sábado, 12 de agosto de 2006

Cresce o risco de favelização em Piratininga

Niterói, 12/08/06

Liriane Rodrigues e Thaís Dias

Muitas casas são construídas em meio à vegetação nativa

Em Piratininga, uma nova favela pode estar surgindo. Isso porque uma das mais importantes vias da Região Oceânica, a Estrada Francisco da Cruz Nunes, vem se tornando endereço de famílias de posseiros. Na localidade da Biquinha, um terreno pertencente à empresa Urbanizadora Piratininga S.A. (UPISA) – que é área de preservação permanente e, portanto, construções são proibidas – foi tomado por mais de 15 famílias.

O crescimento desordenado de residências irregulares no Morro da Biquinha, muitas vezes, passa despercebido por quem circula pela Região Oceânica. Algumas casas estão escondidas pela vegetação nativa, mas há os moradores que invadiram os terrenos à beira da Estrada Francisco da Cruz Nunes, sem qualquer cuidado de disfarçar a irregularidade. As construções já possuem até numeração própria. A ocupação ilegal do terreno, que é de propriedade particular, causa polêmica entre o poder público e o dono da área. O secretário municipal de Meio Ambiente e Recursos Hídricos, Jefferson Martins, informou que a UPISA foi multada em R$ 3 mil, em 2005, por permitir um desmatamento aleatório no seu terreno. "Os danos ambientais são grandes. Aquela área não pode sofrer intervenções porque coloca em risco o equilíbrio da vegetação, da fauna e até propicia a criação de áreas de risco, com a desestabilização das encostas. Em agosto de 2004, demolimos casas na localidade e intensificamos a fiscalização até que um de nossos agentes foi raptado. Nossa proposta é tentar criar alternativas habitacionais de remoção desses moradores, ou mesmo, a definição dessas áreas como legais e iniciar a cobrança de impostos", disse Martins. Já o secretário de Urbanismo e Controle Urbano, Adyr Motta Filho, disse que o proprietário do terreno, a UPISA, tem que tomar conta da área e não permitir a invasão irregular da terra, principalmente no caso de áreas ambientais.

Procurador da empresa diz que já moveu diversas ações
O procurador da Urbanizadora Piratininga S.A., Reginaldo Barros Netto, afirmou que moveu várias "ações possessórias visando a impedir a ocupação desordenada de áreas de suas propriedades, mas, mesmo no caso em que teve êxito, as invasões recomeçam, porque há muitos anos não se constrói na cidade habitações para classes menos favorecidas". Segundo ele, a UPISA não pode ser condenada ao pagamento de multas porque o Governo Municipal permite a favelização da região. "Há cerca de 15 anos, a Prefeitura de Niterói construiu um pequeno prédio, creio que para a coleta de água, sem desapropriar o terreno, ou seja, desapropriação indireta, e passou a consentir novas habitações irregulares que existem nas imediações", disse Netto. O diretor da UPISA ressaltou, ainda, que já formulou proposta para a aplicação em Niterói do Estatuto das Cidades, que permitiria a transferência do potencial construtivo de áreas degradadas ou interditadas ao uso, para localidades destinadas à expansão urbana. De acordo com Reginaldo Barros Netto, a idéia do empresário seria apoiada com uma lei municipal e financiamento em 240 meses pela Caixa Econômica Federal. O assunto, segundo o procurador da Urbanizadora Piratininga S.A., está sendo analisado pelo Governo Federal.
Mediador – O promotor Luciano Mattos, titular da Promotoria da Comarca de Niterói de Meio Ambiente e Urbanismo do Ministério Público, afirmou que, independentemente de pertencer a uma Área de Proteção Ambiental, qualquer construção na cidade deve ser autorizada pela Prefeitura. No caso específico da localidade da Biquinha, ele ressaltou que o Governo Municipal precisa fiscalizar a região para evitar a ocupação desordenada. Além disso, é necessário promover a retirada dos ocupantes dessas residências irregulares – medida que deve ser acompanhada de políticas públicas assistenciais. "A função do Ministério Público é cobrar da Prefeitura essas fiscalizações. Em caso de dúvida jurídica sobre esse procedimento pode ser movida uma ação contra os moradores, o Governo Municipal ou mesmo o proprietário da área. Esses questionamentos judiciais também podem ser acionados se for constatada inércia dos agentes públicos. O procedimento inicial seria a convocação das partes para a prestação de esclarecimentos e depois, avaliada a melhor atitude a ser tomada. Já estamos com denúncias sobre a região e avaliamos as atitudes mais coerentes a serem realizadas", explicou Mattos. A Prefeitura de Niterói informou, através de sua assessoria de imprensa, que criará uma comissão formada pelo secretário de Urbanismo, Adyr Motta Filho; o secretário de Defesa Civil e Integração Comunitária, Edson Pinto; a secretária de Assistência Social, Heloísa Mesquita; além de um representante da Procuradoria do Município. O grupo irá estudar ações para coibir as invasões em áreas proibidas. Ainda não há prazos para a definição para a conclusão do plano de ação, mas a assessoria de comunicação ressaltou que dentro de 30 dias uma posição será divulgada oficialmente.

Agressão à natureza
O ambientalista Gerard Sardo lembra que a ocupação de encostas fragiliza o perfil do solo, provocando deslizamentos em épocas chuvosas. Além disso, como a água desce do morro sem retenção, não penetra na terra deixando, conseqüentemente, de abastecer o lençol freático. O desmatamento também acaba com a diversidade biológica, limitando a evolução da vida de animais e vegetais, favorece o assoreamento dos rios, provocando enchentes e a proliferação de doenças, e interfere no clima. "O desmatamento provoca um desequilíbrio ambiental enorme. Um dos efeitos mais graves dessas atitudes contra o meio ambiente no Morro da Biquinha é a perda de nascentes que abastecem a Lagoa de Piratininga. Com isso, o sistema lagunar da Região Oceânica poderá ser assoreado com o tempo, o que desestabilizará o ecossistema local e também a rotina econômica da região", destaca Sardo. A fiscalização rotineira seria a solução mais adequada para garantir a saúde das florestas ainda existentes na cidade. De acordo com o ambientalista, é preciso que a sociedade também faça sua parte e denuncie as irregularidades para o poder público e até o Ministério Público. "A área ocupada é de extrema importância para a manutenção de diversidade biológica na cidade, além da relevância do lençol freático para o abastecimento da região no futuro. Outro ponto de destaque seria a redução de riscos de deslizamentos de terra. O que está acontecendo é ilegal e deve ser coibido. O jogo de empurra dos poderes públicos deve terminar em prol do bem do município", disse Sardo. A localidade da Biquinha está inserida na Área de Proteção Ambiental das Lagunas e Florestas de Niterói, criada pela lei municipal 458/83, ratificada pelo artigo 44 da lei municipal 1157/92. Sardo ressaltou que a legislação em vigor no município não pode sofrer alterações sem licença prévia da Prefeitura. Já no caso das regiões consideradas de preservação permanente, é proibida qualquer realização de intervenções.
Floresta destruída
Quinhentos e quarenta e cinco hectares – mais de 5,4 milhões de metros quadrados. Essa foi a área de floresta que sobrou nas zonas Sul, Norte e Centro de Niterói, segundo levantamento dos departamentos de Geociências e Geografia da Universidade Federal Fluminense (UFF). Esse número representa 14% da área total dessas localidades (3.960 hectares) e está longe dos 20% considerados ideais pelo Código Florestal. O estudo mostra que 55% do solo da cidade não tem qualquer vegetação. Essa realidade é, segundo especialistas, conseqüência de desmatamentos e invasões que vêm sendo cada vez mais registradas.

Drama social
Um dilema urbanístico e social. É assim que é definida a ocupação irregular do Morro da Biquinha, em Piratininga, pela professora de Arquitetura da Universidade Federal Fluminense (UFF) e especialista em recuperação ambiental e habitação popular Regina Bienenstin. Ela ressalta que a localidade, na Região Oceânica, não pode ser descaracterizada por construções, mas afirma que os moradores que invadiram a área não podem ser removidos sem políticas públicas assistenciais. "A cidade é de todos e é preciso que todos tenham opções de moradia. Se houvesse um ordenamento urbanístico e políticas assistenciais para habitação não haveria favelização. É preciso que seja montado um contexto urbano que dê alternativas para quem vive com até três salários mínimos", comentou Bienenstin. A secretária de Assistência Social, Heloísa Mesquita, informou que, em parceria com a Secretaria de Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia, estão sendo discutidas alternativas, a médio e longo prazo, para abrigar as famílias em situação irregular de moradia. Ela afirmou, ainda, que está sendo realizado um estudo para avaliar as condições habitacionais e financeiras de cada família, além da verificação dos riscos da localidade onde essas pessoas estão morando. Os critérios de prioridade de atendimento estão sendo definidos em reuniões das secretarias. Entre as soluções cogitadas para o problema da habitação estão a criação de financiamentos de residências populares e a construção de unidades habitacionais para os cidadãos mais carentes.
Violência – Em 28 de fevereiro do ano passado, o biólogo e fiscal da Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos de Niterói, Alexandre Moraes da Silva, na época com 47 anos, foi amarrado, assaltado e levou um tiro de raspão, enquanto fazia uma vistoria de rotina no Morro da Biquinha, em Piratininga. Ninguém foi preso. Na ocasião, o secretário de Meio Ambiente informou que seus funcionários já sofreram problemas na mesma área. O diretor de fiscalização da secretaria, Paulo Tâmega, teria sido ameaçado após uma operação, na qual desmontou quatro invasões na área de preservação ambiental.

Fonte: O Fluminense

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