segunda-feira, 18 de dezembro de 2006

Maricá volta a questionar quem é o dono da restinga

Gabriel Felice

Trinta e cinco quilômetros de extensão compõem o cenário paradisíaco da Restinga de Maricá. O estreito acompanha a orla da cidade, de Ponta Negra a Itaipuaçu. De acordo com a assessoria do Ministério do Planejamento, devido à proximidade com o mar, este tipo de área normalmente é de propriedade do Governo Federal. Mas as cancelas instaladas nos acessos à restinga, há pouco mais de um mês, reacenderam a discussão sobre a propriedade do local.

Segundo o secretário de Fazenda e Planejamento Orçamentário de Maricá, Luiz Carlos Bittencourt, no registro geral de imóveis do município consta que a propriedade do local, há quase duas décadas, era do grupo de bebidas Cintra. Mas a assessoria de imprensa da cervejaria desmente a informação. Ainda segundo o secretário, o terreno foi vendido pela cervejaria há dois meses para um conglomerado hoteleiro argentino, o Sol Meliá. Luiz Carlos confirma a venda por R$ 20 milhões e a possível construção de um complexo de hotéis. Porém, a assessoria da Sol Meliá desmente a informação de compra e diz que não há nenhum estudo ou interesse na área.
"Desde que os parâmetros ambientais sejam respeitados, não vejo problema na implantação da rede hoteleira. Só vai fomentar ainda mais o turismo, sem contar que a flora vai ser preservada", afirmou Bittencourt.

Considerada por decreto estadual como Área de Proteção Ambiental (APA) desde 1984, o local não pode sofrer ações de degradação do meio ambiente, mas nada impede que ela seja de propriedade particular. Pedro Hugo Xaubet, superintendente de Meio Ambiente de Maricá, explica que toda APA permite que até 20% do espaço possa ser construída. Porém, é necessário que esteja regulamentado pelo Plano Diretor de cada município. No caso de Maricá, o Plano Diretor, aprovado este ano, prevê, no Artigo 21, que a utilização da área seja de "uso recreativo".
"Atualmente, as construções não são permitidas. Somente após uma alteração no Plano Diretor é que qualquer empresa, seja ela qual for, poderá explorar a área para fins econômicos", observa o professor e sociólogo Washington Luiz Cardoso, conhecido como Washington "Quaquá".
Enquanto isso, quem vem sofrendo com o fechamento da área são os moradores e pescadores que encontram dificuldades para acessar a área.

O pescador Enéas Marques, de 85 anos, lamentou ter que passar pelo que considerou constrangimento de ter que se identificar em uma das cancelas. "Nasci e cresci aqui. Essa terra é da nossa comunidade. Meus pais viveram e morreram aqui. Nunca tive que dar esclarecimentos sobre meus passos. E na semana passada não deixaram o caminhão, que transportava o material da reforma, entrar", comentou o pescador. O grupo aguarda o posicionamento da Prefeitura de Maricá, na esperança do fim desta agonia. "Até agora só temos um vereador do nosso lado. A Prefeitura de Maricá até hoje não nos deu uma posição sobre o porquê destas cancelas", desabafou.

Defesa pelo direito de ir e vir
Há pouco mais de um mês os acessos à Restinga de Maricá foram fechados. Moradores da comunidade de pescadores Zacarias, em Maricá, acusam a empresa de segurança mineira CJF de impedir o direito de ir e vir dos moradores. O sociólogo Washington Luiz Cardoso registrou queixa na 72ª DP (Maricá). "Como tenho residência em Itaipuaçu, sempre passei por dentro da restinga. E o fato de terem restringido a passagem me chamou a atenção. Ao tentar passar com meu carro fui impedido por um dos seguranças", lembrou "Quaquá".
Logo após ter sido impedido de entrar, o professor recorreu à Polícia Militar, que o conduziu à delegacia, onde registrou queixa. O delegado adjunto da 72ª DP, Jorge Albuquerque Maranhão, o acompanhou à restinga e exigiu que os acessos fossem liberados para a passagem de veículos e pessoas. Vilmar Vitor do Nascimento, o supervisor de segurança da empresa CJF, esclareceu que a firma foi contratada no início de novembro e que vigia os principais acessos da restinga desde o dia 7 de novembro. "Recebemos ordem de preservar a área. Tivemos informação de que algumas pessoas estariam furtando areia e viemos coibir esta prática. Outra coisa que incomoda muito é o despejo de entulhos e manifestações religiosas", informou o Vilmar.
Gilson Francisco Correia, de 45 anos, presidente da Associação de Moradores de Zacarias, afirma que cerca de 610 pessoas, entre pescadores e familiares, residem na comunidade há mais de 80 anos. Na volta do exaustivo trabalho do mar, eles são obrigados a se identificar para atravessar uma das duas cancelas que cercam o terreno.

Fonte: O Fluminense

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