quarta-feira, 25 de abril de 2007

O mal das ruas


O Mycobacterium tuberculosis, que causa a tuberculose (também conhecido como bacilo de Koch). Incidência da doença é 60 vezes maior entre moradores de rua do que na população em geral, segundo estudo feito na USP


Fábio de Castro

A ocorrência da tuberculose é mais de 60 vezes maior entre os moradores de rua da cidade de São Paulo do que na população em geral. A constatação vem de uma pesquisa realizada na Faculdade de Saúde Pública (FSP) da Universidade de São Paulo (USP). No último levantamento feito pela Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo, com dados de 2005, foram registrados 7.906 casos da doença na capital.

Apesar de ser conhecida como “mal do século 19”, a tuberculose não é uma doença do passado. Mesmo com diagnóstico barato e simples, tratamento gratuito e vacina eficaz, ela ainda atinge 2 bilhões de pessoas, quase um terço da população mundial. O novo estudo confirma uma explicação para a contradição: a tuberculose está fortemente associada à pobreza e às más condições sociais. Coordenada por Rubens de Camargo Ferreira Adorno, professor do Departamento de Saúde Materno-Infantil da FSP, a pesquisa, que durou 14 meses, foi apoiada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e contou com recursos do Ministério da Saúde, por meio do Departamento de Ciência e Tecnologia (Decit) da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE). O aluno de doutorado da FSP Walter Varanda é o outro autor do estudo. “O estudo fez parte de uma linha de pesquisa da FSP que trabalha com o desenvolvimento de um modelo de atenção especial. O objetivo era não restringir a pesquisa à epidemiologia da tuberculose entre as populações vulneráveis, mas verificar os problemas do atendimento e do acesso aos serviços de saúde”, disse Adorno à Agência FAPESP.

A equipe trabalhou nas regiões das subprefeituras do Centro e de Pinheiros, que abrigam 65% da população de rua da capital paulista, segundo o censo municipal. “Dividimos essa região em dez setores, a fim de pesquisar os circuitos dessa população. Fizemos um mapeamento dos albergues e locais prováveis de concentração. Observamos também alguns indivíduos dispersos”, disse o pesquisador. A segunda etapa consistiu da aplicação de um questionário e da coleta de escarro. Cada um dos circuitos foi visitado três vezes. Foram aplicados 823 formulários e feitas 300 coletas. “O estudo envolveu uma logística complexa de transporte. Trabalhamos com monitores que tinham sido moradores de rua ou trabalhado com eles”, contou Adorno.
Foram detectados 12 casos de tuberculose em uma amostra de 300 pessoas, indicando uma incidência de 4%. “Os valores são coerentes com a alta incidência de tuberculose entre moradores de rua cadastrados no Programa de Saúde da Família, no âmbito municipal”, disse o pesquisador da FSP. Estima-se que haja 12 mil pessoas em situação de rua na cidade.

A Secretaria Municipal da Saúde registrou, em 2003, uma taxa de 3,36% de casos de tuberculose em um total de 3.270 moradores de rua cadastrados no programa, 67 vezes maior que a ocorrência da doença na população em geral, em torno de 0,05% em mais de 3,3 milhões de cadastrados. Unidade exclusiva de atendimento. O estudo aponta que a rede de assistência social, de maneira geral, é refratária à população de rua. Os moradores de rua, segundo os pesquisadores, sofrem preconceito quando chegam às unidades de atendimento em más condições de higiene, muitas vezes alcoolizados. “A vida sob os viadutos, em condições de alto estresse, torna essas pessoas mais vulneráveis. Por outro lado, o atendimento não chega onde elas estão e o SUS não tem experiência para tratar populações com tais características. As limitações de horários em algumas unidades não são propícias para a realidade do morador de rua. Para eles, um atendimento agendado para dois dias depois é algo impensável”, disse Adorno.

Segundo o pesquisador, o estudo indica que há necessidade de criação de uma unidade de referência em saúde exclusivamente voltada para a população de rua, combinando serviços de higiene e acolhimento terapêutico, em espaço de recepção incondicional. “Seria preciso ter uma equipe de profissionais que trabalhem diretamente nas ruas, intermediando a relação entre moradores de rua e a rede do SUS. Em algumas unidades, encontramos um pessoal técnico extremamente sensibilizado com o atendimento a esse segmento. Mas são pessoas dispersas em um sistema de funcionamento precário”, disse. De acordo com Adorno, algumas instituições sociais, como o Lar de Nazaré e a Toca de Assis, têm serviço diferenciado, com maior sucesso no tratamento da população de rua, oferecendo estrutura física adequada ao abrigo coletivo. “O trabalho deles é muito bom. O problema é que são iniciativas que não estão integradas ao sistema de políticas públicas”, disse. O pesquisador da FSP afirma que falta, no Brasil, uma gestão técnica para a saúde das populações de rua. “Cidades norte-americanas, européias e japonesas mostram preocupação técnica com essas populações em mobilidade. São Paulo não tem tal política pública. Aqui ainda há um abismo entre o sistema e a população”, disse.
O Programa de Equipamentos Multiusuários da FAPESP tem o objetivo de financiar a aquisição de equipamentos de valor bastante elevado e de uso compartilhado por pesquisadores e instituições.

Criado em 1996, como um módulo do Programa de Apoio à Infra-Estrutura de Pesquisa, foi tratado de 1998 a 2002 como um programa especial autônomo. Reativado por meio do edital 02/2004, o Programa de Equipamentos Multiusuários desembolsou mais de R$ 50 milhões em 113 projetos em 2005 e 2006.

Fonte: Agência Fapesp

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