontes de emissão devem ser controladas conjuntamente para que tenhamos um meio ambiente mais saudável, tanto local como globalmente”, afirmou Artaxo.
Segundo ele, que integra o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), essas importantes discussões são determinadas pelo rápido aumento populacional: a previsão é que a população urbana da Ásia, que já passa de 1,3 bilhão de habitantes, chegue a um contingente de pelo menos 2 bilhões em 2015. “Nova Deli, na Índia, praticamente dobrou de 1974 a 1999 do ponto de vista da população. Isso mostra que o crescimento dos grandes aglomerados urbanos também é um processo global que deve ser tratado como tal”, apontou.
Essencialmente urbana
O índice de urbanização na América Latina hoje é maior de 75%, com cerca de 350 cidades no continente com população acima dos 300 mil habitantes. “E a projeção é que esse índice chegue próximo de 90% em 2030, dado que está sendo essencial para a administração da qualidade dos recursos atmosféricos”, disse. Artaxo lembrou que o setor de transporte, uma das maiores fontes mundiais de óxido nítrico e monóxido de carbono nas grandes cidades, atualmente é responsável por 19% do total da emissão de gases do efeito estufa em todo o mundo, fração maior do que as emissões mundiais de gases devido às queimadas (17%).
Tanto por conta de seu efeito como poluente em áreas urbanas como pelo seu efeito climático no que diz respeito à questão radioativa, Artaxo destacou o preocupante aumento das concentrações globais de ozônio, um dos gases mais importantes do efeito estufa, ao lado do gás carbônico e do metano.
O ciclo do ozônio na atmosfera, controlado por outros gases, como monóxido de carbono e hidrocarbonetos, é caracterizado essencialmente pelas emissões provenientes de áreas urbanas. As concentrações globais de ozônio, verificadas por meio da combinação de diferentes modelos climáticos, vêm sofrendo fortes alterações no quadro geral de emissões de gases do efeito estufa.
“Qualquer série temporal de mais de dez anos aponta um aumento significativo de ozônio na atmosfera. As maiores concentrações estão ao norte da China, na Índia, no sul da Europa e na costa leste dos Estados Unidos, região com concentração elevada, em torno de 40 a 45 partes por bilhão do gás”, disse Artaxo.
“A América Latina é relativamente livre de ozônio, com apenas alguns episódios de emissão do gás produzida por queimadas”, complementou. Segundo ele, a concentração média de ozônio na atmosfera varia entre 55 e 58 partes por bilhão, sendo que antes da Revolução Industrial ela girava em torno de 30 a 35 partes por bilhão. “É um aumento sem precedentes na concentração de ozônio na atmosfera que, segundo as projeções futuras em diferentes cenários do IPCC, certamente terá fortes efeitos sobre a população humana, vegetação e produção agrícola”, alertou Artaxo.
Falta, no entanto, um maior entendimento científico, de acordo com o professor do IF-USP, sobre a distribuição do gás na atmosfera e o seu impacto radioativo. “A ciência mundial precisa, nos próximos anos, gerar respostas relevantes a essas questões para reduzir as incertezas, sobretudo no que se refere à questão radioativa do ozônio, cuja concentração cresce a uma taxa muito maior do que a dos demais gases do efeito estufa”, disse.
Fonte: Agência Fapesp
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