Um estudo sobre os hábitos de higiene nos ônibus, feito com apoio de uma bolsa do Programa de Vocação Científica (Provoc), está sendo desenvolvido no Laboratório de Helmintoses do Instituto René Rachou (IRR), unidade da Fiocruz em Minas Gerais. Com a orientação de um pesquisador e a disposição e dedicação de um estudante do Ensino Médio, o trabalho mostrou a contaminação por parasitos nos ônibus urbanos. Mais de um milhão de pessoas usam os transportes públicos em Belo Horizonte todos os dias, conforme dados da BH-Trans. Foram encontrados ovos de Ascaris sp. (a popular lombriga), Enterobius sp. (o oxiúrus) e Hymenolepis sp. (conhecida como tênia anã).
Antes de se saber a que tipo de contaminação a população está exposta ao trafegar nos ônibus de Belo Horizonte, a pesquisa feita pelo estudante Felipe Leão Murta, do Colégio Técnico (Coltec) da UFMG, mostrou que não existem dados atualizados deste tipo de contaminação por parasitos no Brasil. O último inquérito nacional sobre a ocorrência das helmintoses intestinais tem mais de 50 anos, segundo o pesquisador do IRR Cristiano Lara Massara, que orientou o trabalho de Felipe. “O nível de contaminação por helmintos intestinais é um importante indicador de IDH. Todos os dados que usamos foram levantados há mais de 50 anos. Isso nos inspira a propor um novo estudo, mas essa é uma competência do Ministério da Saúde”, afirma Massara. Felipe conta que não foi simples iniciar o estudo, uma vez que o trabalho poderia divulgar uma imagem negativa do transporte público. Não é a opinião dos estudiosos, que entendem que a pesquisa revela riscos ligados aos maus hábitos de higiene da população. Tanto que Massara apressa-se em explicar que “o estudo não critica as condições de higiene das empresas de ônibus”. Para ele, isso é uma importante referência que indica as condições de higiene da população e o nível de contaminação do ambiente pelos parasitos.
Como nada disso é visível a olho nu, o material coletado com fitas adesivas - os ovos dos parasitos - foram analisados com microscópio. Na coleta utilizou-se um método que consiste em fazer vários contatos de uma fita adesiva transparente sobre as superfícies internas dos ônibus e posteriormente fixá-las em lâminas de vidro. Felipe explica: “Você faz a coleta do material, transfere para as lâminas e depois analisa e compara os dados obtidos. Decidimos trabalhar nas estações BHBus. Estas estações ligam regiões estratégicas de BH e assim tivemos uma visão mais geral do assunto. É uma amostra mais fiel do que ocorree na cidade”, diz o estudante.
Em várias regiões do mundo o parasitismo por helmintos intestinais constitui um dos mais sérios problemas de saúde pública e, segundo estimativas globais, o número de infectados corresponde a dois bilhões de pessoas, distribuídas em 150 países.
Considerando-se os riscos que os coletivos podem representar na disseminação das helmintoses intestinais, foram coletadas 88 amostras do interior de oito veículos de diferentes linhas, que partem de duas estações integradas ao metrô e que circulam na região de Belo Horizonte. Até o momento foram analisados os veículos das estações Barreiro e São Gabriel, pelas quais passam em torno de 200 mil pessoas por dia. Foram encontrados ovos de helmintos em todos os veículos das estações. As conseqüências geradas pelas helmintoses intestinais podem variar de leves a severas, dependendo da carga parasitária. “Desnutrição e infecção com os helmintos estão intimamente relacionadas a deficiências no desenvolvimento físico e cognitivo, principalmente entre crianças. As condições climáticas têm um importante papel na disseminação das infecções. Geralmente a prevalência é baixa em regiões áridas e alta em regiões onde o clima é quente e úmido, sendo estas as condições ideais para o desenvolvimento e sobrevivência dos ovos”, diz o documento.
A disseminação dos ovos desses parasitos se dá por diversos meios, como chuva e vento, bem como por insetos ou outros animais. Os ovos dos helmintos são em geral resistentes e já foram encontrados em ambientes diversos, como água do mar, resíduos de esgoto (mesmo após tratamento), banheiros de escola, em depósito de hortifrutigranjeiros, em cédulas de dinheiro, em vegetais vendidos em feiras-livres e consumidos em restaurantes. Tendo em vista esse contexto, Massara recomenda: não levar as mãos à boca e não roer unhas; não comer dentro dos ônibus; ter por hábito lavar sempre as mãos com água e sabão logo que chegar de uma viagem de ônibus ou sair do banheiro; lavar as mãos antes das refeições; e manter as unhas sempre bem aparadas (unhas grandes e sujas são fontes de contaminação). Para Felipe, os resultados validaram a hipótese de que os meios de transporte público têm um papel na disseminação e na transmissão das helmintoses intestinais. “Os ovos dos helmintos encontrados são agentes de diferentes agravos, como falta de apetite, cansaço, diarréia e dores abdominais. Estes terão magnitude diferenciada segundo a suscetibilidade da população e a carga infectante. Estudos que permitam a caracterização sócio-demográfica da população que usa esse meio de transporte são necessários para demonstrar a vulnerabilidade das mesmas e desenvolver ações de promoção de saúde e prevenir estes agravos”, adverte o estudante. Ele recomenda que estratégias de intervenção devam ser aplicadas, visando à prevenção pelas atividades informativas aos funcionários das empresas e aos usuários dos ônibus. Propostas de ações educativas de promoção de saúde poderão ser feitas junto à população, usando principalmente o Jornal do Ônibus e mostrando a necessidade de hábitos de higiene mais rígidos após o uso dos transportes coletivos.
Se a população tiver benefícios com a divulgação do estudo, por meio campanhas para reforço dos hábitos de higiene, o próprio Felipe terá a sua parcela de ganhos com a experiência. Diploma de reconhecimento ele já ganhou, em uma das versões do concurso Jovem Cientista, em um trabalho cujo tema era o sangue. Agora, aprendeu a apresentar a proposta de um trabalho científico, a retirar amostras para o estudo, a trabalhar em laboratório e, depois, a escrever o estudo com base em outros autores e nos dados que levantou. Depois de obter uma vaga no Laboratório de Helmintoses, veio a etapa de buscar orientação para o estudo. “O Cristiano me deu uma abertura para que eu pudesse pensar um tema e apresentasse para ele. E foi o que fiz. Sugeri vários temas. Eu pedi que a gente fizesse um projeto que tivesse um lado social e ele topou. Fiquei pensando, observando meu cotidiano, para ver onde podia fazer um projeto. Eu estava dentro do ônibus, com calor, com a mão no balaústre e pensei: aí está o projeto”. Agora é partir para a análise das lâminas que faltam e ampliar o alcance do estudo. Coisa que os dois estão começando a planejar.
Fonte: Fiocruz
Um comentário:
Muito legal esta pesquisa.
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