terça-feira, 25 de maio de 2010

Ação em conjunto

Por Fábio de Castro, da  Agência FAPESP 
Os padrões de uso de energia contemporâneos são insustentáveis em inúmeros aspectos. Para reverter esse quadro, há soluções tecnológicas promissoras – como o desenvolvimento do etanol de segunda geração –, mas elas precisarão ser acompanhadas de profundas mudanças culturais, que poderão incluir a redução do uso do automóvel individual, por exemplo.

Esse foi o teor do debate realizado na abertura do workshop Scientific Issues on Biofuels (Questões científicas sobre biocombustíveis), que reuniu nesta segunda-feira (24/5), na sede da FAPESP, pesquisadores de diversos países para discutir a ciência da produção de biocombustíveis e sua sustentabilidade.

O evento, promovido pela FAPESP, pelo Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (BIOEN), pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) e pelo InterAcademy Panel (IAP) – rede que reúne academias de ciências de diversos países –, prossegue nesta terça-feira (25/5).

De acordo com o professor José Goldemberg, do Instituto de Eletrotécnica e Energia (IEE) da Universidade de São Paulo (USP), o uso do automóvel individual nos padrões contemporâneos pode estar no coração dos problemas energéticos do mundo.

Ele explicou que o setor de transportes – praticamente todo baseado em derivados de petróleo – representa cerca de 30% de toda a energia consumida no mundo. Nesse segmento, nada cresce tão rapidamente como o uso do automóvel individual.

“É um problema assustador, porque já existem cerca de 600 milhões de automóveis rodando no mundo e esse número aumenta continuamente. As pessoas querem o automóvel, ficam dependentes dele e a tendência é que os países em desenvolvimento se encaminhem para o modelo dos Estados Unidos, onde há mais de 700 automóveis para cada mil pessoas”, disse à Agência FAPESP.

Segundo o cientista, ex-reitor da USP e ex-ministro da Educação, dificilmente os avanços tecnológicos serão suficientes para dar conta de solucionar o problema energético se o padrão de uso do automóvel for o mesmo dentro de 15 anos.

“O desafio é grande demais para que a ciência dê conta dele sozinha. Será preciso aliar as soluções tecnológicas a uma mudança cultural, que inclui o incentivo ao uso de metrô, bicicleta e ônibus. As pessoas vão ter que usar menos o automóvel”, disse.

A missão da transformação cultural, de acordo com Goldemberg, não cabe aos pesquisadores. Mas a ciência terá, necessariamente, que dar sua contribuição. Segundo ele, há três caminhos por onde será possível alcançar um transporte sustentável: eletricidade, biocombustíveis e veículos híbridos.

“A solução dos veículos elétricos é muito atraente, mas esbarra em um grande problema: as baterias. Elas são volumosas, pesadas e caras. Por enquanto estão longe de permitir que possamos manter os hábitos atuais de uso de automóveis. Nessa área, os veículos híbridos parecem mais promissores”, apontou.

Para o cientista, no entanto, a alternativa dos biocombustíveis é a mais viável. O Brasil, segundo ele, já tem uma indústria de etanol altamente desenvolvida e competitiva. “O mais interessante é que não apenas contamos com uma produção considerável – são 435 usinas de grande porte, que produzem 27 bilhões de litros de etanol por ano –, mas temos competitividade, o que não ocorre com outras alternativas de energias limpas”, afirmou.

A vitalidade do etanol brasileiro é possível, segundo Goldemberg, porque a cana-de-açúcar tem um balanço energético extremamente favorável. “Usamos uma unidade de combustível fóssil para produzir oito unidades de energia. A cana-de-açúcar tem um balanço energético fantástico e esse é o critério número um de sustentabilidade”, destacou.

Fantasia do status quo
Para Lee Lynd, professor de biologia do Dartmouth College (Estados Unidos), a questão energética é um desafio sistêmico que, para ser encarado, necessitará de uma grande revolução sistêmica. “As tendências atuais são insustentáveis e as soluções, geralmente, são improváveis. Mas sabemos que a manutenção dos padrões atuais é uma fantasia. Precisamos provar que as soluções improváveis são possíveis. É a única alternativa”, disse.

De acordo com Lynd, em 1980 o mundo excedeu sua capacidade regenerativa. “Em 2005, já precisávamos de um planeta com 1,3 vezes mais recursos do que a Terra dispunha para viver de forma sustentável. Isso, se considerarmos o padrão médio de consumo de energia. Se todos seguissem o padrão dos Estados Unidos, seriam precisos 4,5 planetas. Para o padrão da Índia, 0,4 planeta seria suficiente. No padrão alemão, seriam necessárias duas Terras”, disse.

Para Lynd, o uso de biomassa para a produção de energia é a principal alternativa disponível. “Não digo isso só porque estou no Brasil. É uma opinião com base científica: a cana-de-açúcar, a meu ver, é a mais promissora das opções de bioenergia, embora haja restrições”, afirmou.

Segundo o cientista, há dois fatores-chave que impedem a produção de biomassa celulósica em larga escala: a dificuldade de conversão e as preocupações com o uso do solo. “O primeiro fator deverá ter uma solução tecnológica em tempo hábil. A questão do uso do solo, por outro lado, envolve uma intrincada trama política e social”, disse.

Lynd afirma que ainda hoje há avaliações contraditórias sobre a viabilidade física para a produção global de bioenergia sustentável com uso da cana-de-açúcar. Segundo ele, essa contradição se determina pela visão de mundo de cada um.

“Existem ainda muitas avaliações negativas disseminadas pelo mundo quanto ao desejo de um futuro com matriz bioenergética. Mesmo aqueles que têm acesso às mesmas informações acabam chegando a conclusões diferentes em relação a isso. Essas divergências refletem expectativas diferentes em relação à capacidade de inovação e de mudança de hábitos”, disse.

O cientista, no entanto, acredita que, diferentemente do que indicam algumas avaliações feitas nos Estados Unidos, a produção da bioenergia em larga escala com base em etanol poderá ter um papel fundamental no combate à pobreza e à fome, já que sua produção poderá gerar emprego e renda.

“Por outro lado, mesmo nos Estados Unidos as limitações de terras cultiváveis poderiam ser contornadas com mudanças de hábitos alimentares, por exemplo. Sabemos que a necessidade de terra disponível para produzir um quilo de carne bovina é 50 vezes maior do que para produzir um quilo de carne de frango. Se trocássemos a carne de vaca por carne de aves, já teríamos terras com potencial de uso para produção de bioenergia em quantidade suficiente para substituir toda a gasolina do planeta”, disse.

Workshop
O segundo e último dia do workshop terá a palestra Academies, Advisory Councils and Governments-Roles and Responsibilities in Building Successful Societies Through Science, Technology and Innovation, com Howard Alper, professor da Universidade de Ottawa e presidente do Conselho de Ciência e Tecnologia e Inovação do Canadá.

Em seguida, serão realizadas duas sessões de debate, com os temas “The Science of Bioenergy and the Environment” e “Sustainability of Biofuels”, e a apresentação das conclusões por parte dos relatores das sessões.

Mais informações sobre o evento: www.fapesp.br/biofuels

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