quinta-feira, 6 de março de 2008

Crochê ecológico defende Grande Barreira de Coral

Patricia Cohen

As criaturas de forma exótica que começaram a surgir por toda a sala de aula logo passaram a se espalhar pelas cadeiras vazias, a subir pelo colo das mulheres e a ocupar os espaços de suas sacolas de compras. Quando chegarem a seu tamanho pleno, essas criaturas estranhamente ativas encontrarão um lar como parte de uma grande versão da Grande Barreira de Coral - mas em crochê. A versão crochê da barreira de coral, criada com paciência por um grupo voluntário, deve chegar a Nova York no mês que vem.

Essa versão ecológica da grande colcha de retalhos da Aids tem por objetivo atrair a atenção para o efeito da poluição e da alta da temperatura sobre a Grande Barreira, a maior das maravilhas naturais do planeta, disse Margaret Wertheim, uma das organizadoras do projeto, que visitou Manhattan na semana passada para fazer palestras, oficinas de crochê e atrair novos recrutas. Ela explicava a 40 pessoas, quase todas mulheres, reunidas em uma sala de aula da Universidade de Nova York no sábado, que "isso se transformou de um pequeno objeto deixado sobre nossa mesinha de café" em uma exposição que, até o momento, ocupa área de 270 metros quadrados e isso sem contar a pesca do dia. Wertheim, 49, jornalista científica, sua irmã gêmea Christine, que leciona no Instituto de Arte da Califórnia, conceberam a idéia de criar uma homenagem em lã à Grande Barreira de Coral australiana cerca de dois anos e meio atrás. As duas cresceram em Queensland, Austrália, onde a barreira de cerca de 340 mil quilômetros quadrados e os bilhões de organismos microscópios que ela abriga - começa. Mas a Barreira de Coral de Crochê Hiperbólico (falaremos disso à frente) é bem mais que um alerta sobre o aquecimento global. Ela marca a interseção das diversas paixões das irmãos Wertheim ¿ ciência, matemática, arte, feminismo, artesanato e ativismo social.

Por isso, o projeto atraiu ampla gama de participantes, entre os quais o Círculo de Tricô do Harlem (que levou 10 integrantes à universidade), uma aluna de um clube de ecologia e ciência de uma escola de segundo grau em Westchester (que jamais tinha feito crochê), uma geocientista e uma professora de matemática, bem como uma criadora de ovelhas australiana que cria algoritmos para calcular o comprimento do fio de que precisará antes de tosquiar seus animais e tecer a lã. Em Chicago, que recebeu a exposição alguns meses atrás, cerca de 100 mulheres contribuíram para o projeto. Notícias do recife de crochê não param de circular pelas comunidades de tricô e crochê na Internet, e foi assim que Njoya Angrum, fundadora do Círculo de Tricô do Harlem, e Barbara Van Elsen, da Guilda de Crochê da Cidade de Nova York, o descobriram. "Isso leva o crochê a cruzar novas fronteiras, usando materiais diferentes", disse Van Elsen, que estava exibindo na reunião uma gargantilha de crochê alaranjada, verde e amarela que ela mesma fez. "Explorar cores e texturas é muito libertador". Também é "a melhor maneira de conscientizar as pessoas quanto ao que vem acontecendo no mundo".

Formas hiperbólicas

Para Wertheim, uma mulher esbelta, de cabelos grisalhos curtos e ostentando um ar de grande praticidade, o projeto incorpora "a beleza e a criatividade que o pensamento científico gera", um processo que ela chama de "encantamento visual". E, de fato, as belas formas onduladas e complexas dos inúmeros seres que vivem no coral são conhecidas como estruturas geométricas hiperbólicas: formas que os matemáticos até recentemente acreditavam existir apenas na imaginação humana. "Pelo amor de Deus, desista", disse Wolfgang Bolyai a seu filho Jonas, um matemático do século 19 que estava tentando desenvolver essa espécie de geometria não-euclidiana. "Tema-a não menos do que temeria a paixão sensual, porque ela também disporá de seu tempo e o privará de sua saúde, de sua paz de espírito e da felicidade em sua vida". Na verdade, essas formas hiperbólicas são onipresentes, nas bordas das folhas, no padrão das rendas que os estilistas de Project Runway gostam de usar como acabamento em seus vestidos, nos saiotes de gaze das bailarinas e nos elásticos que as meninas usam para prender seus cabelos. Mas os matemáticos não haviam dedicado atenção a elas. Foi apenas em 1997 que Daina Taimina, uma pesquisadora de matemática da Universidade Cornell que havia aprendido crochê em sua infância, na Letônia, compreendeu que, ao acrescentar pontos continuamente de acordo com um padrão de repetição preciso, ela poderia criar modelos tridimensionais de geometria hiperbólica. Pela primeira vez, nas palavras de Wertheim, os matemáticos podiam "segurar seus teoremas nas mãos".

As irmãs Wertheim leram sobre o trabalho de Taimina alguns anos atrás, e a convidaram, em companhia do marido, também matemático, para uma palestra no Institute for Figuring, uma organização sem fins lucrativos que elas fundaram e operam de uma caixa postal em Los Angeles. Foram as estranhas formas floridas de Taimina que inspiraram as irmãs a criar o projeto da Barreira de Coral de Crochê Hiperbólico. A exposição, co-patrocinada pelo Instituto de Ciências Humanas da Universidade de Nova York, estará em cartaz no Broadway Windows, East 10th Street, e no World Financial Center, de 5 de abril a 18 de maio. No auditório, Wertheim abriu uma bolsa e começou a exibir peças de tricô de diversas cores e formatos. Mais tarde, os membros do grupo foram a um grande estúdio de joalheira da universidade, e se acomodaram a uma das seis grandes mesas de trabalho, para começar o crochê. "No começo, eu estava curiosa sobre como faríamos aquelas formas, mas depois a mensagem é que atraiu mais minha atenção", disse Tina Bliss, designer gráfica que vive em Staten Island. Wertheim enfatiza que a arte e a ciência ¿ o "encantamento conceitual" - estão abertos a todos. Aniqua Wilkerson, uma das tricoteiras do Harlem, aprendeu sozinha a fazer tricô, e descobriu que uma das coisas que fazia de errado ao aprender crochê é na verdade a base da criação de formas hiperbólicas. "Uau", ela comentou. "Isso era o que eu vinha fazendo desde o começo".

Fonte: The New York Times

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