Por Observatório Nacional de Clima e Saúde, da Fiocruz
Manaus, como as demais grandes metrópoles brasileiras, tem aumentado gradativamente sua participação na vida nacional, tanto do ponto de vista econômico quanto demográfico. Mas, ao contrário de outras metrópoles, Manaus não está interligada a outras cidades de médio porte, ou a grandes redes de suprimento de energia, alimentos, água. Essa característica torna a cidade singular no mundo. A cidade se tornou fortemente dependente do seu entorno mais próximo, que fornece alimentos, água e energia. O fluxo de mercadorias e circulação de pessoas tem alto custo, é lento e depende grandemente da rede de rios da região. Qualquer evento climático que suspenda o abastecimento ou interrompa as cadeias de suprimento da cidade pode produzir uma crise no setor saúde em grandes proporções. Além disso, a cidade tem atraído migrantes de toda a Amazônia Ocidental, bem como de outras regiões do Brasil e parte da América Latina, que recorrem à cidade no caso de crises ambientais, conflitos étnicos e conjunturas econômicas. Desse modo, a cidade não pode ser vista isoladamente, mas como parte de um sistema sócio-ambiental que abrange toda a bacia amazônica. As crises sociais e ambientais ocorridas na Amazônia Ocidental são sentidas particularmente na cidade de Manaus.
A cidade está localizada na confluência de grandes rios como o Negro, Solimões, Madeira e Purus, cada um destes com regimes diferentes, sujeitos a influência de chuvas na Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), entrada de vapor advindo do oceano Atlântico por ventos alíseos, os eventos do El Niño/Oscilação Sul (ENOS), as trocas de calor e unidade entre vegetação e atmosfera na própria região, além do derretimento sazonal ou permanente das geleiras dos Andes. A defasagem observada entre as curvas de precipitação e nível do rio Negro é uma conseqüência desse sistema climático complexo.
O nível da água do rio Negro é um forte regulador da dinâmica econômica e social da cidade, com o qual a cidade se habituou a conviver. A persistência de palafitas na cidade, como alternativa de habitação tradicional de baixo-custo, demonstra essa capacidade de adaptação da população local às variabilidades climáticas. Nesse e em diversos outros casos, as alterações de nível do rio são assimiladas pelos habitantes, se essas variações ocorrem dentro de uma faixa que não comprometa o funcionamento dos sistemas de transporte, de suprimento de água e alimentos, e do esgotamento sanitário. Maiores variações, tanto em situações de seca, quanto de enchentes extremas, podem provocar o colapso desses sistemas. Por exemplo, um período prolongado de seca pode impedir o transporte em pequenos rios da região, dificultando o suprimento de alimentos para cidade.
Por outro lado, a elevação do nível do rio acima da cota de lançamento dos esgotos, provoca a paralisação do fluxo de esgotos tanto no sistema geral de coleta de esgotos, quanto nos pequenos sistemas de esgotamento comunitários ou individuais. O retorno da carga de esgotos, nesse caso, pode provocar a contaminação da água usada para abastecimento na cidade. Ambos extremos de variação foram sentidos pela cidade no ano de 2009, durante o qual foram registrados períodos prolongados de seca e cheia.
Estes processos favorecerem o surgimento de surtos de doenças relacionadas à água, principalmente as doenças transmitidas por vetores, como a malária e dengue, bem como as doenças de veiculação hídrica, como a leptospirose, as hepatites virais e as doenças diarréicas.
As alternativas de adaptação para as mudanças climáticas devem levar em consideração a variabilidade natural das chuvas e regime dos rios, bem como alterações nesses ciclos, de maior intensidade e duração.
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