sexta-feira, 23 de abril de 2010

Desafios da cana sustentável

Da Agência Fapesp

Como qualquer cultura, a da cana-de-açúcar também apresenta custos ao ambiente que precisam ser avaliados. O consumo de água, o uso de fertilizantes e a participação da cultura da cana na dinâmica dos gases de efeito estufa são os principais desafios ambientais a serem enfrentados no cultivo da matéria-prima do etanol, segundo Heitor Cantarella, pesquisador do Instituto Agronômico (IAC) e um dos coordenadores do Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (BIOEN).

Para Cantarella, pesa sobre a cana uma responsabilidade ambiental ainda maior, uma vez que a cultura faz parte da cadeia de um biocombustível importante e do qual se espera uma contribuição para mitigar o efeito estufa no planeta.

Com plantações concentradas em áreas com boa distribuição de chuvas, o cultivo da cana-de-açúcar na maior parte do Brasil não precisa de irrigação, segundo apontou Cantarella durante a convenção latino-americana do projeto Global Sustainable Bioenergy (GSB), realizada em março na sede da FAPESP. Além disso, a planta necessita de menos água em relação a outros vegetais, como soja e café. Trata-se de uma ótima notícia, na opinião do pesquisador, uma vez que a água tem se tornado um recurso escasso.

Mesmo nas regiões em que é necessária, como no Brasil central, a irrigação da cana não precisa ser intensiva. “Em Estados como Goiás, por exemplo, é necessária a chamada irrigação de salvação para provocar a germinação ou a brotação da planta”, explicou.

Mesmo assim, esse procedimento se faz necessário somente na época de inverno, o período de seca. No restante do ano, o Estado mostra índices pluviométricos semelhantes aos de São Paulo.

Por outro lado, a irrigação constante pode aumentar muito a produtividade. Cantarella apontou uma variedade da planta desenvolvida pelo pesquisador Marcos Guimarães de Andrade Landell no IAC, em Ribeirão Preto, que alcançou uma produtividade de mais de 300 toneladas por hectare ao ser cultivada sem limite de água ou de nutrientes.

“Esse aumento de produtividade pode reduzir a área plantada e diminuir outros impactos ambientais”, disse o cientista, afirmando ser necessário ponderar sobre o dilema de se utilizar água em locais em que seu suprimento é limitado.

O uso de água pelas usinas também foi considerado. Cantarella conta que, no Estado de São Paulo, esse consumo vem se reduzindo ao longo dos últimos 20 anos, caindo de 5,6 metros cúbicos por tonelada de cana processada para o atual 1,8 metro cúbico. Essa redução, segundo ele, já é um esforço de adequação da indústria diante de um cenário de escassez.

Recentemente, a legislação estadual impôs restrições quanto ao uso da água que variam de acordo com a região no Estado. As novas plantas industriais, por exemplo, podem consumir, no máximo 1 metro cúbico de água por tonelada de cana.

Estudos indicam que a indústria da cana-de-açúcar tem se preocupado com a preservação das águas superficiais e lençóis freáticos. Subprodutos contaminantes, como a vinhaça, não podem ser jogados em rios e são reaproveitados como fertilizantes, que também são submetidos a limites de aplicação a fim de que não haja contaminação por excesso.

Outra preocupação ambiental é a contaminação por fósforo e nitrato, causada pelo excesso de fertilizantes. “Por ser extremamente solúvel, o nitrato penetra no subsolo com muita facilidade e o excesso de fósforo provoca a eutrofização, que é a proliferação de algas na água”, explicou Cantarella. Segundo ele, ambos os problemas têm sido pouco encontrados no Brasil, ao contrário de outros países.

Dependência dos fertilizantes
O pesquisador do IAC destaca que os fertilizantes são uma preocupação de ordem estratégica para o país. “O Brasil importou, em 2008, 83% do fertilizante consumido nas lavouras. A cultura da cana é responsável por cerca de 13% do total utilizado na agricultura no país”, disse.

Segundo Cantarella, essa dependência brasileira de insumos estrangeiros é uma questão que merece muita atenção. Citou um episódio de 2007 em que a China elevou o imposto de exportação para garantir o seu suprimento de fertilizantes e causou a preocupação mundial de que outros produtores de insumos fizessem o mesmo.

Embora não exista nenhum país no mundo autossuficiente na produção dos três principais fertilizantes (nitrogênio, fósforo e potássio), uma vez que as reservas estão espalhadas pelo mundo, o Brasil tem alta dependência de todos eles, importando 75% do nitrogênio, 50% do fósforo e 92% do potássio que utiliza.

No entanto, os biocombustíveis utilizam somente 2,4% dos fertilizantes consumidos em toda a agricultura mundial. No caso da cana-de-açúcar, a produtividade por quantidade de fertilizante utilizada é ainda mais vantajosa.

Cantarella conta que, mesmo apresentando produções equivalentes de etanol no ano de 2008, Brasil e Estados Unidos consumiram quantidades muito diferentes de fertilizantes em suas plantações de cana-de-açúcar e milho, respectivamente. A lavoura brasileira gastou 910 mil toneladas desses insumos, praticamente um terço dos 2,8 milhões de toneladas empregadas na produção do milho norte-americano no mesmo período.

Etanol e efeito estufa
A contribuição da cultura da cana nas emissões de gases de efeito estufa é um dos pontos que têm recebido atenção em estudos internacionais. Nesse balanço ambiental, os fertilizantes nitrogenados têm um papel importante, pois liberam óxido nitroso (N2O), considerado 300 vezes mais potente que o carbono na contribuição para o efeito estufa. Cerca de 1% do fertilizante empregado acaba sendo disperso na atmosfera em forma de gás.

No entanto, esse valor é um tema controverso e algumas pesquisas chegaram a dados discrepantes. “Houve até um estudo que apontou a proporção de 4% de gás liberado por nitrogênio aplicado, uma quantidade tão alta que ameaçaria as vantagens do etanol como mitigador do efeito estufa”, disse Cantarella, lembrando que o valor foi considerado exagerado por outras avaliações.

Para melhorar esse aspecto, pesquisas no Brasil procuram desenvolver bactérias fixadoras de nitrogênio. “Ainda não sabemos se os microrganismos vão substituir parte substancial da adubação nitrogenada nem a sua eficiência, mas é um potencial interessante”, disse.

O mais abundante gás estufa, o dióxido de carbono (CO2), também está sendo considerado na avaliação ambiental da cana. Há mais carbono na camada superficial do solo do planeta do que na atmosfera. Isso faz com que qualquer atividade de manejo do solo tenha um potencial de liberação de CO2.

Mais uma vez Cantarella apontou que a cana-de-açúcar apresenta vantagens nessa questão em relação a outras culturas. A estrutura da planta é favorável nesse sentido, pois concentra a parte seca e mais rica em carbono na parte inferior e na raiz do vegetal, o que mantém o CO2 sob o solo.

Além disso, como a cana produz grande quantidade de matéria seca, parte desse material retorna ao solo repondo carbono. A colheita da cana crua, sem a queima, eleva ainda mais a devolução desse elemento ao solo e pode, inclusive, aumentar o teor de carbono na terra e com isso, eventualmente, mitigar o efeito estufa, segundo o cientista.

Os subprodutos como a vinhaça e a torta de filtro retornam ao campo como adubos. Já a colheita da cana crua vem crescendo gradualmente por força de lei. A legislação do Estado de São Paulo prevê a extinção da colheita com fogo até 2031. Além de manter a palha no campo, a cana crua não libera o CO2 inerente à queima.

Outro atestado “verde” da cadeia sucroalcooleira é a sua grande capacidade de reciclar nutrientes, segundo lembrou Cantarella. “Se analisarmos as estruturas moleculares dos dois principais produtos da cana, a sacarose e o etanol, veremos que elas contêm somente carbono, hidrogênio e oxigênio, ou seja, boa parte dos minerais contidos nos fertilizantes pode ser reciclada, permanecendo no campo”, disse. 

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