Por Marcos Sá Correa
O Brasil precisa criar oficialmente um novo premio de jornalismo ambiental. Para entregá-lo, postumamente, pelo conjunto da obra, aos autores e meios de comunicação que fizeram do assunto, na década de 1930, a viga mestra de um projeto para o país, pretendendo, ao mesmo tempo, defender seu patrimônio natural, acertar o passo da população mais pobre e marginalizada com a fartura original da exuberância nativa e reordenar o Estado brasileiro de maneira a torná-lo, nas raízes, essencialmente nacional.
Não foi à-toa que aqueles anos desembocaram, em 1934, na Primeira Conferência Brasileira de Proteção à Natureza. E, pouco mais tarde, na decretação dos primeiros parques nacionais do Brasil – poucos, pequenos e retardatários, mas pioneiros, em Itatiaia, na Serra dos Órgãos e no Iguaçu.
Depois, como veio, a onda passou, tragada pelos maremotos políticos da Segunda Guerra Mundial e da redemocratização. Ficou esquecida por tanto tempo, que agora parece nova em folha em “Proteção à Natureza e Identidade Nacional no Brasil, ano 1920-1940”. O livro dos professores José Luiz de Andrade Franco e José Augusto Drummond parece uma cartilha das coisas que, por desmemoriado, o jornalismo brasileiro anda reaprendendo ultimamente, como se fossem lições inéditas do século XXI.
Isso numa terra onde, há mais de 70 anos, o zoólogo Cândido de Mello Leitão fazia no rádio um programa chamado “A Vida Maravilhosa dos Animais”, cravejado de citações científicas, para contar como já era antiga, naquele tempo, a corrida internacional para remediar, com reservas naturais e legislação ambiental, os estragos deixados pelas “realizações humanas interesseiras”.
Mello Leitão tinha sérias dúvidas sobre os parques que o Brasil acabara de instalar. Itatiaia “não passava de “uma pequena reserva florestal”, de valor “quase nulo” para a preservação da fauna, por estar encarapitado em grimpas que nem os cafezais do Vale do Paraíba ousaram escalar. O da Serra dos Órgãos poderia no máximo poupar “por algum tempo a flora”. Mas, “quanto à fauna, será um deserto sem expressão”.
O do Iguaçu, sim, tinha porte e vocação para servir de santuário, por exemplo, a “guarás e lontras”, se “as construções que se fazem sem audiência de um zoólogo” não sinalizassem a intenção de reduzi-lo a “um simples parque de turismo paisagista”. Tudo o que ele disse na época circula na boca dos funcionários e pesquisadores hoje às voltas com a caduquice ambiental desses parques nacionais septuagenários.
Aquela geração sabia o que estava dizendo. O médico convertido em botânico Alberto José Sampaio tinha um programa completo para substituir o modelo tradicional de progresso via desmatamento por uma civilização de “cidades-jardins”, cercadas de matas submetidas a normas severas de manejo e silvicultura.
O escultor Armando Magalhães Corrêa, que acabou morando num sítio em Jacarepaguá, publicou em série no Correio da Manhã, como se fossem parte de um folhetim, as histórias reunidas em “O Sertão Carioca”. Seu livro é o último inventário de tudo o que a cidade perdeu. E ele tinha seu próprio plano conservá-la. Mas andam difíceis de encontrar não só o Rio que ele viu como o livro em que o retratou. Ainda bem que Franco e Drummund se encarregaram de fazer essa garimpagem inadiável.
Fonte: htpp://www.marcossacorrea.com.br
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