Daniela Arbex
Diariamente, ele deixa a casa simples onde mora, no Bairro Jóquei Clube, para cuidar da horta que mantém na beira do Paraibuna. Acompanhado da enxada, passa a maior parte do tempo tratando o solo que acaba de lhe dar 180 quilos de feijão em troca dos dez que semeou. Na mesma área, há abóbora, tomate, milho, mandioca, inhame, couve e alface. Os planos de aumentar o cultivo incluem café e quiabo. “O terreno é muito bom e não precisa colocar nenhum adubo. Antes, olhava para o Paraibuna e pensava só em sujeira, hoje valorizo muito o rio”, comenta o ex-funcionário dos Moinhos Vera Cruz, que buscou a área com a intenção de “torná-la produtiva”. Joaquim divide a colheita com a família e vende o que sobra na região onde mora. Na calçada da rua em que vive, seca o feijão que vai para sua despensa. Em casa, fez questão de fritar a mandioca colhida, para atestar o sabor dos alimentos que cultiva não só na beirada do rio, mas em terrenos baldios.
Sombra e água não tão fresca
O morador da Avenida Brasil que faz questão de manter uma porção do rio limpo, preocupa-se com o seu destino. “Fico triste de ver o meu povo fazer o que faz com o Paraibuna. Olha lá descendo lixo. É gente preparada que faz isso. Se fosse eu, que não sei ler, nem escrever, seria uma coisa. Mas é horrível ver quem tem conhecimento fazer isso. Nós todos precisamos de água.”
Especialistas vêem cultura de hortas com cautela - A atividade de plantio, desenvolvida na margem do rio, é vista com cautela por especialistas. O professor de olericultura - técnica do cultivo de hortaliças - da Universidade Federal de Viçosa, Mário Puiatti, defende esse tipo de cultura como forma de melhorar a qualidade de vida das comunidades, mas explica que a beira de rio é considerada imprópria para a atividade, pois o transbordamento, provocado pela cheia das águas, pode levar parasitas aos alimentos e causar danos ao meio ambiente, já que a terra revolvida para implantação das culturas traz risco de assoreamento. Segundo o engenheiro florestal do Ibama, Agostinho Gomes da Fonseca, o Código Florestal proíbe qualquer tipo de intervenção em área de preservação permanente, localizada, no caso do Paraibuna, a cerca de 50 metros do curso d’água. “O uso da área só é permitido mediante autorização de órgão competente, e desde que a atividade seja comprovadamente de interesse social.”
A engenheira florestal da Embrapa, Elizabeth Nogueira Fernandes, reforça a necessidade de preservação das matas ciliares. Além de garantir o equilíbrio do ciclo hidrológico, elas funcionam como zona de amortecimento, impedindo que sedimentos deslocados pela chuva atinjam o rio causando mais assoreamento. No entanto, ela reconhece a questão social que envolve a permanência dos pequenos agricultores no Paraibuna. “É preciso monitorar a atividade deles e ver em que condições está sendo desenvolvida. É necessário fazer um balanço do impacto social e ao meio ambiente”, pondera.
Despoluição - Se o povo do rio tem mudado o aspecto visual do Paraibuna, o atual contrato de empréstimo da ordem de R$ 63 milhões, assinado entre a Prefeitura e a Caixa Econômica Federal para despoluição do rio, poderá melhorar sua situação química e biológica. O secretário de Planejamento e Gestão Estratégica, José Maurício Gomes, explica que o objetivo principal é adotar medidas de saneamento para o esgoto doméstico, por meio da ampliação e criação de Estações de Tratamento de Esgoto (ETEs). As obras do projeto, que está em fase final de discussão técnica, deverão ser iniciadas a partir de 2007 e concluídas em dois anos. “Queremos utilizar da forma mais abrangente e eficiente possível esse recurso”, disse, acrescentando que a contrapartida da Prefeitura é de R$ 7 milhões. Quanto ao esgoto industrial, Gomes destaca a necessidade de conscientização dos empresários e de rígida fiscalização dos órgãos ambientais. Segundo o superintendente da Agenda JF, Williams Martins Coelho Lima, a maioria das indústrias de Juiz de Fora está licenciada junto à Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam) e, por lei, é obrigada a manter suas próprias ETEs. “Exercemos a fiscalização e, em caso de descumprimento, encaminhamos denúncia para Feam”.
Garis retribuem com limpeza- Quem entra na “granja” de Benjamim Marques Neto, 39 anos, dificilmente consegue acreditar que está na beira do Paraibuna. Além do aspecto de limpeza, a área situada no Acesso Norte surpreende pelo inusitado. O espaço é povoado por galinhas, patos, gansos, peru (cujo peso chega a 4kg) e porco. A criação, vendida para motoristas que trafegam pela via, contribui com o orçamento doméstico. Além dos animais, ele comercializa ovos e vende bambu usado como varal por donas de casa da redondeza. A retirada do lixo das margens, uma preocupação de Benjamin, é feita utilizando uma carroça. Morador da Avenida Brasil, Benjamim apenas atravessa a rua para chegar ao local que cercou, a fim de evitar que as galinhas importunem o vizinho João Batista. “Realizei o sonho de ter uma granjinha. Sempre quis comprar uma, mas é muito caro. Só estudei até a segunda série e trabalho está difícil”, explica.
A cano a e o rio - Helvécio Mendes Pereira, 55 anos, também extrai do Paraibuna sua sobrevivência. Há quatro anos, ele retira artesanalmente areia do leito do rio e pelo trabalho consegue R$ 25 ao dia. “Vim para cá, porque sou considerado velho para o mercado de trabalho e novo para receber o benefício do INSS. Então, chego às 4h30, para iniciar o serviço que encontrei.” Com o coador junto ao pequeno barco, ele enche, diariamente, um caminhão de areia. A atividade, segundo ele, também ajuda a manter o rio limpo. “Somos os garis do Paraibuna. Tudo de lixo e plástico que vem no coador, nós recolhemos das águas.”Para manter a produção, Helvécio repete, em média, mais de mil vezes o mesmo movimento, mas a necessidade lhe dá forças para continuar. “Tenho dois filhos e uma neta que ajudo a criar. A gente pena, quero apenas sobreviver”, afirma, comentando, ainda, a luta para conseguir a licença definitiva para trabalhar. Desde janeiro, aguarda resposta sobre o pedido de licença específica junto à Agência de Gestão Ambiental Juiz de Fora (Agenda JF). “Querem exigir de nós a mesma documentação que uma grande empresa do setor de mineração precisa para explorar a atividade.”
Rigor - O superintendente da Agenda JF, Williams Martins Coelho Lima, explica que o processo de licenciamento leva em média 180 dias devido à necessidade de parecer dos diversos órgãos ambientais e do rigor na concessão da licença. “Hoje os areeiros estão bem conscientes do que podem fazer para não degradar o rio. Sem orientação, a atividade pode causar assoreamento”, diz. Atualmente, cerca de dez areeiros exercem a atividade na área urbana. No entanto, o número não é oficial, pois o levantamento ainda não foi concluído pela Agenda JF.Segundo Helvécio, os problemas não o impedem de ser feliz. “Apesar das dificuldades, sinto-me um herói por conseguir tirar, com o meu suor, o sustento de minha família.”
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