segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Aquecimento faz surgir "nova" flora na Groenlândia


O agricultor dinamarquês Hans Gronborg observa sua plantanção de couve-flor: é a primeira vez que esse tipo de vegetal é cultivado na Groenlândia

Algo de estranho está acontecendo à beira da floresta de Poul Bjerge, um lugar tão pequenino e tão inesperado que faz lembrar o pedaço de terra que o pai de Woody Allen leva com ele a todo lugar no filme A Última Noite de Bóris Grushenko.

As quatro árvores mais velhas da pequena floresta - de fato os quatro pinheiros mais velhos da Groenlândia, conhecidos como "árvores de Rosenvinge", em honra do estudioso holandês da botânica que as plantou em uma experiência maluca em 1833 - estão despertando. Depois de caírem a uma velhice confortável e estática, elas estão começando a desenvolver novos ramos verdes nos galhos mais altos, como se alguém tivesse, por brincadeira, colado pinhas novas às árvores envelhecidas. "As árvores velhas estão tendo uma segunda juventude", diz Bjerge, 78 anos, que viu o desenvolvimento, gradual e cheio de reviravoltas, da floresta desde que plantou a maioria das árvores, 50 anos atrás. Ele abriu um largo sorriso, como que de um neto orgulhoso. "Elas voltaram a crescer".

Quando a palavra "crescimento" é usada com relação a alguma coisa localizada na Groenlândia, sempre é bom lembrar que, embora a Groenlândia tenha o tamanho da Europa, a ilha abriga apenas nove florestas de coníferas como a de Bjerge, e todas elas cultivadas.
Existem apenas 51 fazendas na região. (Todas se dedicam à ovinocultura, ainda que um homem esteja tentando criar gado. Ele tem 22 vacas.). Excetuadas as batatas, os únicos vegetais que os moradores da Groenlândia comem - se é que os comem - são importados, principalmente da Dinamarca. Mas agora que o clima está aquecendo, não são apenas as velhas árvores que voltaram a crescer. Um supermercado da ilha este ano está vendendo brócolis, couve-flor e repolhos cultivados localmente, pela primeira vez. Oito dos criadores de ovelhas estão plantando batatas para comércio. Outros cinco estão tentando cultivar legumes.

E Kenneth Hoeg, o principal conselheiro agrícola da região, diz que não existe motivo para que o sul da Groenlândia não possa, um dia, estar repleto de plantações de legumes e de florestas viáveis."Se a temperatura subir, boa parte do sul da Groenlândia seria parecida com isso", disse Hoeg, caminhando por Qanasiassat, que fica a curta de distância de Narsarsuaq, uma minúscula comunidade no sul da ilha notável apenas por abrigar um aeroporto internacional.
A floresta de um hectare localizada aqui perto abriga pinheiros, abetos, lariços e abetos vermelhos importados, em meio a uma paisagem rochosa, em uma encosta não muito íngreme ao lado do fiorde, e surge aos olhos do visitante como uma miragem. "Se a temperatura subir um pouco mais, poderíamos estar falando de uma floresta com potencial de exploração madeireira", afirma Hoeg. Mais ao norte, sob a vasta geleira que recobre a Groenlândia formando uma vasta paisagem branca de 1,8 milhão de quilômetros quadrados que recobre 80% da massa terrestre da ilha, o derretimento vem acontecendo em ritmo acelerado, com repercussões não apenas para o modo de vida tradicional nessa ilha de 56 mil habitantes mas também para o resto do mundo. Quando mais o gelo derreter, maior será a elevação do nível dos oceanos em todo o mundo.

Mas aqui, na região sul da ilha, abaixo do círculo ártico - uma terra de água gelada, montanhas intransponíveis, colinas rochosas, ventos súbitos e comunidades isoladas espalhadas como que ao acaso, quase a contragosto, em meio aos fiordes de acesso ocasionalmente bloqueado por geleiras, as mudanças são mais sutis, e parecem oferecer perspectivas um pouco mais promissoras. "O fator que limita a sobrevivência humana na Groenlândia é a temperatura, e existem muitos benefícios que um clima mais quente poderia oferecer", disse Hoeg. "Estamos na fronteira da agricultura, e alguns graus de temperatura podem fazer a diferença". Hoje província autônoma da Dinamarca, a Groenlândia foi colonizada pelo líder viking Erik, o Vermelho, no século 10, depois que sua violência homicida fez com que ele terminasse expulso da Noruega e da Islândia. Reza a lenda que ele batizou a ilha de Groenlândia (Terra Verde) em um esforço para convencer outras pessoas a se juntarem a ele em seu exílio. E, na época, o nome de fato precedia. Era uma ilha relativamente verde, então, com florestas e terras férteis, e os vikings mantiveram plantações e criaram gado na Groenlândia por centenas de anos. Mas as temperaturas despencaram ferozmente durante a chamada Pequena Era do Gelo, iniciada no século 16, e os colonos de origem nórdica terminaram extintos. A agricultura havia deixado de ser possível na ilha.

O clima é um assunto delicado, em um lugar como esse. Um grau a mais de calor aqui, três centímetros a menos de chuva acolá, podem ter sérias repercussões para o fazendeiro que ganha a vida criando ovelhas em um ambiente tão hostil. Mas embora as temperaturas no sul da ilha tenham caído nos anos 80, elas voltaram a subir desde então. Entre 1961 e 1990, a temperatura média anual foi de 0,5 grau Celsius; em 2006, subiu a 1,6 graus Celsius, de acordo com o Instituto Meteorológico Dinamarquês.

Fonte: The New York Times

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