terça-feira, 24 de agosto de 2010

Incentivos ao biodiesel não melhoram indicadores ambientais

Rosemeire Soares Talamone, do Serviço de Comunicação Social da Coordenadoria do Campus de Ribeirão Preto

Pesquisa da professora Flavia Trentini, da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP analisou o Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB) e concluiu que a implantação do Selo Social mostrou-se eficaz para melhorar os indicadores econômicos e sociais dos agricultores, mas por outro lado os indicadores ambientais foram muito tímidos. Segundo Flavia, a presença de cláusula ambiental de responsabilidade dentro do PNPB atua posteriormente à degradação ambiental, portanto é necessária uma revisão dessa questão pelo órgão que concede o Selo Social para o biodiesel.

O estudo avalia o impacto do Selo Combustível Social no PNPB a partir dos indicadores de sustentabilidade econômico, social e ambiental. A pesquisadora utilizou amostras coletadas em dois pólos de produção de matérias primas do biodiesel, em Quixadá (Ceará), e em Cachoeira do Sul (Rio Grande do Sul). “Escolhemos Quixadá em função de a região receber incentivos governamentais e por estarem focados no desenvolvimento de culturas alternativas, sobretudo da mamona, e na geração de renda numa das regiões mais pobres do País”, explica. No Sul, que utiliza a soja para a produção do biodiesel, diz a pesquisadora, a escolha se deu por ser a que mais se sobressai na produção do biocombustível e em 2009, representou 75,4% de toda a produção do Brasil.

A questão econômica foi analisada a partir de dados de geração de renda e de renda complementar e retorno econômico satisfatório. Já o social teve por base a autossuficiência alimentar da família, por meio da diversificação de culturas, incentivo ao processo decisório coletivo e proteção à diversidade cultural. A ambiental focou a proteção de recursos naturais (solo e água) e rotação e consórcio de culturas. “A pesquisa foi qualitativa, com 60 agricultores familiares produtores de oleaginosas destinadas à produção de biodiesel, a escolha dos agricultores participantes foi intencional e não probabilístico”, diz a pesquisadora.

No Ceará, o perfil dos agricultores que fizeram parte da amostra é de homens, com mais de 40 anos, analfabetos, assentados pelo Programa Nacional de Reforma Agrária e com experiência de mais de 10 anos na agricultura. As propriedades têm tamanho médio de 23,69 hectares, mas a área destinada ao plantio da mamona não ultrapassa a 2,18 hectares. No Sul são homens, com mais de 30 anos de idade, alfabetizados, mas 68% não completaram o primeiro grau, 83% são proprietários e arrendatários das propriedades, e com experiência também de mais de 10 anos na agricultura. O tamanho das propriedades no Sul é quase três vezes maior que do Ceará, 61,10 hectares, e a área destinada ao plantio da soja não passa de 44,33%. Para a pesquisa nos dois locais também foram entrevistados representantes de empresas envolvidas na produção, associações de classe e órgãos do governo.

Renda
Na questão da renda, a pesquisadora observou que até a introdução do PNPB no Nordeste, a agricultura era de subsistência, com o cultivo de milho e feijão. Portanto, com a inserção da mamona foi criada uma nova fonte de renda, mas toda aplicada na subsistência alimentar. No Sul, também a renda vem do cultivo de duas espécies, plantadas em épocas distintas, soja e arroz, mas são destinadas ao mercado, como mais uma alternativa de fonte de renda. Mesmo sendo mais uma fonte de renda nas duas regiões, o destino dos recursos gerados também se diferencia. “Enquanto no Sul eles cresceram para todos os agricultores, no Nordeste 40% disse que cresceu, para 35% foi mantida, resultado de perda parcial ou total da produção em função das condições climáticas, e para 10% os recursos diminuíram”.

"Com relação à aplicação da renda resultante da venda da mamona e da soja o questionamento também apresentou diferenças”, diz a pesquisadora. Enquanto no Sul a resposta foi de investimento na propriedade, compra de bens imóveis e pagamento de dívidas, no Nordeste, onde a venda da mamona aparece como única fonte de renda, a preocupação foi com a melhoria na alimentação. Quanto à diversificação da cultura, ela cumpre o indicador econômico de ingresso de renda de outras atividades. “No Sul, ela está atrelada ao mercado e, no Nordeste, como meio de segurança alimentar e subsistência dos agricultores”, aponta Trentini.

Ambiente
Os indicadores ambientais foram analisados sob o aspecto do meio ambiente natural, aquele que existe independente da influência do homem, como, por exemplo, água, flora, fauna e solo. A preocupação nesse aspecto foi com a rotação de culturas, que se agrega ao uso de corretivos no solo como fatores de proteção. No Sul, 70% dos agricultores responderam que utilizam corretivos, enquanto no Nordeste esse índice é de 58%. Por outro lado a rotação de culturas em alguns locais das duas regiões é feita por meio de consórcios, mas algumas das culturas não são indicadas para a proteção e conservação do solo.

Os agricultores das duas regiões foram questionados sobre a existência de área não cultivada e destinada à preservação da vegetação, como reservas legais e de preservação permanente. Enquanto no Sertão Central do Ceará 64% dos agricultores responderam que possuem área não destinada ao cultivo, no Centro do Rio Grande do Sul, 80% dos entrevistados deixam de produzir em uma área determinada. No Nordeste, dois fatores chamaram a atenção da pesquisadora. “A expressiva área destinada à reserva legal é resultado da forma de aquisição da propriedade”, explica. ” Os entrevistados são assentados no Programa Nacional de Reforma Agrária, que obriga a averbação da área de reserva legal. Também a falta de maquinário para trabalhar a terra pode explicar esse índice”.

Outro fato que despertou a atenção foram as condições dos recursos hídricos. No Nordeste, 91% não despejam qualquer tipo de dejetos nos rios, riachos, olhos d’água, enquanto no Sul esse percentual é de 75%. O dado não esperado, segundo a pesquisadora foi a afirmação de separação dos resíduos orgânicos e inorgânicos por 73% dos agricultores da região Sul, que conta com coleta seletiva rural.

O estudo da professora Flavia faz parte do trabalho de pós-doutorado apresentado na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP, em São Paulo, com orientação da professora Maria Sylvia Macchione Saes. A pesquisa também integra a obra “Ensaios sobre Biocombustíveis”, volume 2, que será lançada em 13 de setembro durante o Workshop “Biocombustíveis e Sustentabilidade”, realizado na FDRP. Maiores informações sobre o evento podem ser consultadas no site da Faculdade.

Mais informações: (16) 3602-4949 / (16) 3602-4949, com Flavia Trentini, e-mail trentini@usp.br

Fonte: Agência USP de notícias

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