Randal C. Archibold
Para milhões de moradores do condado de Orange, no Estado americano da Califórnia, apertar a descarga nesta semana representará o início de um longo e intenso processo de purificação de esgotos para gerar água potável - envolvendo uma série de filtros, tratamentos, produtos químicos, uso de luz ultravioleta e um prazo de repouso subterrâneo. Na sexta-feira, o Departamento de Água do Condado de Orange ativará aquilo que, segundo os especialistas, representa a maior estação mundial de purificação de efluentes, a fim de ampliar a oferta de água potável. As autoridades locais esperam que a idéia sirva de modelo para serviços de água em regiões do mundo que enfrentem secas persistentes, previsões de escassez de água e projeções de crescimento no consumo.
O processo, que os proponentes definem como "reutilização indireta de água potável" e os céticos classificam como "da privada à torneira", está sendo estudado com atenção em diversas cidades. O conselho municipal de San Diego aprovou em outubro um plano-piloto que acrescentaria água de esgotos tratada a um reservatório de água potável. O prefeito vetou a proposta em função dos custos elevados e da dificuldade de obter a aprovação do público, mas o conselho vai debater uma possível derrubada do veto, em dezembro. Funcionários do departamento de água de San Jose anunciaram estudo sobre o assunto em setembro, e em novembro, no sul da Flórida, foi aprovado um plano para o uso abundante de água reciclada de esgoto, no futuro, como parte de um esforço para repor os estoques de água potável. A idéia também está sendo estudada no Texas. "Veremos projetos como esses surgindo em todos os lugares nos quais exista severa escassez de água", disse Michael Markus, gerente geral do departamento de água do condado de Orange, cuja estação de tratamento, que processará 265 milhões de litros de água ao dia, já foi visitada por profissionais do setor de água de todo o mundo.
O produto final, que segundo os administradores do departamento excede os padrões de qualidade vigentes para a água potável, não será bombeado diretamente para as pias e chuveiros da área, porque regulamentos estaduais o proíbem. A água tratada será injetada no subsolo; metade dela será usada para ajudar a formar uma barreira contra a intrusão de água do mar no lençol freático, e a outra metade se infiltrará gradativamente nos aqüíferos que fornecem água a 2,3 milhões de pessoas, cerca de três quartos da população do condado. O projeto de reciclagem produzirá muito mais água potável, e de qualidade mais alta, do que a estação de tratamento dos anos 70 que está sendo substituída. O Sistema de Reabastecimento de Lençol Freático, nome oficial da estação de US$ 481 milhões, é um labirinto de canos e tanques que recebem água de esgotos tratada, da cor de cerveja escura, proveniente de uma estação de tratamento vizinha, e emprega um sistema de microfiltros para remover resíduos sólidos.
Depois, a água passa por um processo de osmose reversa, que a força a atravessar membranas finas e porosas, em alta pressão, antes de sofrer mais uma limpeza com peróxido e luz ultravioleta, a fim de dissolver quaisquer resíduos de produtos farmacêuticos e cancerígenos. O resultado, diz Markus, "é puro como água destilada", e tem custo semelhante ao de adquirir água potável em atacadistas.
A água reciclada, também conhecida como água recuperada ou água cinzenta, vem sendo usada há décadas em agricultura, paisagismo e na indústria. E há anos águas tratadas de esgoto, conhecidas como "efluentes" são despejadas nos oceanos e em rios como o Mississipi e o Colorado, que são fonte de água potável para milhões de pessoas. Mas apenas pouco mais de umas dúzia de departamentos de água norte-americanos, e poucos mais no exterior, reciclam esgotos tratados a fim de reabastecer a oferta de água potável, ainda que, nos Estados Unidos, nenhum departamento direcione a água assim gerada para uso residencial. A água é tipicamente aspergida ou injetada no solo, o que permite que flua em direção aos aqüíferos. Windhoek, a capital da Namíbia, um dos lugares mais áridos da África, é considerada como a única cidade do mundo que usa "reutilização potável direta" em larga escala, com a água reciclada chegando diretamente às torneiras, disse James Crook, consultor do setor de água que estudou o assunto. Esse tipo de projeto é dispendioso e muitas vezes enfrenta oposição movida por considerações de saúde.
Foi o que aconteceu em 6 de novembro em Tucson, Arizona, onde um referendo em 6 de novembro sobre um projeto que teria proibido a cidade de usar água purificada em seu sistema de água foi derrotado. O departamento de água local disse não planejar esse tipo de sistema, mas a idéia já foi debatida no passado. John Kronko, ex-deputado estadual no Arizona e defensor da proibição, se declarou cético quanto às alegações de que o processo de reciclagem elimina todos os contaminantes da água, e sugeriu que Tucson deveria limitar o crescimento de sua população, em lugar de procurar formas de mantê-lo abastecido. "Não sabemos até que ponto essa idéia é segura", ele disse. "E, se controlássemos o crescimento, não teríamos nunca de nos preocupar com a possibilidade de vir a beber esse tipo de água". O prefeito Jerry Sanders, de San Diego, vetou o plano do conselho municipal alegando que "não se trata de uma solução mágica para as necessidades locais de água", e que o público jamais se entusiasmou com a idéia, nos 15 anos em que ela vem sendo debatida.
Fonte: The New York Times
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