Pesquisas desenvolvidas na Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo introduzem novos conceitos nas áreas da arquitetura e da construção civil
Isabel Gardenal, do Jornal da Unicamp
Uma construção barata, rápida e sustentável
Nas dependências do Escritório Modelo (Emod) da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) da Unicamp está sendo desenvolvida uma proposta de edifício que tem como objetivo contribuir para o desenvolvimento sustentável do campus da Unicamp. Concebido em resposta a uma solicitação da Reitoria, o projeto é resultado de oito meses de pesquisas de especialistas e de alunos de graduação e de pós-graduação. O trabalho procurou privilegiar o uso de materiais recicláveis, que atenuam o impacto ao meio ambiente e que propiciam uma construção rápida, eficiente e econômica, com menor produção de resíduos. Em dezembro último, a proposta foi premiada com uma Menção Honrosa na 8a Bienal Internacional de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo, um dos eventos mais importantes da área. O projeto foi encabeçado pelos arquitetos e professores Leandro Medrano e Gabriela Celani, ambos da FEC.
A iniciativa, além de revelar resultados práticos, propicia novas experiências no campo da metodologia de projeto e do ensino de arquitetura, com resultados já divulgados em congressos especializados. A utilização de teorias, tecnologias e métodos, como o software de avaliação de desempenho e equipamentos de prototipagem rápida, garantiu a aferição das qualidades do edifício projetado antes mesmo de sua construção. Também o custo da obra e principalmente da manutenção do edifício devem ser reduzidos.
Apesar dos custos não serem definidos nessa fase do projeto, a equipe do Emod adotou soluções que podem representar manutenção até 30% mais econômica do que o edifício tradicional, por otimizar itens como iluminação natural, ventilação, tipo de material, maior eficiência na manutenção e uso de água, e eletricidade. O “sistema tipo” combina elementos que, consoante às necessidades colocadas no projeto, adquirem uma forma totalmente diferente: industrializada, racional, sistemática e eficiente, contudo não igual. “Criamos um conceito próprio – não receptivo e não modular, como numa produção em série. É algo inovador em relação à arquitetura discutida no Brasil”, reflete.
Serão, em breve, produzidos protótipos para atender a algumas demandas que já existem na Universidade. “A Reitoria solicitou o desenvolvimento de dois edifícios que deverão ser feitos em parceria com outras equipes de pesquisa e técnicos da Unicamp”, conta Medrano. Conforme ele, pode-se dizer que essa é uma iniciativa pioneira da maneira como foi organizada, agregando alunos por meio de um processo pedagógico de uma disciplina eletiva da graduação.
O futuro, relata ele, consistirá em projetar um produto personalizado, com um valor estimado para as necessidades da instituição e com vistas à diminuição do tempo para desenvolvimento de pastas técnicas. O novo projeto visa ser mais eficiente do que as antigas construções dos primeiros anos da Unicamp, os “edifícios tipo”. “Em 30 anos inclusive poderá gerar economia suficiente para construir até dois edifícios”, comenta Medrano. Mas, além da inovação, o edifício deverá facilitar o acesso das pessoas que têm mobilidade reduzida e realçar pontos ligados à questão ambiental.
Integração
Ao longo do seu processo de concepção, os protótipos ganharam contornos nos laboratórios de Automação e Prototipagem para Arquitetura e Construção (Lapac) e de Estudos em Arquitetura Contemporânea (Leac). Tudo começou com uma pesquisa bibliográfica sobre o tema. Depois foram testados procedimentos mais adequados a este tipo de construção, até chegar – há cerca de um mês – a um produto final mais próximo do ideal. Optou-se por um edifício flexível, afirma Medrano, com características de edifícios sustentáveis (que seguem normas internacionais para construções com esta categoria), e maleável, podendo ser adaptado a diversas situações, com uso de um software capaz de aferir soluções. “Pode ser um laboratório, uma biblioteca, um conjunto de salas para professores e alunos através de um único sistema de arquitetura.”
Uma primeira vantagem do “sistema tipo” mencionada por Medrano é que a unidade da Unicamp que optar por uma ampliação em sua área física terá uma resposta mais rápida. “Isso porque o projeto já está basicamente pronto”, pontua. Se esta unidade procurar uma solução personalizada, o edifício poderá ser perfeitamente adaptado também. Segundo ele, o sistema construtivo predominante será o steel frame. A designação é utilizada internacionalmente para descrever um sistema construtivo que tem o aço galvanizado como principal elemento. Nessa estrutura, não vão tijolos e nem cimento, com o concreto sendo apenas colocado nas fundações.
O arquiteto expõe que o steel frame ainda é pouco adotado no Brasil, sendo formado por peças metálicas de estrutura que organizam todo o edifício, além de vedos leves, tudo montado no local. Trata-se de uma “construção seca” que tem condições de ser instalada rapidamente com o auxílio de uma pequena equipe e com um tempo bem menor do que na construção convencional. “Com ele, podemos diminuir a agressão ao meio ambiente e gerar menos resíduos. Para isso, fomos buscar amparo em balizadores internacionais para edifícios sustentáveis e certificações, os quais servem como parâmetros para soluções.” Outros itens ainda priorizados no projeto foram espaços mais adequados ao desenvolvimento de atividades acadêmicas, salas dos professores, salas de aula, laboratórios etc., que deverão ser mais eficientes que os existentes.
Verticalização
Os grandes edifícios verticalizados substituíram as construções baixas e compactas, dando início ao processo de modernização já a partir da década de 1920. A verticalização é até certo ponto uma forma de otimizar a ocupação do solo e estimular as áreas verdes. Mas, quando se começa a verticalizar demais, adverte Celani, começam a surgir problemas porque na mesma largura de rua em que circulariam “x” veículos, para atender a pessoas que frequentam um prédio de até quatro pavimentos, não permitirá acomodar quantos desejarem ir a um prédio de 10 a 15 pavimentos. Assim sendo, enfatiza Celani, a verticalização tem que ser feita com muito critério. “Caso contrário, implicará necessariamente uma mudança estrutural das redes viária, de abastecimento de água, de esgotos, sem falar em estacionamentos e em uma série de outras consequências que isso poderá trazer. Precisa existir uma garantia de que não será ultrapassada a densidade para a qual aquela infraestrutura urbana foi projetada.”
Medrano descreve que nos protótipos os prédios têm quatro andares, para que os alunos possam circular em todos os pavimentos usando as escadas, deixando os elevadores para o transporte de portadores de necessidades especiais, de mobiliário e de equipamentos mais pesados. O “sistema tipo” segue as normativas associadas à acessibilidade universal, tanto para a circulação vertical e horizontal quanto para o acesso aos sanitários e salas de aula. “Pensamos num edifício democrático e acessível. Os quatro pavimentos previstos permitirão obter uma densidade maior, posto que o nosso tema mais do que verticalidade envolve a densidade. É ter um número certo de alunos e professores com relação à infraestrutura pública, ou seja, iluminação, paisagismo, calçadas e automóveis.”
O projeto, estima Medrano, melhoraria as condições arquitetônicas, urbanas e todas as atividades que compõem a Unicamp. Contribuiria para o cotidiano de todos os professores, alunos e funcionários, mas também para o processo de internacionalização do campus e da Universidade como um todo, uma vez que atingiria os padrões e as instâncias de pesquisas de outras universidades de igual porte.
O arquiteto acredita que a Unicamp ficará com os seus serviços mais próximos, mais propícia aos deslocamentos a pé, aos transportes coletivos e às bicicletas. “Todas as relações entre núcleos de pesquisa, faculdades e áreas administrativas da Unicamp ficarão mais otimizadas. Este é um processo que outras Universidades no mundo já têm estimulado. A ideia de campus espalhado hoje vem sendo contestada há algum tempo.”
Esforços
Segundo Isabela Sancho, aluna do curso de Arquitetura da Unicamp que atuou em várias etapas do projeto, a oportunidade de interagir com alunos de diversos anos permitiu que o trabalho tivesse um resultado final mais robusto, com características que se complementaram justamente graças a estas diferenças. Para ela, a maior dificuldade foi reunir todas as demandas por funcionalidade, conforto e sustentabilidade num projeto que solucionasse tudo ao mesmo tempo, de forma eficaz e com a coerência requerida pela arquitetura contemporânea. “Foi muito difícil compatibilizar as metodologias experimentadas para produzir o resultado e poder analisá-lo nesta produção.”
Trabalharam no “sistema tipo”, além dos coordenadores, os estudantes de FEC André Gomes Soares, Gabriela Ortega, Giusepe Filocomo, Henrique Rizzi, Isabela Sancho, Luciane Tomiyasu, Natália Amgarten, Tainá Ceccato e os arquitetos Carlos Vaz e Júlia Spinelli.
De acordo com Celani, esses primeiros esforços mostram que fazer arquitetura não é simplesmente questão de bom gosto profissional e nem de demanda funcional do cliente. Envolve pesquisa e sua aplicação, tal como vem ocorrendo no Leac, que se dedica ao estudo da teoria da arquitetura contemporânea, com suas tendências internacionais de linguagem e de métodos ou projetos de arquitetura; e no Lapac, que se volta mais para as novas tecnologias do projeto, equipamentos controlados por computador para produção de maquetes, uso de software para análise e programação de sistemas CAD (Computer Aided Design) para o desenvolvimento de projetos.
Celani esclarece que o Escritório Modelo não deve ser encarado como uma pretensão da FEC. “Em ciências, afinal, a palavra ´modelo´ traduz uma representação parcial da realidade, na qual o número de variáveis é controlado.” Diferentemente de um escritório real de arquitetura, no Escritório Modelo pode-se controlar melhor, por exemplo, o tempo de desenvolvimento de um projeto. Outra coisa: o custo nem se compara a um escritório de arquitetura, já que o trabalho é processado com a participação de muitos estagiários, cujas pesquisas demandam muito tempo e maior dedicação deles.
Ciclovia
O projeto de uma nova ciclovia para a Unicamp também vem sendo desenvolvido pelo Escritório Modelo. Para isso, olhar como outros países têm feito pode ser uma boa saída. Celani diz que a equipe de trabalho observou soluções na Holanda, um dos países com o maior número de bicicletas por habitante. “A partir das soluções de outros contextos, começamos a detalhar quais ruas do campus têm um número elevado de automóveis estacionados dos dois lados e como pode ser feito para que as bicicletas circulem nesses locais”, revela Celani.
Ela recorda que já existiam, inclusive, algumas propostas de ciclovias desenvolvidas por alunos da Unicamp. Uma delas propunha que bicicletas pudessem ser alugadas no campus, de maneira semelhante ao que ocorre em Barcelona. “O aluguel poderia ser validado mediante o uso do cartão de RA do aluno”, sugeria o aluno. As bicicletas seriam deixadas depois num ponto de recolhimento. De alguma maneira, seria preciso contar com um sistema que as transportasse do ponto onde elas foram deixadas até o local de retirada. A especialista defende ainda a verificação da topografia do campus, a tripulação dos ônibus, a circulação dos automóveis. “Este estudo, aliás, já existe e foi detalhado pelos alunos do Escritório Modelo.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário