quinta-feira, 29 de abril de 2010

Sob perigo, moradores são retirados da Serra do Mar

Por Matheus Pichonelli do iG São Paulo

Há uma bomba-relógio encravada no alto da Serra do Mar. No corredor ecológico de Mata Atlântica que separa o planalto e o litoral paulista, moradias irregulares se espalham em encostas e áreas de proteção ambiental onde os habitantes se apoiam em orações e vigílias noturnas para se proteger da força das chuvas que têm causado estragos e mortes em Estados vizinhos como Rio de Janeiro e Santa Catarina. Assim como nos morros fluminenses, onde mais de 250 pessoas morreram em deslizamentos no início do mês, milhares de famílias da região paulista vivem em moradias precárias instaladas no alto da serra.

Segundo o Instituto de Pesquisas Tecnológicas da USP (IPT), que mapeou as áreas de risco e de desmatamento na Serra do Mar, apenas em Cubatão (SP) existem 5.350 famílias que devem deixar o local antes que a “bomba” seja detonada.

O instituto aponta que apenas 2.410 das 7.760 famílias de áreas de morros no município estão seguras e podem permanecer em suas casas, que serão revitalizadas. As demais devem ser reassentadas em áreas seguras.

A desocupação dessas encostas, prevista no Programa de Recuperação Socioambiental da Serra do Mar, do governo paulista, teve início em 26 de fevereiro e até o momento 327 famílias cadastradas já foram transferidas para apartamentos de conjuntos residenciais construídos na Praia Grande ou em Peruíbe pela Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) de São Paulo, que coordena o projeto. A ideia é levar, até 2012, todas as famílias sob perigo para residenciais construídos em cidades da Baixada Santista e região metropolitana de São Paulo. O orçamento para o programa é de cerca de R$ 1 bilhão.

Em Cubatão acontecem cerca de 15 mudanças de moradores diariamente. A retirada acontece pela manhã, sempre por volta das 7h, e o transporte para as novas casas é pago pela própria CDHU. A reportagem do iG acompanhou um dia de trabalhos de demolição dos barracos no bairro Pinhal do Miranda, um dos sete núcleos de ocupação irregular de Cubatão onde foi identificado alto risco de escorregamento de terra.

No local vivem 2.238 famílias em casas geralmente de um ou dois cômodos assentadas sobre terra batida e paredes de madeirite ou cortiça. É uma favela vertical onde residências se equilibram entre trilhas estreitas. Correm numa espiral ascendente que se desenha numa encosta que praticamente atravessa os fundos dos quintais improvisados.

Parte dos moradores ainda espera o dia da mudança – o que significa, para muitos, esperar que sejam alojados em casas próximas dos locais de trabalho. Até lá, famílias remanescentes convivem com um cenário peculiar: além da sujeira nos córregos – verdadeiros esgotos a céu aberto –, risco de doenças como dengue e da precariedade das moradias, elas têm agora como companhia terrenos já desmontados, onde moravam os antigos vizinhos que já se mudaram. Estes deixaram para trás histórias, saudades e objetos que preferiram não levar na bagagem – como azulejos, tijolos, panelas, bonecas, chuteiras e até um vaso sanitário que permaneceu intacto, e tomado por terra, após “sobreviver” a um deslizamento que atingiu a casa de uma antiga moradora. Tudo se acumula entre escombros, num cenário que parece uma cidade bombardeada, à espera da limpeza. Aos poucos, as casas demolidas dão forma a um bairro-fantasma – íngreme e ainda a perigo.

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