segunda-feira, 5 de abril de 2010

Livros e estudos radiografam realidade da Mata Atlântica

Por Vilma Homero, da Agência Faperj

A Enchorilium horridum é um tipo de bromélia típica de solo rochoso. Mais especificamente, esta espécie só pode ser encontrada sobre rochas nuas, como o Pão de Açúcar. Não por acaso, ela é alvo das pesquisas da botânica Rafaela Campostrini Forzza e de sua aluna de doutorado Karina Vanessa Hmeljevski que resolveram estudar mais sobre essa espécie, que parece desenvolver estratégias bem específicas para sobreviver em ambiente que, a primeira vista, pode ser visto como inóspito. "Saber mais sobre plantas como E. horridum pode ajudar a entender também mais a respeito de espécies que ocorrem em ambiente semelhante", explica a pesquisadora.

Endêmica da Mata Atlântica e citada nas Listas de Espécies Ameaçadas de Extinção do Espírito Santo e de Minas Gerais, além destes dois estados, ela ocorre também na Bahia e no Rio de Janeiro onde pode ser encontrada nos afloramentos da região do município de São Fidélis, no norte fluminense. Como a Enchorilium horridum, outras espécies de plantas só ocorrem em afloramentos isolados e muitas delas tornaram-se particularmente vulneráveis. "A polinização de grande parte dessas espécies é realizada por beija flores e morcegos que vivem nas florestas do entorno. Com a derrubada das florestas e sua transformação em pastagens, esses polinizadores precisam percorrer distâncias cada vez maiores para se alimentarem dessas plantas e carregarem o pólen de uma flor a outra ", diz a pesquisadora.

Sem a polinização entre diferentes populações de diferentes afloramentos, a botânica teme que esteja ocorrendo erosão genética. "Se o cruzamento entre as plantas só ocorrer dentro do mesmo afloramento, as populações podem, ao longo do tempo, se tornar muito pouco diversas geneticamente. Essa pobreza genética pode se traduzir numa maior fragilidade a qualquer variação ou interferência no ambiente, que pode terminar por eliminá-las", explica a Rafaela. Outra possibilidade, segundo a pesquisadora, é saber se as plantas estariam desenvolvendo uma outra estratégia de sobrevivência. Esse, por sinal, é outro objetivo do estudo.

"Hoje, uma das maiores fontes de renda de muitos municípios do Espírito Santo é a extração de pedras ornamentais, o que, consequentemente, está reduzindo de forma significativa as rochas onde ocorrem várias das plantas citadas na lista de espécies ameaçadas do Brasil. Lá também as antigas massas florestais vêm sendo progressivamente substituídas por pastos", preocupa-se Rafaela.

Igual preocupação tem Denise Pinheiro da Costa sobre as briófitas, plantas que ocorrem em todos os tipos de ecossistemas do mundo – do ártico a áreas tropicais, do deserto a ambientes submersos, com exceção do ambiente marinho – e em quase todos os tipos de substrato, como troncos, solo, folhas e rochas. Podem tolerar condições ambientais extremas, mas surgem preferencialmente em locais úmidos.

"Existem no Brasil cerca de 1.500 espécies de briófitas, das quais 1.200 na Mata Atlântica e, destas, 1.000 no estado do Rio de Janeiro. O que mostra que grande parte das espécies brasileiras ocorrem na região Sudeste. As briófitas são sensíveis a mudanças ambientais, servindo como bioindicadores do estado de conservação da floresta.

"O estado Rio de Janeiro concentra uma grande quantidade de famílias, gêneros e espécies de briófitas. Logo, uma lista de espécies dessa flora pode ser útil para pesquisadores do Brasil inteiro", diz. Algumas delas foram descritas recentemente. É o caso da Southbya organensis, coletada em 1923 em Morro Assú e descrita em 1925. O único exemplar conhecido foi o originalmente coletado. "Visitas realizadas em 2006 e 2008 na área de ocorrência não resultaram em novas coleções da espécie", falou a pesquisadora. Com apoio do programa de Auxílio à Editoração (APQ 3), Denise concluiu um manual de briologia, que reúne, além de várias informações sobre a brioflora do estado, uma lista das espécies de briófitas conhecidas. Um dos objetivos do livro é o de incentivar o ensino de Ciências Biológicas nos cursos de graduação.

Essas briófitas e bromélias, endêmicas da Mata Atlântica, também estão nas 516 páginas de Plantas da Floresta Atlântica, livro lançado recentemente que reuniu estudos de mais de 200 pesquisadores de todo o país, entre eles Rafaela e Denise. O livro procura ser a mais completa listagem já feita para o domínio Atlântico, e contém 15.782 espécies, distribuídas em 2.257 gêneros e 348 famílias, daquela que é considerada a floresta mais rica em biodiversidade do planeta.

"A cada semana, descrevem-se duas novas espécies da flora do Brasil; dessas uma é originária da Mata Atlântica. Fizemos uma radiografia de tudo o que se conhece atualmente", explica João Renato Stehmann, professor da Universidade Federal de Minas Gerais e um dos editores do livro.

Plantas da Floresta Atlântica traz também informações sobre o grau de conservação das espécies listadas. "Só conhecendo a situação é que se pode propor medidas de preservação desse patrimônio natural, que, embora riquíssimo, não é renovável", dizem os pesquisadores. Dos 11% de Mata Atlântica que restam no país inteiro, 7% no Rio de Janeiro, o mais gritante é a velocidade com que a mata ainda vem sendo destruída. Os fragmentos que restam precisam de conectividade entre si, a criação de corredores que os liguem para ampliar a variabilidade genética e a própria sobrevivência das espécies. Hoje, muitos desses fragmentos, são funcionalmente isolados e pobres. A maior área continua sendo a da Serra do Mar, principalmente nas montanhas próximas do litoral do estado de São Paulo estendendo-se para os estados do sul e para a região sul do estado do Rio de Janeiro. Que só se manteve assim por suas características de montanhas íngremes, de difícil acesso. "Caso o ritmo de destruição se mantenha, em pouco tempo perderemos o que resta de uma riqueza inestimável", resumem.

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