terça-feira, 11 de maio de 2010

TERRAMÉRICA - Retirada compulsória de favelas ressuscita fantasmas

Por Fabiana Frayssinet*

Os trágicos deslizamentos deste ano nos morros do Rio de Janeiro levaram à criação de um plano oficial de reassentamento de bairros pobres, qualificado por especialistas de autoritário e ineficaz.

Rio de Janeiro, 10 de maio (Terramérica).- O velho debate entre retirada ou reurbanização das favelas ganha força no Rio de Janeiro, que ainda mostra feridas abertas em suas encostas por causa dos deslizamentos de terra provocados pelas chuvas de abril. A polêmica acompanha o plano de retirada compulsória das áreas de risco, criado para prevenir desastres como os causados pelo temporal do início do mês passado: 256 mortos e milhares de desabrigados no Estado, segundo dados oficiais.

O decreto municipal estabelece a evacuação dos moradores dessas áreas localizadas em áreas sujeitas a deslizamentos de terra ou inundações, mesmo contra a vontade e com atuação, se necessário, da polícia. O plano Viver Seguro é, segundo o prefeito Eduardo Paes, o “fim da demagogia”. Mas o historiador especializado em favelas Mario Brum vê o plano como “o ressurgimento de um fantasma dos períodos mais sombrios de nossa história”.

Brum recorda que a remoção de favelas alcançou sua máxima expressão durante a ditatura (1964-1985), quando 175 mil pessoas foram retiradas à força. Em declarações ao Terramérica, o historiador disse que essa prática “se converteu em política de Estado” na década de 60 e até metade dos anos 70, dando origem a vários conjuntos habitacionais como o Cidade de Deus, que o diretor de cinema Fernando Meirelles tornou famoso com seu filme de mesmo nome. O plano de transferir os moradores das favelas para esses edifícios foi abandonado porque os supostos beneficiados não podiam custear os novos gastos de moradia e transporte. Muitos acabaram voltando para seus precários lugares de origem, acrescentou.

"O dilúvio que nos atingiu no começo de abril nos leva a refletir”, disse Brum em um artigo publicado no site do Instituto Brasileiro de Análises e Estudos Sociais (Ibase). “Toda desigualdade terá sido levada pela água ou pela terra, ou, estranhamente, ela parece se reforçar na cidade que ainda não acabou de contar seus mortos?”, perguntou no trabalho intitulado “O Rio e as favelas: futuro e cidadania após o dilúvio”.

Também o sociólogo Paulo Magalhães considera que o plano de Paes não resolve os problemas urbanos de fundo. “A principal causa estrutural é a desigualdade da renda na sociedade brasileira”, vinculada “à ausência de uma política habitacional para os mais pobres por um Estado omisso”, disse ao Terramérica. Magalhães critica a “penalização” dos pobres, como se fossem responsáveis por sua própria tragédia. Destaca, ainda, que ninguém é louco para querer ficar em um lugar onde corre risco de vida, como demonstrou a “falta de resistência” à desocupação.

Os movimentos sociais questionam a falta de consulta aos eventuais beneficiários do reassentamento. “O governo chega com este pacote de soluções para pessoas que ainda sofrem a tragédia e que não conseguiram se reorganizar”, afirmou Mônica Francisco, líder comunitária da favela do Morro do Borel. Ninguém pergunta onde querem ser colocadas, nem se terão, por exemplo, problemas de transporte nos novos destinos, acrescentou. Contudo, a questão mais difícil de resolver é o tipo de exílio a que são submetidos os moradores destes bairros, obrigados a abandonar “suas raízes e a proximidade de suas relações afetivas”, ressaltou Mônica.

O plano de evacuação contempla inicialmente cerca de quatro mil famílias de oito favelas, segundo Paes, que informou que a resolução foi tomada depois de detalhados estudos técnicos. Porém, os líderes das favelas consideram insuficientes estes estudos. No Morro dos Prazeres, uma das oito favelas mencionadas pelo prefeito, a Defesa Civil do Estado do Rio de Janeiro identificou 946 moradias para serem evacuadas, mas a Associação de Moradores assegura que apenas cem estão em área com risco de deslizamento. O símbolo mais cruel do déficit de moradia nesse lugar foi a imagem de um velho perambulando pelos escombros onde os bombeiros buscavam, ainda em meados de abril, restos de vítimas dos desmoronamentos.

Carlos Minc, que foi ministro do Meio Ambiente até o final de março, afirmou o que para muitos não parece tão óbvio: “Ninguém vive em uma favela se tem outra opção”. Por isso, uma das soluções é melhorar “as cidades médias” do Estado, para impedir o grande fluxo para a região metropolitana, propôs Minc, deputado estadual no Rio de Janeiro e candidato à reeleição em outubro pelo PT.

Minc disse ao Terramérica que confia na aprovação, em breve, de uma lei que destine aos moradores de áreas de risco um mínimo de 10% das casas contempladas nos planos oficiais de construção geral. Uma das dificuldades é a falta de infraestrutura nas áreas de realocação. O erro de programas anteriores foi construir conjuntos habitacionais longe “das áreas dinâmicas da economia”, explicou Magalhães. Por essa razão, a secretária estadual do Meio Ambiente, Marilene Ramos, destacou um dos pontos do programa Viver Seguro: investimento de R$ 1 bilhão (cerca de US$ 540 milhões).

“Um dos principais problemas a serem resolvidos nas áreas possíveis de recolocação é a carência de infraestrutura, como água potável, esgoto e vias de acesso”, disse Marilene ao Terramérica. O novo programa substituirá todas essas deficiências antes de começar a construir as moradias, prometeu. Porém, Magalhães sugeriu outras soluções, como a desapropriação de aproximadamente dez imóveis desocupados, apenas no centro do Rio de Janeiro. Nesse aspecto – disse – megaeventos como os Jogos Olímpicos de 2016 na cidade do Rio, deveriam servir para revitalizar algumas áreas centrais e para construir conjuntos habitacionais que depois possam ser destinados aos mais pobres.

* A autora é correspondente da IPS.


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Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.




(Envolverde/Terramérica)

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