segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Estudo avalia sustentabilidade da cadeia

Os atuais modelos brasileiros de produção de suco de laranja concentrado e de etanol de cana-de-açúcar não são sustentáveis. A conclusão faz parte da tese de doutoramento de Consuelo Fernandez Pereira, apresentada à Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp. De acordo com a pesquisadora, que baseou sua análise em um estudo de caso, a situação decorre do fato de ambos os setores serem dependentes do uso de combustíveis fósseis e causarem variados impactos ambientais ao longo das respectivas cadeias produtivas. A pesquisa, orientada pelo professor Enrique Ortega, contou com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Pesquisa pode ser útil como ferramenta de planejamento

Em seu estudo, Consuelo combinou duas metodologias para averiguar a sustentabilidade dos produtos agroindustriais: Análise Emergética (AE) e Avaliação do Ciclo de Vida (ACV). A primeira mede o consumo de toda a energia empregada direta ou indiretamente para produzir um dado bem ou serviço. “Nesse cálculo, nós consideramos desde a energia solar, que não tem um custo financeiro, até o trabalho humano empregado ao longo da cadeia produtiva.”, explica a engenheira de alimentos. A segunda avalia todos os estágios do ciclo de vida de um produto, desde a aquisição da matéria-prima até a disposição final dos resíduos. Em outras palavras, a metodologia acompanha a trajetória do produto desde o berço até o túmulo. “Ao utilizarmos a AE e a ACV conjuntamente, nós podemos obter um diagnóstico mais preciso do desempenho ambiental de produtos e processos”, acrescenta a autora da tese.

Consuelo diz ter escolhido os dois produtos para análise em razão do que representam para a economia brasileira em geral e para a paulista, em particular. Na safra 2005/2006, o país produziu 14,4 milhões de toneladas de suco de laranja concentrado e congelado, o equivalente a 30% da produção mundial. Do total, 80% seguiram para o exterior. Quanto ao etanol, o Brasil produziu algo como 15 bilhões de litros de álcool na safra 2004/2005, sendo que 94% foram destinados ao mercado interno. São Paulo respondeu sozinho por 66% dessa produção. No caso do suco de laranja concentrado, Consuelo investigou a cadeia tanto do produto convencional quanto do orgânico. “Ao longo do trabalho, eu visitei pomares e indústrias e entrevistei diversos técnicos. Isso me deu uma visão bastante ampla de todo o sistema produtivo”, afirma a pesquisadora. Ainda em relação ao suco de laranja, entre os itens considerados na pesquisa de Consuelo estiveram o sistema agrícola, o transporte da laranja até a indústria, a transformação da fruta em suco, o transporte até a Europa e o transporte dentro dos países europeus. A conclusão da autora da tese é que tanto o produto convencional quanto o orgânico não são sustentáveis, principalmente porque dependem fortemente do uso de combustíveis fósseis. “Isso ocorre em todas as etapas da cadeia, inclusive na fase agrícola, quando são utilizados fertilizantes ou sistemas de irrigação”, assinala.

Embora o suco de laranja orgânico tenha mostrando um melhor desempenho, este também ficou aquém do desejado no que toca à sustentabilidade, conforme a pesquisadora. “De modo geral, podemos dizer que apenas 25% da energia empregada na produção do suco de laranja convencional são renováveis. No caso do suco orgânico, isso sobe para 30%. São índices muito baixos”, afirma. Outro dado computado na tese refere-se à perda de solo proporcionada pela atividade. Conforme os cálculos de Consuelo, para cada litro de suco de laranja produzido, perdem-se 600 gramas de solo. Além disso, 90 litros de água são consumidos para se produzir o mesmo litro de suco.

Etanol

Para analisar a performance do etanol, Consuelo considerou um nível de mecanização da colheita da ordem de 15%, que é a média registrada em São Paulo. Embora o produto tenha um desempenho superior aos dos demais biocombustíveis, aponta a pesquisadora, seu índice de renovabilidade é baixo, ficando na casa dos 35%. “Apesar do uso do bagaço como fonte energética ajudar a minimizar esse impacto, o setor ainda emprega combustível fóssil ao longo da sua cadeia. Em São Paulo, por exemplo, o álcool é transportado das usinas para as bases de distribuição e destas para os postos de combustíveis por meio de caminhões. De acordo com as distâncias percorridas, o impacto ambiental é maior ou menor”.

Outro aspecto relevante levantado pela tese está relacionado às emissões de dióxido de carbono (CO2). Ao contrário do que defendem alguns autores, Consuelo não considera que o etanol seja um mitigador do CO2. “A planta, de fato, absorve boa parte desse gás no ciclo seguinte. Acontece, porém, que a cada ciclo ocorrem emissões devido ao uso de combustível fóssil: seja na etapa agrícola, seja na etapa de produção de etanol, visto que são utilizados insumos industriais que geram CO2 durante sua produção”. Mais um aspecto que depõe contra o álcool em relação à sustentabilidade ambiental, lembra a engenheira de alimentos, é o esgotamento do solo. A cana, de acordo com ela, acelera a exaustão do solo, o que exige a aplicação de quantidades cada vez maiores de fertilizantes ou a mudança de área de plantio. “Não é por outra razão que muitos pesquisadores e ambientalistas estão preocupados com a contribuição desta cultura para o desmatamento da Amazônia, uma vez que ela ‘empurra’ outras atividades agrícolas para regiões mais distantes”, destaca Consuelo. Questionada se é possível melhorar os modelos de produção do suco de laranja e do etanol para que se tornem mais sustentáveis, a pesquisadora avalia que ainda há espaço para aperfeiçoar os dois sistemas. No caso dos dois setores, ela considera a etapa industrial bastante eficiente. “Entretanto, essas atividades ainda oferecem espaço para o uso de energias renováveis e opções ecológicas mais avançadas. Quanto à fase agrícola, pode-se melhorar o manejo do solo de forma a diminuir a necessidade de irrigação e de uso de fertilizantes”, sugere.

No que toca ao etanol especificamente, Consuelo defende a criação de áreas de conservação de vegetação para compensar as emissões do sistema produtivo. Seria interessante, ainda, a adoção de novos modelos de produção e distribuição do álcool, de forma a contemplar a construção de usinas menores para o atendimento de áreas igualmente reduzidas. “Dessa forma, o impacto causado pelas emissões durante a produção e o transporte do produto poderia ser minimizado”, pondera. De acordo com Consuelo, a avaliação da sustentabilidade a partir da combinação da AE e a ACV pode se constituir em importante ferramenta para o planejamento de modelos produtivos mais sustentáveis, bem como para a elaboração de políticas públicas e até mesmo para a adoção de sistemas de certificação, exigência cada vez maior por parte dos países importadores de produtos brasileiros.

Fonte: Jornal da Unicamp

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