Fernanda Marques
Durante a 32ª Reunião do Conselho do Mercosul, realizada em janeiro, no Rio de Janeiro, os presidentes de Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela se mostraram satisfeitos com os avanços do bloco em diversas áreas, entre elas a saúde, conforme nota divulgada pelo Ministério das Relações Exteriores. Contudo, a questão da saúde nas fronteiras requer mais atenção das autoridades, segundo estudo coordenado pela pesquisadora Ligia Giovanella, do Núcleo de Estudos Político-Sociais em Saúde (Nupes), pertencente à Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp) da Fiocruz.
O estudo começou em abril de 2005 e estará concluído até março deste ano. O estudo analisou a demanda por serviços de saúde e o acesso ao atendimento em cidades brasileiras que fazem fronteira com países do Mercosul. Os resultados mostram que muitos estrangeiros e, sobretudo, brasileiros não-residentes buscam assistência nas unidades do Sistema Único de Saúde (SUS). E não são poucos os casos em que estrangeiros esbarram em dificuldades de acesso aos serviços de saúde no território brasileiro. “Mas os secretários municipais de Saúde têm concepções variadas sobre o que é ser estrangeiro. Brasileiros não-residentes, com dupla nacionalidade ou sem documentação adequada, muitas vezes, são considerados estrangeiros”, explica Ligia.
De acordo com as informações fornecidas pelos secretários de Saúde, em 87% dos municípios estudados os serviços do SUS são solicitados por brasileiros não-residentes, sendo que essa demanda é freqüente em 67% das localidades. Os percentuais também são elevados para estrangeiros: eles buscam a assistência do SUS em 75% das cidades e em 36% delas esse tipo de procura é comum. Medicamentos constituem a principal demanda feita por estrangeiros, que também solicitam consultas de atenção básica, partos, vacinas e exames laboratoriais.
Contudo, os considerados estrangeiros nem sempre recebem atendimento. Os secretários de Saúde de 19 municípios disseram que os estrangeiros só são atendidos em casos de emergência. "O Programa Saúde da Família (PSF) está implantado em mais de 80% das localidades. Onde o nível de organização do PSF é maior, a população é atendida mediante a apresentação de um cartão, atualizado periodicamente pelos agentes comunitários de saúde, durante visitas domiciliares. Como os estrangeiros não têm acesso ao cartão, eles encontram barreiras maiores nessas localidades”, comenta Ligia.
Por outro lado, os secretários de Saúde de 24 cidades afirmaram que prestam assistência aos estrangeiros em qualquer situação. Além disso, quase a metade dos municípios brasileiros estudados já realiza ações de saúde em conjunto com as cidades estrangeiras vizinhas. Campanhas de prevenção do dengue e da Aids, vacinação, cursos de capacitação profissional e fóruns de discussão sobre a saúde nas fronteiras são exemplos dessas iniciativas conjuntas. “Nesse sentido, destaca-se a atuação do Grupo de Trabalho Itaipu/Saúde, que conduz o Programa Saúde na Fronteira Brasil/Paraguai, e da Comissão Binacional Assessora de Saúde na Fronteira Brasil-Uruguai”, conta Ligia.
Em quatro municípios-pólo – Dionísio Cerqueira (SC), Foz do Iguaçu (PR), Ponta Porã (MS) e Sant’Ana do Livramento (RS) –, além das entrevistas com os secretários de Saúde, houve contatos com autoridades governamentais das cidades estrangeiras vizinhas e visitas a alguns serviços de saúde dos dois lados da fronteira. Durante a pesquisa, também foram ouvidos os secretários estaduais de Saúde de Mato Grosso do Sul, Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, assim como representantes de Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai no subgrupo de trabalho do Mercosul para a área da saúde. A Venezuela não foi incluída no estudo porque, quando a pesquisa teve início, o país ainda não havia sido incorporado ao Mercosul, o que só ocorreu em julho de 2006.
Um dos frutos do estudo é a tese de doutorado de Luisa Guimarães, que será defendida na Ensp no primeiro semestre de 2007. Também participam do trabalho de pesquisa as pesquisadoras Lenaura Lobato, da Universidade Federal Fluminense (UFF), e Vera Maria Nogueira, da Universidade Federal de Santa Catarina. Em 2006, a pesquisa foi apresentada no Fórum Mercosul sobre Políticas e Sistemas de Saúde, no Congresso Nacional de Saúde Pública e no Seminário Mercosul em Múltiplas Perspectivas: Fronteiras, Direitos, Participação Societária.O Mercosul, a União Européia e outras iniciativas similares, que visam à criação de mercados comuns, com livre circulação de pessoas, mercadorias e capitais, têm impactos diretos e indiretos sobre a saúde das populações. “A situação nas fronteiras antecipa o que pode ocorrer no resto do país, em decorrência de acordos internacionais”, comenta Ligia. Embora as perspectivas econômicas tenham ocupado lugar de destaque nas negociações entre os países, os aspectos políticos e sociais vêm ganhando atenção das autoridades. “Nosso estudo ratifica a necessidade de uma legislação específica para municípios da linha de fronteira, de modo que a população neles residente tenha direitos diferenciados e acesso integral e humanitário aos serviços de saúde. Às vezes, a unidade de saúde mais próxima está em território estrangeiro”, lembra a médica.
Fonte: Fiocruz
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