Por Fabio Reynol, da Agência FAPESP
A aplicação de inseticidas pode resolver a incidência de doenças em uma determinada lavoura, mas traz uma série de efeitos colaterais indesejáveis. Eliminar o inseto transmissor pode afetar a reprodução de outras espécies vegetais que dependem dele para a polinização. Além disso, resquícios dos químicos empregados aderem à planta e podem contaminar a alimentação humana, bem como rios e outros corpos d'água.
A aplicação de inseticidas pode resolver a incidência de doenças em uma determinada lavoura, mas traz uma série de efeitos colaterais indesejáveis. Eliminar o inseto transmissor pode afetar a reprodução de outras espécies vegetais que dependem dele para a polinização. Além disso, resquícios dos químicos empregados aderem à planta e podem contaminar a alimentação humana, bem como rios e outros corpos d'água.
A preocupação com essas questões fez surgir o conceito de controle biorracional de pragas, uma maneira de controlar o desenvolvimento de insetos sem exterminá-los com o uso de produtos naturais e seus derivados, procurando minimizar os impactos ambientais.
No Brasil, oito unidades de pesquisa de cinco estados se uniram para formar o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) de Controle Biorracional de Insetos Pragas, com a proposta de desenvolver soluções de diversos problemas que atingem as plantações brasileiras.
A Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), a Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), campus de Rio Claro, e a Universidade de São Paulo (USP), com seus campi de Ribeirão Preto e da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, em Piracicaba, são as quatro unidades paulistas que integram o instituto e recebem apoio da FAPESP e do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) por meio da modalidade Temático-INCT.
O INCT também é integrado pelas universidades federais do Paraná e de Sergipe e por duas unidades da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac): a Estação Experimental Sósthenes de Miranda, em São Sebastião do Passé (BA), e a Superintendência da Amazônia Oriental, em Belém (PA).
Uma das vantagens de utilizar compostos naturais no controle de pragas é retirar substâncias tóxicas dos processos ecológicos. “A probabilidade de uma substância natural apresentar toxicidade a um inseto é pequena. Ela pode inibir o desenvolvimento de um determinado inseto, por exemplo, e isso poupa de produtos tóxicos o animal, o meio ambiente e o próprio ser humano, que consumirá alimentos vindos daquela planta”, disse a coordenadora do INCT, Maria de Fátima das Graças Fernandes da Silva, professora do Departamento de Química da UFSCar, à Agência FAPESP.
Por serem mais familiares ao organismo, as substâncias naturais são metabolizadas mais facilmente, enquanto os produtos sintéticos podem acabar se acumulando. Isso ocorre porque os produtos de origem natural fazem parte de um processo de coevolução entre a planta e o inseto. No caso da aplicação de um inseticida sintético, a probabilidade dessa interação é bem menor.
As fontes de substâncias naturais não são somente as plantas, mas também fungos e bactérias, e o trabalho de pesquisa também envolve os mecanismos de interação entre insetos e plantas. “É preciso entender por que o inseto vai até a planta, por que ele carrega a bactéria e por que essa bactéria se desenvolve bem no vegetal, provocando doença”, disse Maria de Fátima.
Uma abordagem como essa foi feita para entender a propagação da Xylella fastidiosa, bactéria causadora da clorose variegada de citros, popularmente conhecida como praga do amarelinho, e cujo vetor são pequenas cigarras da família Cicadellidae.
“Ao entender a interação química entre bactéria e planta, podemos desenvolver um metabólito que iniba a proliferação do patógeno no vegetal ou ainda buscar uma substância que controle a proliferação do inseto vetor”, explicou Maria de Fátima.
O controle dos insetos é ambientalmente mais interessante do que a sua eliminação completa, de acordo com a pesquisadora, pois ele pode ser o vetor de uma doença para uma determinada planta e ao mesmo tempo o polinizador de outra. Portanto, eliminá-lo resultaria em perdas ambientais maiores na região em que o inseto desaparecesse.
Formigas famintas
Outro braço dessa pesquisa investiga a formiga-cortadeira (Atta sexdens rubropilosa), considerada praga de vários tipos de plantas. Para abordar o problema, a equipe da Unesp de Rio Claro estuda o comportamento social desses insetos e o grupo da UFSCar analisa os processos químicos envolvidos.
Uma das abordagens envolve um ataque indireto. Em vez de atingir as próprias formigas, uma substância desenvolvida no projeto elimina os fungos das quais elas se alimentam.
As formigas cortam as folhas das plantas e as levam para um compartimento do formigueiro. Nele, as folhas alimentam uma colônia de fungos que, por sua vez, alimenta toda a comunidade de insetos.
O produto desenvolvido na pesquisa pode ser aplicado sobre a planta ou sobre o solo e é absorvido pelo vegetal e se mistura à seiva, espalhando-se por toda a sua estrutura. O produto que fica nas folhas é recolhido pela formiga e, uma vez no formigueiro, inibe a proliferação do fungo.
Sem alimento suficiente, a colônia de insetos abandona a área deixando aquela plantação. “Eliminar completamente a formiga não seria interessante, pois elas realizam funções importantes como a aeração do solo”, explicou Maria de Fátima.
A pesquisadora conta que foram desenvolvidos no âmbito do INCT dois produtos para combater a Xylella fastidiosa e um para o controle da formiga-cortadeira, que já despertaram o interesse de duas empresas. Os produtos deverão ser patenteados e comercializados.
Algumas dessas sustâncias são envolvidas em cápsulas de escala nanométrica. Esse encapsulamento imprime uma estabilidade muito maior ao princípio ativo, que dura mais e tem sua eficácia aumentada. Isso permite que ele seja aplicado em uma quantidade menor, gerando economia ao produtor agrícola.
Resistência dos produtores
O INCT de Controle Biorracional de Insetos Pragas também está colaborando com a eliminação de uma doença que atinge o mogno africano (Khaya ivorensis). Essa espécie fornecedora de madeira foi importada com o intuito de substituir o mogno brasileiro (Swietenia macrophylla), alvo da lagarta da mariposa Hypsipyla grandela.
Entretanto, embora resistente à mariposa, o mogno africano começou a ser alvo de um fungo que atinge o seu tronco e o deforma, inutilizando a parte comercialmente mais valiosa da planta. O trabalho conjunto com a Ceplac do Pará objetiva encontrar uma solução para o problema.
A pesquisa foca ainda em diversos tipos de lagartas que atacam lavouras. Estão em testes substâncias naturais que inibem o desenvolvimento de suas larvas ou que produzam insetos incapazes de atingir uma plantação.
Embora ambientalmente mais saudável, o controle biorracional de pragas enfrenta um grande obstáculo para sua aplicação: a resistência dos produtores rurais.
“Esse é o maior obstáculo, não apenas no Brasil, mas em diversos outros países. Muitos produtores consideram mais fácil a aplicação de inseticidas e a eliminação completa do inseto causador do problema, ainda que ele seja importante para outras plantas e culturas”, lamentou Maria de Fátima.
INCT de Controle Biorracional de Insetos Pragas: http://www.cbip.ufscar.br/
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