segunda-feira, 19 de maio de 2008

Apesar de campanhas, fim da malária está longe

Donald G. McNeil Jr.

No ano passado, desafiando a opinião ortodoxa do setor mundial de saúde, Bill e Melinda Gates apelaram pela erradicação da malária. Ou seja, pelo extermínio do parasita que a causa, em todo o mundo e para sempre, exceto, possivelmente, na forma de espécimes armazenados em laboratórios, como o que aconteceu até agora a apenas uma doença na História: a varíola.

Embora algumas pessoas, entre as quais o presidente do Fundo Mundial de Combate à Aids, Tuberculose e Malária, tenham elogiado o apelo dos Gates e o classificado como fonte de inspiração, há quem veja a proposta como nobre mas quixotesca, porque as ferramentas necessárias a erradicar a malária ainda não existem. Alguns chegam até a acreditar que a proposta possa ser prejudicial. A Fundação Bill e Melinda Gates investiu US$ 1,2 bilhão até o momento, cerca de R$ 1,9 bi, no combate à malária, que de acordo com as estimativas causa 500 milhões de infecções anuais, em 107 países, um milhão das quais fatais. Virtualmente nenhum especialista espera que a doença possa ser erradicada em tempo previsível. A Dra. Regina Rabinovich, diretora de doenças infecciosas da fundação, diz que os Gates sabem que se trata de uma empreitada de longo prazo, impossível sem que mais dinheiro, sistemas de saúde melhores e, provavelmente, uma vacina sejam desenvolvidos, e isso ainda vai demorar muito.
Noção contraproducente

O Dr. Arata Kochi, diretor do programa de malária da Organização Mundial de Saúde (OMS), vai além dos demais céticos e argumenta que o espectro de uma erradicação é contraproducente. Dado um investimento suficiente, ele diz, ferramentas já disponíveis, tais como redes, remédios e DDT, poderiam reduzir em 90% a incidência de malária. Mas eliminar os 10% finais das infecções seria uma tarefa imensa e muito dispendiosa, disse Koch. Mesmo países como a África do Sul deveriam pensar duas vezes antes de seguir este caminho. As falsas esperanças, afirma, podem levar governos a depositar suas esperanças em milagres, em lugar de aceitarem as políticas de controle simples e custosas que ele recomenda.

Por exemplo, funcionários dos serviços de saúde de Ruanda e da Zâmbia, ele afirma, depois de conseguirem reduzir drasticamente a incidência de malária em seus territórios, o consultaram sobre a obtenção de dinheiro para a erradicação. Mesmo países relativamente ricos raramente obtêm sucesso nessa tarefa. África do Sul, Arábia Saudita e México conseguem controlar o número de casos surgidos em seus territórios, mas novas infecções terminam importadas de Moçambique, Iêmen e da Guatemala, respectivamente, ele afirma.

O Dr. Awash Teklehaimanot, diretor do programa de malária no Instituto da Terra, parte da Universidade Colúmbia, disse que se preocupa com a possibilidade de que os apelos pela erradicação suscitem esperanças exageradas, gerando frustração e perda de vontade política, no futuro. "Talvez dentro de 10 a 15 anos devamos pensar nessa possibilidade", ele disse. O debate acontece mais nos salões de conferência sobre a malária do que em público, porque alguns cientistas temem que demonstrar zelo pela causa da erradicação se tenha tornado compulsório, agora.

Rabinovich nega o fato, e alega que as decisões da fundação "não se baseiam em as pessoas concordarem ou não com declarações públicas feitas por Bill e Melinda Gates". A Força-Tarefa Internacional pela Erradicação de Doenças, no Centro Carter, em Atlanta, aponta doenças candidatas à extinção. A malária não está nem mesmo perto do topo. As duas principais, a poliomielite e a dracunculose, persistem teimosamente nas duas primeiras posições da lista. A última campanha pela erradicação da poliomielite começou em 1988, e o funeral da doença estava planejado para o ano 2000. Foram investidos US$ 5 bilhões.

Combate históricoNo começo do século 20, outro dos homens mais ricos do mundo, John Rockefeller, tentou erradicar a ancilostomíase e a febre amarela. No sul dos Estados Unidos, ele saiu vitorioso. No mundo, não. A malária, um parasita que muda de forma e se esconde em múltiplos órgãos de mosquitos e seres humanos, é uma doença maligna comparada com a poliomielite, um vírus pouco duradouro que pode ser bloqueado nos intestinos. A melhor oportunidade para eliminá-la provavelmente existia em 1955, o ano em que Bill Gates nasceu e a OMS anunciou que erradicaria a malária. Com armas então novas, como o DDT e a cloroquina, um quinino sintético de ação rápida, o número anual de mortes causadas pela doença caiu abaixo das 500 mil.

Mas, como diz uma velha e amarga piada corrente entre os parasitologistas, "nós não exterminamos a malária. Exterminamos os especialistas em malária". A campanha funcionou tão bem, inicialmente, que os jovens cientistas passaram a optar por outros ramos da ciência. Mas a campanha lentamente perdeu o efeito. Parasitas resistentes à cloroquina e mosquitos resistentes a pesticidas emergiram. "Silent Spring", livro de Rachel Carson publicado em 1962, transformou o DDT em tabu.

E o mundo mudou. Antes da década de 60, os governos coloniais e empresas combatiam a malária porque seus funcionários vivam em áreas remotas, como os postos de governo nas colinas da Nigéria ou nas Montanhas Marmóreas do Vietnã. Os movimentos por independência em muitos casos resultaram em guerras civis, pobreza, governos corruptos e no colapso da assistência médica. A malária representa, além de tudo, uma arma política tentadora. No sudeste do Zimbábue, diz Clive Shiff, especialista em malária na Escola Bloomberg de Saúde Pública, parte da Universidade Johns Hopkins, a erradicação local fracassou devido à falta de cooperação dos governos da África do Sul e Moçambique, países vizinhos.

A maioria dos países só elimina a malária quando a riqueza chega. As casas passam a ter janelas e os pântanos, em lugar de serem tratados para impedir a proliferação de mosquitos, terminam asfaltados para abrigar shopping centers.

Fonte: New York Times

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