sexta-feira, 11 de maio de 2007

Perigo que vem do mar


Estudo realizado por pesquisadora da USP identifica na água de lastro de navios na costa brasileira o vibrião do cólera, cujo controle passa a integrar a Convenção Internacional para Controle e Gestão da Água de Lastro e Sedimentos de Navios


Fábio de Castro

Um estudo realizado no Departamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) encontrou o vibrião do cólera em quatro de 105 amostras retiradas da água de lastro de navios atracados em diferentes portos brasileiros.

A água de lastro, utilizada em navios de carga como contrapeso para que as embarcações mantenham a estabilidade e a integridade estrutural, é transportada de um país ao outro e pode disseminar espécies alienígenas, potencialmente perigosas e daninhas. Os resultados da tese de doutorado de Keili Maria Cardoso de Souza, defendida na semana passada, tiveram papel decisivo para a inclusão do controle microbiológico do Vibrio cholerae patogênico na Convenção Internacional para Controle e Gestão da Água de Lastro e Sedimentos de Navios. Embora tenha sido aprovada em fevereiro de 2004 pela Organização Marítima Internacional (IMO, na sigla em inglês), agência da Organização das Nações Unidas responsável pela segurança da navegação e prevenção da poluição marinha, a convenção ainda precisa ser ratificada por pelo menos 30 países para entrar em vigor – o que ainda não ocorreu. “No Brasil, até agora, só um procedimento recomendado pela convenção é efetivamente realizado: a Marinha faz análise de salinidade para checar se houve troca da água de lastro a 200 milhas da costa. Nenhuma outra medida é feita”, disse Keili à Agência FAPESP.

Os resultados do estudo destacam a necessidade do controle microbiológico. O trabalho começou em 2001 com a análise da água de lastro em 105 navios a fim de avaliar níveis de contaminação e presença de agentes patogênicos. “Encontramos o Vibrio cholerae 1 toxigênico em quatro amostras. Uma quinta amostra foi condenada por alto número de coliformes. A partir daí, em parceria com a Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária], partimos para uma segunda fase de análise da água nas áreas portuárias brasileiras”, explicou. Foram selecionados sete portos: Belém, Fortaleza, Recife, Sepetiba, Santos, Paranaguá e Rio Grande. De acordo com a pesquisadora, todos os portos tiveram a qualidade da água aprovada. “Mas é preciso fazer uma ressalva: a legislação do Conama [Conselho Nacional do Meio Ambiente] exige análises trimestrais. Nossa amostra foi aprovada apenas pontualmente”, disse. Até 2001, as negociações para a adoção da Convenção Internacional para Controle e Gestão da Água de Lastro e Sedimentos de Navios determinavam que fossem feitas apenas análises de coliformes fecais e de controle de organismos exóticos. Com os resultados do estudo de Keili, o acordo passou a recomendar o controle do vibrião patogênico do cólera. “Concluímos que o Vibrio cholerae é de fato transportado pela água de lastro dos navios. E comprovamos que não havia correlação entre os indicadores fecais e a presença do vibrião. Então seria preciso acrescentar esse indicador microbiológico”, disse a pesquisadora.

Segundo a orientadora da tese, Irma Rivera, que é professora do ICB-USP e consultora da Organização Mundial de Saúde (OMS), o trabalho de Keili foi importante para alertar sobre a necessidade de incluir na convenção exigências de controle de patógenos, vírus e bactérias. “Com o trabalho dela, o Brasil mostrou ser um dos poucos países preocupados com essas normas microbiológicas”, disse ela à Agência FAPESP. De acordo com a professora, o trabalho será muito importante para alertar as autoridades da necessidade de mais pesquisas na área. “Uma recente mudança de direção da Anvisa tirou a água de lastro das prioridades do Ministério da Saúde. É preciso reverter este equívoco”, disse. A presença de alguns tipos toxicogênicos do vibrião é considerada um alto risco por Irma, já que essas variações podem trocar material genético com os microrganismos encontrados no Brasil. “O vibrião do cólera está sendo isolado nos nossos sistemas aquáticos marinhos desde 1979. Ele não é patogênico. É preciso ressaltar que o cólera não é endêmico por aqui, como na Ásia e na África”, disse. Estudos realizados pela equipe de Irma mostram evidências de que algumas epidemias de cólera registradas na década de 1990 no Peru e no Brasil, no porto de Paranaguá, foram causadas pelas águas de lastro. “Reconheço que é muito complicado fazer o controle necessário. Mesmo porque as análises microbiológicas são bastante demoradas e os portos são numerosos”, disse.

De acordo com dados da IMO, cerca de 12 bilhões de toneladas de água de lastro são transportadas anualmente ao redor do mundo. Um cargueiro com capacidade de 200 mil toneladas pode carregar mais de 60 mil toneladas de água de lastro. A IMO avalia que cerca de 4,5 mil espécies são transportadas pela água de lastro pela frota mundial a qualquer momento e, a cada nove semanas, uma espécie marinha invade um novo ambiente em algum lugar do globo. Os navios mercantes, no entanto, transportam mais de 80% das commodities mundiais. Todos os navios cargueiros necessitam da água de lastro e não existem, ainda, produtos substitutos para o lastreamento.

Fonte: Agência Fapesp

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