terça-feira, 4 de maio de 2010

Documentário dá voz aos ribeirinhos

O documentário é resultado de oficinas realizadas pelo projeto da TV Navegar que, em parceria com a Fundação Amazonas Sustentável, incentiva os moradores a passarem para trás das lentes e registrarem imagens a partir da perspectiva deles

Por Camila Nobrega, do Globo

Logo de início, a câmera caminha por dentro da mata junto com um ribeirinho, que mostra o que a natureza oferece às comunidades que vivem na Amazônia. Uma imensidão aparentemente inesgotável de espécimes de cipó-titica para fazer vassoura e de palha de urucuri para servir de cobertura principal das moradias nas redondezas.

Num primeiro momento, o documentário "No meio do rio, por entre as árvores", de Jorge Bodansky, parece dar contorno ao que se ouve do senso comum sobre as populações ribeirinhas: eles exploram a natureza, como se ela fosse infinita. Mas, aos poucos, o filme desconstrói esse estereótipo, mostrando lideranças articuladas, e pessoas simples, mas que têm bastante consciência da necessidade de preservação da floresta. Afinal, elas dependem dela.

O documentário é resultado de oficinas realizadas pelo projeto da TV Navegar que, em parceria com a Fundação Amazonas Sustentável, incentiva os moradores a passarem para trás das lentes e registrarem imagens a partir da perspectiva deles. Os 70 minutos de duração de "No meio do Rio, entre as árvores" são fruto de uma edição feita por Bodansky, a partir de uma série de dez mini documentários produzidos no decorrer do projeto. Exibido no festival de documentários É tudo verdade, no mês passado, o filme chamou atenção de muita gente e agora será exibido em mostras de cinema brasileiro em Nova York e em Vancouver.

Mas, segundo Bodansky, ainda falta apoio por aqui, para que ele chegue aos cinemas: - Não temos nada fechado, mas estamos lutando, porque o filme traz um olhar de populações que nunca são ouvidas.

Levando em conta a pertinência do tema em um momento em que o mundo inteiro está de olho na Amazônia, não faltariam motivos para que o filme entrasse em circuito. Trata-se de comunidades que, diante das as necessidades ambientais impostas, têm muita vivência para falar e ensinar. Mas, a julgar pela dificuldade de exibi-lo nas telonas, parece que não há muito interesse em ouvi-las.

Desde os anos 1970, o cineasta documenta interesses relativos à Amazônia. De lá para cá, ele mostrou o caos ecológico com a chegada da rodovia Transamazônica, no documentário "Iracema - uma transa amazônica", de 1976; driblou a segurança do Congresso Nacional para investigar a devastação da Amazônia (Jari, 1978) e filmou o senador amazonense Evandro Carreira em "Terceiro Milênio", de 1980. Mas, em quatro décadas, ele lembra, o olhar das autoridades ainda não chegou às comunidades amazônicas, como faz o filme: - Subestima-se o conhecimento dessas comunidades.

Eles não gostam de receber legislações prontas, querem participar. Nesse trabalho da TV Navegar, damos a oportunidade de eles se interpretarem, e sentirem orgulho de si próprios. As lideranças, nas quatro comunidades que visitamos, são muito articuladas.

No primeiro depoimento do filme, um integrante da comunidade Ayucá, Roberto Mourão, traz o tom da consciência da população.

Ele aparece na sequência de uma cena em que árvores estão sendo cortadas da floresta e fala sobre o uso da terra pelos ribeirinhos: - Cada um tirava a madeira que queria, mas estragamos grandes áreas. Hoje, aprendemos a usar o plano de manejo. Quando as árvores acabavam, quem mais saía perdendo éramos nós mesmos.

No entanto, um outro líder local, Miguel Moreira, entra em seguida com uma crítica ao plano de manejo: - Arranjaram tanta coisa para a gente pagar, que não tem mais condição. As regras são feitas lá fora e trazidas para cá.

Não pode, tem que discutir aqui - reclama Mourão, mas continua: - Eu concordo que tirar uma árvore ou um peixe pequeno da natureza é um crime. Se tirar um peixe filhote, em vez de dar para 20 almoçarem, vai dar para dois e não vai reproduzir. Com a árvore é a mesma coisa.

A questão é que para nós a fiscalização é acirrada e para quem tem dinheiro não há nenhuma. Desde agentes ambientais nas comunidades a donas de casa, os depoimentos do filme deixam a lição de que as populações ribeirinhas precisam falar e estão muito conscientes das mudanças que precisam ser feitas na floresta. O que falta, porém, é vontade de ouvi-las.

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