quarta-feira, 5 de maio de 2010

Porto e ferrovia ameaçam o Sul da Bahia

Por Alice Marcondes, da Envolverde
Ambientalistas e “desenvolvimentistas” se enfrentam em Ilhéus contra e a favor da implantação de obra de infraestrutura com impactos em área de preservação da Mata Atlântica.

Mais uma grande obra de infraestrutura, formada por uma ferrovia que vai ligar o interior da Bahia à região de Ilhéus e um porto para escoar minério de ferro, coloca novamente em lados opostos ambientalistas e o PAC (Plano de Aceleração do Crescimento) do governo Lula. Desta vez o beneficiário da obra é a mineradora Bamin (Bahia Mineração), e os principais afetados são animais e plantas de uma área de 1780 hectares de reserva de Mata Atlântica que será devastada para implantação do projeto. Apesar da promessa do governo de zerar o desmatamento da Mata Atlântica em 2010, esta obra já teve seu edital de licitação lançado em 26 de março.

O projeto Porto Sul prevê um complexo intermodal, do qual fazem parte um porto de minérios em alto-mar e o traçado final da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (que liga Tocantins à Bahia), ao norte de Ilhéus, no sul da Bahia, sendo a ferrovia parte do PAC do Governo Federal. Ambientalistas alertam que o empreendimento causará diversos impactos negativos para o turismo e pesca locais, como a perda de biodiversidade terrestre e marinha, alteração da rota migratória da baleias e a alteração dos estoques pesqueiros, além da destruição de recifes de corais.
 
Ilhéus é uma região que durante muito tempo teve sua economia baseada no cultivo do cacau, no entanto, após a crise que atingiu esta cultura, a cidade vem enfrentando problemas para encontrar um novo eixo de desenvolvimento. Segundo ambientalistas ligados à SOS Mata Atlântica, Greenpeace, Conservação Internacional do Brasil, WWF do Brasil, IESB, Ação Ilhéus, Instituto Floresta Viva, Projeto Tamar, FUNBIO, IPE e outras importantes organização preservacionistas, a melhor alternativa para a região é o desenvolvimento de seu potencial turístico, destacando as belezas naturais e o patrimônio histórico da região, e diversificando as áreas de atuação.

Após uma sucessão de governos que a trataram com descaso, Ilhéus é uma cidade com infraestrutura deficitária, sem saneamento básico em diversos bairros, e alto índice de desemprego, pouco atrativa para o turista internacional. Este cenário de poucas possibilidades faz com que parte da população local veja no porto oportunidades de trabalho e investimentos para melhorar o perfil da cidade. No entanto, segundo perspectivas da empresa, o empreendimento vai gerar, após a conclusão de suas obras, somente cerca de 400 empregos.

Na última semana, movimentos ambientalistas realizaram uma manifestação na cidade, que reuniu em torno de 300 manifestantes e jornalistas de diversas partes do Brasil. O objetivo foi alertar a população e chamar a atenção do governo para os problemas que esta obra causará na região. Nesta ocasião, os manifestantes se reuniram em torno da Lagoa Encantada, em um abraço simbólico. Parte de uma APA (Área de Proteção Ambiental), estabelecida desde 1991, a Lagoa, com aproximadamente 20 quilômetros de diâmetro, é um dos locais que poderão ser afetados pelo projeto.

Mesmo antes de ser implantado, o porto já faz vítimas. Makenna Resort, é o nome do hotel de alto luxo construído por Thilo Scheuerman, empresário alemão, casado com uma brasileira. Com uma proposta de valorização da cultura e do meio ambiente, o empreendimento foi construído de frente para a Praia do Norte, em meio à Mata Atlântica preservada, e, infelizmente, muito próximo do local onde será construído o complexo intermodal do Porto Sul. Durante quase dois anos de pesquisa, Thilo visitou vários lugares em todo o Brasil, e escolheu a Ponta da Tulha para a construção de seu hotel.

Comprou uma área de 50 hectares, dos quais 43 ficariam preservados. Investiu neste projeto cerca de R$ 15 milhões. “Esta obra tem tirado meu sono. Meu hotel, que seria de frente para o mar, agora será de frente para o porto. A ponte de ligação passará a cerca de dois quilômetros do hotel. O Makenna será um empreendimento de alto luxo, com diárias caras. Ninguém vai querer pagar caro para olhar para um porto com uma ponte. Os empresários do turismo de negócios não vão querer pagar o preço que vou cobrar. Investi o dinheiro de uma vida toda, e se esta obra realmente acontecer, não sei o que vou fazer”, desabafou.

A parte mais carente das comunidades de Ilhéus também fica apreensiva. Jailson Costa dos Santos, conhecido como Joca, é proprietário do Bar e Restaurante Peixe da Lagoa, na Vila de Areias, onde seus clientes são contemplados com vista para a Lagoa Encantada. Mora, desde 1991, em uma casa nos fundos com sua mulher e três dos seus seis filhos. Vive e sustenta sua família com a renda do restaurante, onde serve frutos do mar, especialmente peixes como robalo, tucunaré e tilápia, que ele mesmo pesca. “Sou contra a implantação do projeto dentro de uma APA (Área de Proteção Ambiental), como é a Lagoa Encantada. Em uma área de proteção, como o próprio nome já diz, não se pode mexer. Não se pode tirar nada, só foto, e não se pode deixar nada, só pegadas”, declarou.

O morador contou ainda, que a Bamin, empresa responsável pelo projeto, esteve na vila e ofereceu cursos de capacitação profissional, para atuação nas atividades do porto. Porém, segundo ele, quase ninguém aceitou, “Queremos viver nossa vida desse jeito mesmo, e acho que não vai ter emprego para todo mundo”.

Os procuradores Eduardo El-hage e Flávia Arruti assinalaram falhas no RIMA (Relatório de Impactos Ambientais) encomendado pela Bamin. Observam que o empreendimento vai contra a Lei da Mata Atlântica e fere a constituição brasileira. “O Ministério Público Federal não é contra o projeto, mas sim onde ele poderá ser instalado, contrariando até o próprio plano diretor do município. Vamos até o fim para que o projeto não saia do papel”, declarou El-hage.

Como alternativa para que a empresa possa escoar seu minério, ambientalistas alegam que o porto de Aratu, um pouco mais ao norte, possui infraestrutura suficiente e evitaria os investimentos da ordem de R$ 1,4 bilhão, dinheiro que poderia ser utilizado para melhorias na cidade e no fomento ao turismo.

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