domingo, 21 de março de 2010

Poluidores do mar são pouco punidos e fiscalizados

* Por Vladimir Passos de Freitas
A proteção do meio ambiente, felizmente, passou a ser uma preocupação de todos. Discursos, palestras, filmes, não surtiram muito efeito. Mas agora, ciclones, inundações, terremotos, secas, altas temperaturas, fazem com que se sinta no corpo o que antes eram apenas palavras.Tais fatos e a preocupação mundial vêm fazendo com que se alterem posturas, hábitos, negócios.

Mesmo havendo quem duvide da mudança climática, o fato é que ninguém mais pode negar as alterações e os riscos existentes no meio ambiente. A preocupação é tanta que até mesmo entidades que resistiam a qualquer adesão vêm mudando sua postura. Por exemplo, a Confederação da Agricultura e da Pecuária do Brasil (CNA) celebrou convênio com a Embrapa e comprometeu-se a investir 20 milhões de reais, destinados a conciliar a atividade rural com a proteção do meio ambiente (Gazeta do Povo, Curitiba, 25 de fevereiro de 2010, página 20). Ótimo.

No entanto, em meio a progressos na proteção ambiental no Brasil, que vêm sendo obtidos em diversas frentes, há uma área que parece estar estagnada, não avança: a proteção do mar territorial.
Realmente, aí não há motivo para qualquer comemoração. Como observa Dario A. Passos de Freitas, “as águas marinhas, principalmente nas regiões costeiras, acabam recebendo todo tipo de poluição, causada geralmente pela própria população ou por indústrias. Além disso, a grande maioria dos acidentes ocorre em águas próximas à costa, pois é onde se concentram os navios, portos, terminais e plataformas” (Poluição Marítima, Juruá, 2009, página 17).

Em poucas palavras, enquanto o licenciamento ambiental se torna cada vez mais rigoroso, as florestas são cada vez mais controladas (v.g. reserva legal de 20% das propriedades do sul/sudeste), as indústrias são submetidas a rígido controle dos órgãos ambientais, as águas superficiais e subterrâneas possuem uma agência específica para protegê-las (ANA) e a poluição atmosférica passa a ser acompanhada de perto (v.g., poluição por veículos), o mar territorial continua abandonado à sua própria sorte.

A poluição marítima nos limites da zona costeira pode dar-se por emissões de esgoto, poluição trazida por rios que deságuam no oceano (v.g., vazamento, em 2003, de 1,2 bilhão de resíduos tóxicos de indústria de Cataguazes, MG, que atingiu o litoral norte do RJ), descargas industriais, acidentes marítimos com vazamento (v.g., o vazamento, em 2004, de 291 mil litros de óleo do navio Vicuña, em Paranaguá, PR), lançamento de lixo ao mar por embarcações, pesca predatória e outros tantos.

E não são poucas as conseqüências disto. Por exemplo, o lançamento de esgoto sem tratamento cria zonas mortas, onde as algas proliferam, reduzindo o oxigênio da água e causando a morte de peixes. O vazamento de petróleo pode originar, pela toxicidade, a morte de peixes e vegetais marinhos.

No âmbito da pesca predatória de grande porte, a destruição em massa contribui para que diminuam os pescados, com manifesto dano ao meio ambiente e à população que deles se alimenta. Nesta área estamos quase na estaca zero. Há alguns acórdãos criminais condenando pequenos pescadores, mas nada, ou quase nada, sobre a pesca de grandes proporções. Uma das únicas exceções vem do TRF da 4ª. Região (Apelação Cível 2006.71.00.016888-4, 3ª. Turma, relator desembargador Castro Lugon, j. 29.4.2008). Na busca de ações efetivas, cita-se o papel do Instituto Justiça Ambiental, ONG com sede em Porto Alegre, RS, que vem tomando iniciativas judiciais a respeito (www.ija.org.br).

Pois bem, sendo reconhecida a ineficiência ─ e eu ficarei feliz se me provarem o contrário ─ pergunta-se: qual a razão?

A resposta é simples. A fiscalização da poluição marítima é atribuída aos funcionários dos órgãos ambientais (v.g. IBAMA) e aos agentes da Capitania dos Portos do Ministério da Marinha. É o que dispõe o artigo 70, parágrafo 1º da Lei 9.605/98. Esta atribuição da Marinha vem desde a Lei 5.357, de 1967, e continua até hoje, reforçada pela Lei 9.966/2000. Mas, na realidade, ela ou é pouco ou não é exercida.

O papel do Ibama (ou de um órgão estadual ou municipal) limita-se aos casos em que a poluição origina-se da zona costeira. É o que se deu, por exemplo, em caso de descarga de esgoto de um hotel em um rio no Estado de Santa Catarina, que desaguava no mar, fato que resultou não apenas na autuação administrativa, mas também em ação penal que condenou a pessoa jurídica e um diretor por crime de poluição, artigo 54 da Lei 9.605/98 (TRF-4, ACR 2000.72.04.001531-8/SC, 8ª Turma, relator Fernando Penteado, Diário Oficial da União, 9 de abril de 2005).

Mas quando os fatos ocorrem no mar e a fiscalização fica por conta da Capitania dos Portos, as autuações são raríssimas. A bem da verdade, em 35 anos de atividades e estudos do Direito Ambiental não tomei conhecimento de mais do que 5 casos. E minha preocupação é antiga. Sobre o tema, escrevi em 16.6.1991 artigo denominado “Poluição do mar,” no jornal Estado do Paraná. Por que será assim?

Bem, a Marinha de Guerra tem por finalidade a defesa da Pátria, a garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa dos demais Poderes, a defesa da lei e da ordem (CF, art. 142). Proteger o meio ambiente não é  prioridade da Capitania dos Portos. Não é comum Oficiais da Marinha frequentarem congressos de Direito Ambiental, divulgarem orientações ambientais, relatórios, artigos, ações ou declarações a respeito.

Daí se pode inferir que a vocação natural da Marinha por outros temas resulta em ineficiência na proteção do meio ambiente, atribuição que a Lei 9.605/98 dá aos agentes da Capitania dos Portos. E não apenas no mar, mas também nas águas interiores do Brasil onde a Marinha se faz presente, como nos rios internacionais.

Ora, sem qualquer desconsideração à Marinha e aos seus Oficiais, mas apenas porque o mar territorial reclama proteção ambiental e esta não vem ocorrendo, levanta-se a questão para que as Capitanias dos Portos e suas Delegacias sejam estruturadas, capacitadas e orientadas a assumir este papel. E, caso não o façam, que o passem às mãos do Ibama, a quem deverá ser dado o necessário aporte instrumental (v.g. lanchas modernas) ou a órgãos estaduais. O que não se admite é que persista a impunidade.
Quem dará o primeiro passo?

Desembargador Federal aposentado do TRF 4ª Região, onde foi presidente, e professor doutor de Direito Ambiental da PUC-PR.

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