quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Mico leão dourado é ferramenta para preservar a biodiversidade do São João

Débora Motta, da Agência Faperj

    
   
O mico leão dourado (Leontopithecus rosalia) é um símbolo da luta pela preservação das espécies brasileiras ameaçadas de extinção. No norte fluminense, um projeto aposta na preservação do pequeno primata de pelos alaranjados e cauda longa como instrumento para conservar outras espécies que vivem na Área de Proteção Ambiental da bacia do rio São João e para promover o desenvolvimento sustentável local. Essa bacia hidrográfica abriga quase toda a população de micos leões dourados que ainda existem na natureza e também é a principal fonte de abastecimento de água de importantes municípios da Região dos Lagos, como Cabo Frio e Arraial do Cabo.

De acordo com o coordenador do estudo e professor da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf), Carlos Ramon Ruiz-Miranda, o mico leão dourado é considerado uma “espécie bandeira” para a conservação da Mata Atlântica, vegetação predominante na bacia hidrográfica do rio São João e de inigualável biodiversidade. “Ao protegermos o mico leão dourado, estaremos favorecendo todas as outras espécies da região. Isso porque ele reúne características ecológicas de espécies de vários grupos, entre elas alimentação diversificada, com insetos, frutas e pequenos vertebrados, e necessidade de diversos habitats para viver, como encostas e baixadas”, explica.

Criado em 1983, o projeto utiliza uma abordagem ecossistêmica, isto é, leva em conta a preservação global – da terra, da água, da flora e da fauna. A proposta é consolidar a paisagem florestal, aumentando o número de áreas protegidas e a conectividade entre elas, para tornar viável a existência das populações de micos leões dourados e de inúmeras outras espécies. “Estamos usando o mico como ferramenta para olhar essa paisagem, o que envolve análises demográficas e pesquisas genéticas com os animais, estratégias de reflorestamento – especialmente das matas ciliares, para preservar o rio –, educação ambiental comunitária e criação de corredores ecológicos”, aponta o biólogo.

Os micos estão atualmente distribuídos em uma paisagem muito fragmentada da Mata Atlântica – o segundo ecossistema florestal mais ameaçado do planeta. As populações estão espalhadas por duas reservas biológicas do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), a da União e a Poço das Antas, e em 28 reservas particulares ou fazendas, todas localizadas na bacia do rio São João – a região é uma Área de Proteção Ambiental (APA) federal chamada de São João/Mico Leão Dourado. Eles formam uma “metapopulação” de cerca de 1.600 micos para 13 mil hectares. “Os animais não vivem todos juntos em uma comunidade. É como se habitassem em diferentes ‘bairros’, separados entre si e de diferentes tamanhos. No estudo demográfico, temos uma estimativa da população de cada ‘bairro’. O conjunto das populações desses ‘bairros’ é chamado de metapopulação”, explica.

Daí a importância do manejo da metapopulação pelos cientistas. Boa parte das populações de micos leões dourados foi reintroduzida na natureza pelos pesquisadores, especialmente na década de 1990 (originalmente eram de cativeiro e, aos poucos, foram cruzando com os poucos micos selvagens que habitavam a região). Outros animais foram translocados (viviam isolados em determinada área e foram removidos para outra, com o objetivo de evitar a extinção).

Carlos destaca que nenhuma população tem capacidade de viver a longo prazo se for manejada individualmente, pois populações pequenas e isoladas são vulneráveis à extinção. “O futuro do mico leão dourado depende da preservação das florestas numa paisagem interconectada, que permita manejar os micos e o habitat dentro de um modelo de metapopulação”, assinala o biólogo, ressalvando que é necessário avaliar o DNA dos animais antes de decidir pela translocação, para evitar uma baixa variabilidade genética. Os estudos de genética são realizados na própria Uenf, pela pós-doutoranda Adriana Daudt Grativol, e a modelagem de viabilidade genética é feita em conjunto com colaboradores do National Zoo e University of Maryland. “Utilizamos a técnica de PHVA (Análise de Viabilidade de Populações e Habitat)”, diz Carlos.

Os micos leões dourados evitam caminhar em áreas desmatadas, como os pastos. Para estimular a conexão entre eles nesses locais, o projeto – coordenado até recentemente por Ana Maria Godoy e Rosan Fernandez, da AMLD – tem criado corredores ecológicos. “Eles funcionam como pontes de vegetação replantada por cima do pasto de propriedades rurais particulares, que ligam duas florestas. Para o replantio, utilizamos de 40 a 50 espécies de mudas e a participação dos proprietários rurais tem sido chave para a conservação do mico e recuperação das florestas”, conta Carlos, destacando a viabilidade econômica dos corredores, além da ecológica. “Pode ser interessante para que esses corredores tenham produtividade, então estamos experimentando, entre as espécies escolhidas para o replantio, o eucalipto”.

cargo do doutorando em Ecologia e Recursos Naturais da Uenf Marcio Morais, que modela estratégias para o manejo desses invasores. Já a doutoranda Daniela Sampaio estuda o processo de caça na região. O desmatamento na APA hoje é raro, de porte pequeno, e está fiscalizado pela ICMBio”, pondera.

A meta até 2025 é fazer com que os micos leões dourados cheguem a um número mínimo de dois mil para 25 mil hectares de florestas protegidas e interconectadas. “Quando começamos o projeto, só existiam 300 micos leões dourados na bacia hidrográfica do rio São João. Hoje, temos cinco vezes mais micos e muito mais área verde”, avalia. “Até recentemente, ele era ‘criticamente ameaçado’ de extinção, estando entre os dez primatas mais ameaçados do mundo. Hoje, diminuímos uma categoria. Agora não é mais uma ameaça de extinção crítica, é só de extinção”, completa.

O projeto, que recebeu apoio da FAPERJ por meio do edital Pensa Rio, é resultado de uma colaboração entre a Uenf, a Associação Mico Leão Dourado (AMLD), a Área de Proteção Ambiental da bacia do rio São João, a Reserva Biológica União, a Reserva Biológica Poço das Antas, o Ministério do Meio Ambiente, a Petrobras e pesquisadores de diversas instituições estrangeiras, como o Smithsonian Institution/National Zoological Park, University of Maryland e o Great Ape Trust of Iowa, todos dos Estados Unidos.

A equipe conta com a participação de 30 cientistas. Entre eles, estão: Adriana Grativol, da Uenf, Marcelo Trindade Nascimento, da Uenf, Dora Villela, da Uenf, Maria Cristina Gaglianone, da Uenf, James Dietz, da Universidade de Maryland, Denise Rambaldi, da AMLD, Ana Maria Godoy, da AMLD, Patrícia Mie, da AMLD, Andréia Martins, da AMLD, Jennifer Mickleberg, do National Zoological Park, Marcio Marcelo de Morais, doutorando em Ecologia e Recursos Naturais da Uenf, Daniela Sampaio, doutoranda em Ecologia e Recursos Naturais da Uenf e Valeria Romano de Paula, aluna de iniciação científica da Uenf, além de vários outros alunos e pesquisadores. 





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