Fernanda Alves
Mudanças no clima levarão a escassez de água e savanização da Amazônia, diz relatório do IPCC
Na última sexta-feira, 6 de abril, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) divulgou a segunda parte de seu relatório, em que aborda as possíveis conseqüências do aquecimento global sobre os sistemas socioeconômicos e naturais. O documento conclui, com 80% de certeza, que mais da metade da floresta amazônica pode se transformar em savana e que o aumento da temperatura provocará escassez de água, com impactos na economia e na saúde da população. As regiões mais afetadas seriam a América do Sul e a África, justamente as mais pobres e que menos contribuíram para o efeito estufa. Essas previsões foram debatidas pela comunidade científica durante um evento realizado ontem na Universidade de São Paulo, em que os quatro pesquisadores do Brasil que participaram da elaboração do documento explicaram em detalhes os fenômenos que podem mudar drasticamente a vida na Terra.
A segunda parte do relatório do IPCC, elaborada por 2.500 cientistas de todo o mundo, trata da adaptação e da vulnerabilidade dos países ao aumento de temperatura global – que, segundo o Painel, pode chegar a 4 °C até o fim deste século. No Brasil, entre os impactos previstos, está a savanização da floresta amazônica. “Com o aumento do calor, os ciclos de evaporação se tornam mais constantes, sem tempo suficiente para cultivar a vegetação tropical”, explica o biólogo Philip Fearnside, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. Segundo ele, o cenário mais pessimista prevê ondas de calor (como a que matou 35 mil pessoas em 2003 na Europa) a cada dois anos. “As primeiras vítimas serão as árvores de grande porte”, declara.
O epidemiologista Ulisses Confalonieri, da Fundação Oswaldo Cruz, diz que a escassez de água decorrente do aquecimento global provocará o aumento de doenças diarréicas. “Não haverá só redução na quantidade de água potável, mas também queda na sua qualidade”, destaca o pesquisador, que participou da elaboração do capítulo sobre saúde humana do relatório do IPCC. Com esse quadro, a ocorrência de doenças como malária e leishmaniose pode alcançar proporções ainda maiores, e não só no Brasil. “Acredita-se que o mosquito transmissor da malária consiga chegar mesmo em regiões altas da África, o que não ocorre hoje”, acrescenta. Confalonieri também ressalta que o aumento na temperatura, combinado à maior concentração de gases poluentes, vai aumentar a incidência de doenças cardio-respiratórias na população.
Injustiça ambiental
Quem mais vai perder com os impactos do aquecimento global serão os países mais pobres, justamente os que menos contribuíram com emissões de carbono – o continente africano, por exemplo, tem uma ‘parcela de culpa’ que não chega a 2% e será uma das regiões mais afetadas. Por se localizarem em áreas de clima mais quente, a América do Sul e a África sofrerão com a transformação não só da temperatura e da paisagem, mas também da economia local. A agricultura será o primeiro setor prejudicado, explica Antônio Magalhães, do Banco Mundial. Apesar da injustiça ambiental, ele diz que os países mais pobres não podem “ficar esperando a ajuda dos ricos” e devem tomar suas próprias iniciativas. Segundo Magalhães, o governo brasileiro ainda ensaia um plano de controle da desertificação atrelado ao Ministério do Meio Ambiente. Para ele, no entanto, o Mistério do Planejamento também deveria elaborar medidas de adaptação para o Brasil, pois o país deve enfrentar ainda a intensificação no fluxo migratório do Nordeste – que tende a ficar ainda mais seco – em direção a outras regiões. “A questão mais preocupante atualmente é que não podemos ter planos bem elaborados se não investirmos em pesquisa no Brasil.” Os cientistas concordam: “O relatório do IPCC não fala muito sobre o Brasil porque temos poucos dados a fornecer. Sem estudos sobre os impactos ambientais já existentes, fica difícil tomar medidas completas de adaptação e mitigação”, acrescenta o meteorologista Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Uma voz solitária Apesar das evidências, há quem discorde das previsões do relatório – que tem 80% de confiabilidade. Para o geógrafo Aziz Ab’Saber, a elevação da temperatura provocará maior evaporação do oceano Atlântico, o que aumentará a umidade na floresta amazônica. Segundo ele, esse fenômeno faria com que a vegetação crescesse – e não diminuísse.
Mesmo solitária, a afirmação do geógrafo não é absurda. Os pesquisadores concordam que, em um primeiro momento, o aumento das chuvas pode estimular o crescimento da vegetação. Mas, se a temperatura continuar subindo, o clima da região se tornará mais seco e a floresta vai adquirir características próprias da savana. Embora as conclusões tenham alto grau de confiabilidade, esse cenário pode ser menos assustador do que o previsto. Para isso, a redução do desmatamento e a adoção de medidas de adaptação e de mitigação das emissões de gases do efeito estufa são fundamentais. Mas a hora de começar é agora.
Mudanças afetarão maravilhas da natureza
floresta amazônica;
barreiras de corais da Austrália;
salmões selvagens de Bering, no Ártico;
deserto de Chihuahua, entre o México e os Estados Unidos;
tartarugas Hawksbill, que vivem na América Latina e no Caribe;
floresta Valdivia, no Chile e na Argentina;
tigres de Sundarbans, que vivem na Índia;
rio Yangtze, na China; - geleiras do Himalaia;
florestas costeiras do leste da África
Fonte: Ciência Hoje
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