Por Liliane Castelões, da Embrapa Cerrados
Foto: André Minitti |
Experimentos de longa duração na região central do Cerrado brasileiro apontaram que o sistema plantio direto (SPD) com uso da rotação de culturas e presença de plantas de cobertura é o mais promissor para mitigação de gases de efeito estufa (GEE), quando comparado ao cultivo mínimo, sem a presença de plantas de cobertura, ou ainda em relação ao preparo convencional do solo. Os sistemas integrados, ou mesmo os sistemas em que a gramínea braquiária foi utilizada somente como planta de cobertura após a soja, também apresentaram menores emissões de GEE.
Na avaliação das emissões acumuladas por unidade de produto (grãos/massa seca), os pesquisadores da Embrapa Cerrados (DF) observaram que o SPD com milho na presença de nitrogênio (N) e com milheto, como planta de cobertura, resultou na menor intensidade de emissão: 77 miligramas de óxido nitroso (N2O) por quilo de grãos produzido (77 mg N-N2O kg-1 grãos). Esse resultado foi obtido em comparação a outras espécies de plantas de cobertura, a exemplo do sistema com a leguminosa feijão-bravo-do-ceará, que apresentou emissão de 100 mg N-N2O kg-1 grãos.
No experimento mais antigo de Integração Lavoura-Pecuária (ILP) do Brasil, conduzido na Embrapa Cerrados desde 1991, as emissões acumuladas após um período de 509 dias de avaliação no sistema integrado com plantio direto foram de 1,75 kg/ha de N2O, valor 53% e 62% menor do que os observados na área de agricultura contínua sem rotação com pasto e na área de lavoura contínua com preparo anual do solo, respectivamente.
Os experimentos também avaliaram os estoques de carbono após 22 anos de implantação. De acordo com o pesquisador da Embrapa Robélio Marchão, na amostragem para cálculo dos estoques de carbono do solo até a profundidade de um metro, somente os sistemas integrados foram capazes de retornar os estoques aos valores iniciais observados no Cerrado.
Potencial mitigador de gás estufa
Dentre os gases de efeito estufa, o óxido nitroso (N2O) é um dos mais importantes na agricultura, por estar associado com a entrada de nitrogênio (N) no sistema de produção pelo uso de fertilizantes nitrogenados, manejo e decomposição dos resíduos vegetais e pela mineralização da matéria orgânica do solo. Embora tenha menor concentração na atmosfera, o N2O apresenta potencial de impacto 310 vezes maior quando comparado ao dióxido de carbono (CO2), além do tempo de permanência na atmosfera de 150 anos.
No plantio direto com a rotação de culturas, o potencial de mitigação das emissões de N2O é maior independentemente da adoção ou não da adubação nitrogenada, sendo indicado, por exemplo, o uso de milheto e feijão guandu em sucessão ao milho. Para sistemas com uso de soja, as pesquisadoras da Embrapa Arminda Carvalho e Alexsandra de Oliveira sugerem a cultura do sorgo como opção de safrinha sob condição de sequeiro.
As cientistas explicam que o potencial de mitigar GEE do sistema plantio direto com rotação de culturas se deve também à produção de matéria seca das plantas de cobertura, considerando sobretudo a qualidade dessa biomassa produzida. “A produção da matéria seca pode contribuir efetivamente, já que está ligada a processos fundamentais, como a ciclagem e acúmulo de nutrientes, aumentando a sua disponibilidade para as culturas subsequentes, principalmente o nitrogênio, se utilizado eficientemente. Além de proporcionar cobertura e incrementar a matéria orgânica do solo ao longo dos anos”, explica Arminda.
A pesquisadora ressalta também o incremento de produtividade de milho cultivado em sucessão à safra agrícola de milheto e braquiária. A especialista conta que a prática produz maiores quantidades de palhada no sistema plantio direto e, consequentemente, promove maior proteção contra agentes erosivos e acumula mais carbono no solo.
De acordo com Alexsandra de Oliveira, na avaliação das emissões acumuladas por unidade de produto em cada sistema de manejo, com rotação e pousios, o pior resultado foi o da soja em sistema de preparo convencional de solo e posterior pousio (com ausência de plantas de cobertura e sem safrinha), quando comparado ao sistema plantio direto com rotação de culturas. Nesse caso, o plantio convencional apresentou emissão por produto de 3,9 e 9 vezes mais em comparação à rotação milho-guandu e soja-sorgo, respectivamente, em sistema plantio direto.
Para as pesquisadoras, o uso de espécies vegetais que promovam menor dependência por fontes externas de nitrogênio, e que incrementem o rendimento de culturas, precisa ser intensificado nos agroecossistemas. “Os estudos devem relacionar a emissão acumulada de N-N2O pela produtividade, buscando sistemas ou arranjos que resultem em maior eficiência na conversão por produto, isto é, quantidade de nutriente aplicado via fertilizante versus quantidade de grão produzido”, destacam.
Acúmulo de carbono no solo
O plantio direto na palha é uma prática agrícola adotada por produtores no Cerrado desde a década de 1980. Sua adoção viabiliza várias safras num mesmo ano agrícola. Além de reduzir a erosão e evitar perdas de solo, o SPD reduz os custos de produção por não necessitar revolver o solo (menor custo energético) e também aumenta o rendimento das operações de semeadura, ampliando a janela de plantio para o produtor. Dada sua importância, o SPD é uma das tecnologias incluídas no Plano Setorial de Mitigação e de Adaptação às Mudanças Climáticas para a Consolidação de uma Economia de Baixa Emissão de Carbono na Agricultura (Plano ABC).
A inclusão teve como objetivo melhorar a qualidade do sistema, uma vez que há a necessidade de uma cobertura permanente do solo, o que não ocorre nos sistemas de cultivo mínimo ou semeadura direta, nos quais, na maioria dos casos, não há revolvimento do solo. Há ainda em todas as regiões do País uma grande área sob preparo convencional na qual o solo é revolvido, causando emissões de carbono para a atmosfera.
Um dos problemas que podem ocorrer após vários anos da adoção do plantio direto é a saturação do carbono na camada superficial do solo, devido à ausência de revolvimento. O pesquisador Robélio Marchão explica que esse desafio de encontrar outras formas de promover o acúmulo de carbono no perfil do solo em profundidade poderá ser superado com a adoção da integração lavoura-pecuária (ILP), que se baseia na rotação com pastagens em áreas agrícolas.
“Já podemos afirmar, para o caso de solos agrícolas corrigidos, que a rotação dessas áreas com pastagens, em sistemas que integram lavoura e pecuária, é uma das formas de potencializar o sistema plantio direto, permitindo, assim, acumular carbono em camadas mais profundas do perfil do solo”. Em sistemas de integração lavoura-pecuária (ILP) e lavoura-pecuária-floresta (ILPF) onde ocorre essa rotação entre agricultura e pastagens há um maior acúmulo de carbono no solo, principalmente devido ao sistema radicular das espécies forrageiras, que se torna abundante ao encontrar o perfil de solo corrigido.
Trabalhos realizados pela equipe da Embrapa Cerrados no sudoeste goiano, em Rio Verde e Montividiu, também demonstraram que após aproximadamente 15 a 20 anos nos sistemas convencionais de sucessão safra-safrinha há uma saturação do carbono na camada superficial do solo (0-20 cm), não sendo mais possível estocar quantidades significativas de matéria orgânica no perfil. Daí a importância da integração e rotação com pastagens.
A importância da adoção de práticas de manejo sustentáveis
A intensificação sustentável utilizando plantas de cobertura e ainda rotação com pastagens na ILP é apontada como solução técnica para melhoria da qualidade do solo e formação de palhada para o SPD no Cerrado, além da mitigação de GEE. O conceito de intensificação sustentável está ligado ao melhor uso de recursos naturais combinado com o uso das melhores tecnologias e insumos disponíveis (melhores genótipos e maior eficiência ecológica) que minimizem ou eliminem danos ambientais e maximizem os processos ecológicos nos agroecossistemas.
De acordo com a equipe da Embrapa Cerrados responsável pelos estudos, a intensificação sustentável da produção tem sido estudada em todo o mundo e reflete uma busca constante pela maior sustentabilidade no campo, principalmente em relação à sustentabilidade ambiental da produção agrícola.
Arminda Carvalho, Alexsandra de Oliveira e Robélio Marchão chamam a atenção para o fato de a intensificação sustentável na agricultura atender a um dos grandes desafios da produção de alimentos, o de aumentar a produção nas áreas agrícolas existentes, proporcionando menor pressão pela abertura de novas fronteiras agrícolas, sem reduzir a capacidade de continuar produzindo alimentos e garantindo a segurança alimentar.
Arminda reforça que quanto mais eficiente for o sistema em relação ao uso de nitrogênio e em acumular carbono, como no caso da intensificação sustentável, maior seu potencial de mitigar GEE. A necessidade de buscar alternativas de adoção de práticas de manejo que permitam equacionar produtividade com sustentabilidade é enfatizada por Alexsandra. A pesquisadora destaca principalmente a questão da produtividade, tendo em vista que haverá uma crescente demanda por alimentos em função do aumento populacional.
A previsão da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) é de que a população mundial até 2050 será de nove bilhões de pessoas, e a demanda por alimentos será de 3,2 bilhões de toneladas por ano, o que representa 40% a mais do que a demanda atual. “Diante desse cenário, a intensificação sustentável da produção por meio da melhoria da qualidade do sistema plantio direto será fundamental para o futuro da agricultura brasileira”, afirma Alexsandra.
Fonte: Agência Embrapa
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