quinta-feira, 22 de julho de 2010

Manejar para mitigar

Por Fábio de Castro,  da Agência FAPESP

Evitar o desmatamento continua sendo a melhor estratégia para minimizar a emissão de gases de efeito estufa (GEE) em regiões como o Estado de Mato Grosso, onde a fronteira agrícola avança sobre o Cerrado. Mas o manejo agrícola e o uso adequado do solo também podem contribuir consideravelmente para um futuro com menos emissões.

As conclusões são de um estudo realizado por pesquisadores brasileiros e norte-americanos que, utilizando um modelo biogeoquímico, fizeram uma estimativa dos impactos das emissões de GEE até 2050 em diferentes cenários de desmatamento e de usos do solo na fronteira agrícola de Mato Grosso.

O estudo, realizado por cientistas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) e do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena), da Universidade de São Paulo (USP), e da Universidade de Brown (Estados Unidos), será publicado esta semana no site e em breve na edição impressa da revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS).

O autor principal do estudo, Carlos Clemente Cerri, pesquisador do Cena-USP, é coordenador do Projeto Temático “Impacto ambiental da expansão da agricultura no sudoeste da Amazônia”, apoiado pela FAPESP. Seu filho Carlos Eduardo Pellegrino Cerri, da Esalq-USP – o outro brasileiro envolvido no estudo –, concluiu em março o projeto “Modelagem da dinâmica da matéria orgânica do solo na zona de expansão agrícola do sudoeste da Amazônia: base para pesquisas em mudanças climáticas globais”, apoiado pela FAPESP por meio do Programa Jovens Pesquisadores em Centros Emergentes.

De acordo com Pellegrino Cerri, o estudo surgiu de uma cooperação entre o grupo brasileiro e o norte-americano e é fruto direto do doutorado de Gillian Galford, primeira autora do artigo e aluna do Departamento de Geologia da Universidade de Brown.

O professor do Departamento de Ciência do Solo da Esalq explica que o desmatamento da vegetação nativa causa uma grande emissão de GEE. Mas, após o desflorestamento, também há emissões, que podem ser maiores ou menores dependendo do uso que for dado ao solo.

“Essas áreas originalmente cobertas por vegetação nativa podem ser convertidas em pastagens, ou diretamente em áreas agrícolas. Ou podem servir primeiro à pecuária e depois à agricultura. A ideia do trabalho era estimar as emissões de GEE considerando cenários com diferentes tipos de conversão do uso do solo”, disse à Agência FAPESP.

Três GEE foram considerados no trabalho: dióxido de carbono (CO2), metano e óxido nitroso. Todas as unidades foram expressas em unidades de CO2 equivalente. Com uma abordagem integrada, os cientistas estimaram a dinâmica dos GEE de ecossistemas naturais e de ecossistemas agrícolas após o desmatamento em cenários futuros já utilizados na literatura. As estimativas foram feitas com um modelo biogeoquímico conhecido como Modelo de Ecossistemas Terrestres (TEM, na sigla em inglês).

“Estimamos que as emissões em Mato Grosso possam variar de 2,8 a 15,9 petagramas de CO2-equivalente até 2050. O desmatamento é a maior fonte de GEE nesse período, mas os usos posteriores da terra correspondem a uma parcela substancial – de 24% a 49% – das emissões futuras estimadas no estado. Assim, tanto o desmatamento como o futuro manejo do uso da terra terão papéis importantes para a cadeia de emissão de GEE. Os dois aspectos devem ser considerados na hora de traçar estratégias e políticas públicas relacionadas às mudanças climáticas”, disse.

Segundo Pellegrino Cerri, para validar os dados que seriam obtidos com o modelo TEM, os pesquisadores partiram de cenários atuais em direção ao passado: foram feitas simulações em retrospectiva de cenários já conhecidos de emissões de GEE. Esse procedimento foi aliado a um extenso trabalho de campo.

“Com isso, pudemos comparar os resultados estimados pelo modelo com as nossas observações de campo. A validação dos dados foi feita com uma avaliação baseada em 12 testes estatísticos. Constatando o bom funcionamento do modelo, pudemos utilizá-lo para estimar as emissões de GEE no futuro”, explicou.

Após a conversão do uso do solo, se a área for utilizada para agricultura, as emissões de GEE podem variar muito de acordo com a forma como as práticas agrícolas forem conduzidas. Uma das diferenças mais marcantes pode ser notada entre as produções que utilizam o preparo convencional do solo e as que usam a técnica de plantio direto.

“A técnica de plantio direto muda completamente a concepção da prática agrícola com base em um tripé: a não-mobilização do solo em área total, a manutenção da palha na superfície do solo e a rotação de culturas. Com essas mudanças, as emissões de GEE são substancialmente menores”, disse.

Um dos problemas do preparo convencional do solo, segundo Pellegrino Cerri, é o uso excessivo de aração e gradagem: procedimentos que revolvem o solo com máquinas, invertendo suas camadas superficiais. Essas técnicas, importadas há muito tempo de países de clima temperado, não precisam ser utilizadas em excesso em regiões tropicais.

“Quando o solo é intensamente revolvido, ele é oxigenado e a matéria orgânica fresca fica exposta. Isso acelera a decomposição desse material pelos microrganismos do solo e provoca muitas emissões de GEE. No plantio direto, isso não ocorre. Em vez de usar o arado e a grade em toda a área plantada, o procedimento consiste em fazer um pequeno sulco apenas no local onde a semente é depositada. Como o solo não é revolvido as emissões se reduzem”, disse.

Remoção e rotação
O segundo aspecto da técnica agrícola convencional é a remoção da palha e outros restos vegetais que não são aproveitados na colheita. Esses restos, no entanto, têm grandes porcentagens de carbono em sua composição que, em vez de poluir a atmosfera, podem enriquecer o solo e beneficiar a produção.

“Quando deixamos a palha no campo, ela vai sendo lentamente utilizada pelos microrganismos, transmitindo carbono, nitrogênio, fósforo e outros nutrientes para o solo. É preciso lembrar que todo o carbono presente nessa palha – equivalente a cerca de 50% de sua composição – foi um dia dióxido de carbono que estava na atmosfera e foi sequestrado pela planta durante a fotossíntese”, disse o professor da Esalq.

A rotação de culturas é o terceiro aspecto que, ausente no preparo convencional do solo, poderia contribuir para reduzir emissões de GEE. Além da questão fitossanitária envolvida – as monoculturas são mais suscetíveis a doenças e, portanto, geram maior necessidade de uso de agrotóxicos – a rotação de culturas proporciona o acúmulo de diferentes tipos de palha sobre o solo.

“Quando as culturas são alternadas periodicamente, os restos orgânicos que ficam no solo também variam. Cada microrganismo diferente tem preferência por determinado tipo de material orgânico. Se os restos orgânicos forem sempre provenientes das mesmas plantas, eles vão atender um grupo específico de microrganismos. Se houver uma rotação de culturas, a superposição de palhas de vários tipos também aumentará a biodiversidade local”, explicou.

O artigo Estimating greenhouse gas emissions from land-cover and land-use change: Future scenarios of deforestation and agricultural management (doi: 10.1073/pnas.1000780107), de Carlos Clemente Cerri e outros, poderá ser lido em breve por assinantes da PNAS em http://www.pnas.org/.

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