Pesquisa realizada no Inpe ajuda a compreender turbulências atmosféricas sobre a Amazônia – que afetam o clima global – e comprova conjectura feita pelo criador do “efeito borboleta” em 1991
Fábio de Castro
Uma pesquisa de mestrado realizada no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) deverá facilitar a compreensão do fenômeno da turbulência sobre a floresta amazônica – cuja interação com a atmosfera afeta o clima global – e ajudar a criar modelos meteorológicos mais eficazes. Como se fosse pouco, a dissertação encerrou uma polêmica científica que permanecia há 15 anos.
O trabalho de Andriana Campanharo, apresentado no Laboratório Associado de Computação e Matemática Aplicada do INPE em 2006, será publicado numa edição especial da revista inglesa Philosophical Transactions of the Royal Society of London - Mathematical and Physical Sciences, o mais antigo periódico científico do mundo, editado desde 1665. Num sistema caótico, o bater de asas de uma borboleta pode influenciar sutilmente as condições iniciais de um processo atmosférico, fazendo-o convergir para um dia de sol ou para uma tempestade. O “efeito borboleta” formulado na década de 60 pelo matemático norte-americano Edward Lorenz, é uma das mais conhecidas bases da teoria do caos. O mesmo Lorenz conjecturou, em 1991, que as conexões entre caos e clima, observadas por diversos autores, resultariam da existência de subsistemas caóticos simples, imersos e acoplados a um sistema maior, mais complexo e não-caótico, a atmosfera.
A conjectura de Lorenz, que permanecia controversa até 2006, foi corroborada pela pesquisa de Andriana, orientada por Fernando Manuel Ramos e co-orientada por Elbert Macau, ambos pesquisadores do Inpe. “A idéia de trabalhar sobre a Amazônia surgiu porque havia sido observada a presença de estruturas coerentes sobre a floresta – isto é, grandes vórtices formados pelo atrito entre a copa das árvores e a atmosfera superior. A floresta é permeável e o vai-e-vem destas estruturas através da copa gera um mecanismo semelhante à respiração, que favorece a troca de gases e de energia com a atmosfera. Percebemos que este sistema – estruturas coerentes imersas na atmosfera - coincidia com aquele intuído por Lorenz”, disse Ramos à Agência FAPESP.
De acordo com o orientador, a pesquisadora utilizou séries temporais turbulentas de temperatura e velocidade de vento obtidas pelo projeto Experimento de Grande Escala de Interação Biosfera-Atmosfera na Amazônia, medidas em uma torre micrometeorológica acima da copa da floresta amazônica, com o objetivo de verificar a existência ou não de caos determinístico nos dados. “Depois procuramos selecionar, dentre o conjunto de séries disponíveis, uma que apresentasse sinais nítidos da presença de estruturas coerentes do tipo rampa”, disse Ramos. Andriana realizou uma filtragem dos dados usando a técnica de wavelets de Haar, que permite separar a contribuição das estruturas coerentes do sinal turbulento de fundo. A série foi dividida em dois componentes – a série coerente, basicamente formada de estruturas em rampa – e a série turbulenta de alta freqüência. Separadas a parte coerente e a não-coerente, a existência de caos foi testada com as técnicas apropriadas.
“Construímos os espectro de potência das três séries – a original, a coerente e a incoerente – e verificamos que todas reproduziam, como esperado, a lei da turbulência de Kolmogorov. Depois usamos uma série de algoritmos para analisar as características caóticas das três séries”, disse Andriana à Agência FAPESP. Com o procedimento, a pesquisadora verificou que tanto a série original quanto a coerente tinham uma dimensão de correlação que convergia para um valor finito – o primeiro indício para existência de caos. Em seguida, ela constatou que o expoente de Lyapunov dominante em ambas as séries era positivo – mais um indício para a existência de caos. Finalmente, Andriana fez uma série de testes para verificar robustez dos resultados, como por exemplo, um embaralhamento das séries. “Isso foi necessário, já que, em geral, os algoritmos trabalham com séries sintéticas. Nesses casos, já se sabe de antemão, a partir do modelo empregado, se tratam-se de séries caóticas ou não”, declarou Andriana.
Os resultados, de acordo com a pesquisadora, indicam que a dinâmica caótica encontrada está associada à presença das estruturas coerentes na camada limite atmosférica acima do topo da copa das árvores, e não à turbulência atmosférica em si mesma, confirmando a conjectura de Lorenz. “Compreender como a Amazônia interage com a atmosfera circundante é importante porque este processo afeta o clima globalmente. Para isso é imprescindível entender as características da turbulência atmosférica que permanece sobre a floresta. O trabalho da Andriana deu uma grande contribuição nesse sentido e ajudará a tornar mais simples a modelagem de sistemas meteorológicos”, disse o orientador.
Fonte: Agência Fapesp
Nenhum comentário:
Postar um comentário